Longe de arrebatar a ONU, presidente palestino ressaltou sua própria fraqueza política
Dennis B. Ross*
Em Washington (EUA)
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Richard Drew/AP
Na semana passada, antes de partir para Nova York para discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, declarou que iria lançar uma bomba em seu discurso. A fala muito aguardada, feita na quarta-feira, foi esta: "Não podemos continuar atados a esses acordos assinados", referindo-se ao Acordo de Oslo, "e Israel deve assumir plenamente toda sua responsabilidade como poder de ocupação".
Elas soam como palavras fortes, mas o que de fato significam? Será que Abbas pretende dissolver a Autoridade Palestina, a entidade formada pelo acordo de Gaza-Jericó em 1994? Será que quis dizer que o Protocolo Econômico de Paris, que estabelece que Israel colete os impostos sobre as importações para os territórios palestinos e os repasse para a Autoridade, agora ruirá? Será que falava que a cooperação entre as forças de segurança palestinas e israelenses acabará?
Não conte com isso. Uma coisa é dizer "não estaremos atados por esses acordos" e outra coisa é de fato deixar de implantá-los, particularmente quando a Autoridade Palestina é de longe a maior empregadora na Cisjordânia. Com aproximadamente 70% do orçamento da Autoridade vindo dos impostos coletados pelos israelenses, não haverá pressa para suspender o protocolo econômico. (Toda vez que Israel retém esses fundos, ele cria uma crise financeira nos territórios palestinos.) E, considerando que Abbas enfatiza constantemente sua oposição à violência, é improvável que a cooperação em segurança termine.
Por que, então, ele fez essa declaração? Abbas sabe que os palestinos estão extremamente frustrados. Apesar da nova bandeira tremulando no lado externo da ONU nesta semana, não há um movimento real na direção de um Estado. Parece improvável que a ocupação israelense termine e os palestinos não veem um caminho óbvio para atingir suas aspirações nacionais.
Além disso, a Cisjordânia e Faixa de Gaza estão divididas entre duas autoridades de governo diferentes, com o movimento Fatah, de Abbas, governando a Cisjordânia, e o Hamas no controle de Gaza. Todos os acordos de reconciliação entre os dois grupos fracassaram. E não há eleição presidencial desde 2005 e legislativa desde 2006, minando tanto a legitimidade dos líderes do Fatah quanto do Hamas.
Para piorar ainda mais, o mundo exterior está preocupado com o Estado Islâmico, a guerra civil síria, com a enxurrada de refugiados na Europa e com a guerra no Iêmen –tudo, exceto os palestinos. Nem o presidente dos EUA, Barack Obama, e nem o presidente russo, Vladimir Putin, trataram do conflito palestino em seus discursos na ONU; e líderes regionais mal tocaram nele.
O grande feito do líder palestino e primeiro presidente da Autoridade, Iasser Arafat, que morreu em 2004, foi duplo: ele uniu o movimento palestino e obteve o reconhecimento e aceitação da causa palestina pela comunidade internacional. Em contraste, hoje Abbas conta com pouco apoio público e nenhuma estratégia clara. Sua preferência por levar o conflito à ONU em vez de negociar com Israel obteve o reconhecimento da Palestina como Estado "não membro", uma bandeira na Praça Dag Hammarskjold e a possibilidade de levar Israel ao Tribunal Penal Internacional. Mas nada disso torna mais provável um Estado palestino. Mesmo que o movimento nacional palestino dê historicamente grande peso aos símbolos, o público palestino entende a dura realidade de sua condição.
Diante desse cenário diplomático sombrio, Abbas sentiu a necessidade de fazer algo –de modo que fez seu discurso dramático. Então, na quinta-feira, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, respondeu dizendo à Assembleia Geral: "Estou preparado para retomar imediatamente as negociações diretas com a Autoridade Palestina sem quaisquer pré-condições". Infelizmente, o apelo de Netanyahu cairá em ouvidos quase surdos, porque Abbas duvida que o governo de direita de Israel possa negociar algo e não se sente politicamente capaz de fazer as concessões necessárias no lado palestino.
Em vez disso, Abbas se vira com declarações que espera que alarmem os Estados Unidos, a Europa e outros, para que sintam a necessidade de tratar do conflito entre israelenses e palestinos. Mas com tantos outros desafios na região, é improvável que alguma grande iniciativa focada nos palestinos ocorra tão cedo.
A bomba de Abbas nas Nações Unidas pode não significar muito, mas nos recorda que ignorar o conflito não o fará desaparecer. Agora seria o momento ideal de realizar discussões com importantes líderes árabes e israelenses e sondar discretamente se a convergência de seus temores a respeito do Irã e as ameaças dos radicais islâmicos pode ser usada para tratar do conflito entre israelenses e palestinos. Como a liderança palestina é fraca e Israel duvida que Abbas possa fornecer algo, este também é um bom momento para os líderes dos países árabes assumirem um maior papel nas negociações. Abbas poderia até mesmo se sentir aliviado ao saber que outros assumiriam responsabilidades cruciais em seu lugar. Como Netanyahu ressaltou que as ameaças regionais aproximam Israel e seus vizinhos árabes, vale a pena testar essa possibilidade.
Muito dependerá de os egípcios, jordanianos, sauditas e outros terem a capacidade ou interesse em lidar com a questão palestina no momento. Esses países vizinhos serão fundamentais em qualquer resultado negociado. E como um palestino me disse recentemente, se Abbas pode nem mesmo contar com o apoio necessário para realizar uma reunião do Conselho Nacional Palestino para consolidar sua posição ou preparar sua saída, como poderia considerar tomar decisões históricas por conta própria para solução do conflito?
Israel nunca fará qualquer concessão séria aos palestinos a menos que ganhe benefícios reais dos países árabes; cooperação aberta para lidar com ameaças comuns, integração econômica com a região e normalização dos laços diplomáticos e comerciais. E Abbas não pode contemplar um acordo com os israelenses a menos que os árabes assumam a responsabilidade por essas concessões.
As declarações alarmistas da Abbas na ONU não tornam o Estado palestino mais provável. Mas duas coisas podem: o desenvolvimento de instituições e do estado de direito na Autoridade Palestina e fazer com que os países árabes assumam um maior papel na negociação de um resultado.
*Dennis B. Ross, um conselheiro do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo, foi o negociador-chefe dos Estados Unidos para assuntos árabes e israelenses de 1993 a 2001. Ele é o autor, mais recentemente, de "Doomed to Succeed: The U.S.-Israel Relationship from Truman to Obama" –"Condenado ao Sucesso: O Relacionamento entre EUA e Israel de Truman a Obama", em tradução livre, ainda não lançado no Brasil.)
Tradutor: George El Khouri Andolfato