Imigrantes usaram o futebol para reconstruir a vida após o Katrina
Rob Hughes
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AP Photo/David J. Phillip - 30.ago.2015
Imagem aérea de 2005 mostra Nova Orleans alagada após o Katrina
Se há um verdadeiro vício pelo futebol masculino nos Estados Unidos, ele é provavelmente mais forte entre a comunidade de imigrantes. Essa força é vista em Nova Orleans, Louisiana, onde o Finn McCool's FC está se preparando para disputar uma partida que é tanto uma celebração da vida quanto do esporte.
O Finn McCool's é uma equipe de bar dominical. Ela foi formada há 10 anos, poucos meses antes do furacão Katrina atingir Nova Orleans. Após a tempestade, seus jogadores acabaram vivendo a milhares de quilômetros de distância, mas voltaram, não apenas para reconstruir suas vidas e seus lares, mas também para reconstruir seu bar e sua equipe.
"Acho que, por sermos imigrantes, nossa postura foi de que se construímos uma vida aqui uma vez, poderíamos fazê-lo de novo", disse Stephen Rea, um norte-irlandês que escreveu um livro aclamado, "Finn McCool's Football Club: The Birth, Death and Resurrection of a Pub Soccer Team in the City of the Dead".
Rea, atualmente com 45 anos, é o último que ainda joga e marca gols pela equipe, que venceu recentemente a Segunda Divisão da Associação de Futebol Adulto do Sul e Leste da Louisiana. Seguindo sua própria fantasia de George Best, o melhor jogador norte-irlandês de todos os tempos, Rea vendeu sua agência de viagens em Belfast para recomeçar nos Estados Unidos com sua mulher americana, Julie.
Ele é o único homem que pode jogar pelos dois lados quando a atual equipe do McCool's enfrentar seus 11 fundadores no bairro Mid-City de Nova Orleans, em 29 de agosto.
O dia marcará o 10º aniversário da tempestade que matou mais de 1.800 pessoas na Louisiana e em outros Estados ao longo do Golfo do México. É a forma dos sobreviventes celebrarem a vida e o amor pelo esporte que os uniu.
McCool é um personagem fictício, pura imaginação. O inglês, holandês, francês, irlandês, sul-africano, escocês e até mesmo um americano da equipe original são a coisa real. Atraídos ao bar para assistirem os jogos da Premier League inglesa tomando cerveja, eles começaram a bater bola de forma improvisada no campo ao lado do zoológico.
Eles estavam começando a deslanchar como equipe quando o furacão Katrina atingiu a cidade. "Éramos um bando de imigrantes velhos", lembrou Rea. "Nós fumávamos, bebíamos e tentávamos jogar sob um calor de 37ºC contra garotos de 18 anos."
O natural do Ulster, fanático por futebol, era na época um escritor à procura de um livro. Ele trocou as bombas e balas do conflito civil por Nova Orleans, com a intenção de permanecer por apenas um ano. O furacão, uma experiência bem mais angustiante que a Irlanda do Norte, forçou ele e Julie a se mudarem para um apartamento minúsculo e deprimente em Houston, Texas.
Mas um jogador da equipe, o sul-africano Benji Haswell, não quis abandonar o que começaram no pub irlandês. O lar de Haswell sobreviveu à enchente e ele acolheu outro jogador, Dave Ashton, cujo lar e família foram parcialmente destruídos.
E, tanto por ser a era da Internet quanto um momento em que uma tela de TV em bar pode unir homens de todos os segmentos da sociedade, Haswell usou o e-mail para contatar o pessoal que ele torcia, sem saber ao certo, para que estivessem vivos em outras partes do país, ou mesmo no exterior.
A mensagem dele era simples: "Vamos continuar vindo aqui", ele escreveu.
Um por um, os homens e suas famílias retornaram. Primeiro, eles tiveram a ajuda dos proprietários para reconstruir o bar Finn McCool's. Logo os membros da equipe –primeiro quatro, depois sete, finalmente 11 jogadores– se reuniram. E conquistaram o mesmo título que a segunda geração da equipe acabou de conquistar na divisão adulta.
Frank Komduur, o holandês da equipe, disse que o Finn McCool's, e o laço entre os homens, foi 50% do motivo para ele ter voltado. Paul Daley, um inglês, encontrou as palavras certas para descrever o laço entre eles. "As outras equipes olhavam para nós como uma ralé da qual podiam rir", ele disse. "Mas nós os derrotamos. Somos um grupo díspar, mas mostramos que tínhamos coesão."
Coesão e compulsão
Rea, o escritor da turma e o viajante, agora se restabeleceu em Nova Orleans com sua mulher e a filha deles de 8 anos, jogadora de futebol. A filha e os pais dos amigos dela estão pedindo para que ele seja o técnico deles, e algum dia ele poderá aposentar as chuteiras e mudar de função no campo.
Afinal, ele é um torcedor do Chelsea, familiarizado com a forma como José Mourinho extrai o melhor de seus jogadores de várias nacionalidades em Londres. Mas Rea tem negócios inacabados em três campos. Ele está escrevendo um livro, desta vez de ficção, não atado à checagem de fatos e atenção aos detalhes que o Katrina lhe forçou no primeiro livro.
É ele quem cuida da filha, Nicola, enquanto sua mulher está no trabalho.
E, por último, e importante, ele continua sendo um jogador. O próximo jogo, em 29 de agosto, será entre o Finn McCool's de 2005 contra o Finn McCool's de 2015.
"Vamos continuar vindo aqui", a mensagem de Benji Haswell, está na mente de todos. É um 10º aniversário que poucos imaginavam que seria possível. É o pulso de homens díspares, atraídos por um esporte simples, afastados por uma catástrofe, mas todos eles sobreviventes.
A partida de sábado, 29 de agosto, provocará milhares de lembranças e 1.800 pesares. Mas o jogo continua e, depois, como costumam fazer, eles brindarão à vida e ao esporte, por serem afortunados por vivê-los. "Alguns de nós carregarão essa experiência por toda a vida", conclui Rea.
Tradutor: George El Khouri Andolfato