Processo de impeachment

Opinião: Impeachment de Dilma pode mudar o governo, mas não a política

Carol Pires*

Em Brasília

  • Ueslei Marcelino/Reuters

Uma economia em declínio e a extensa corrupção podem levar à remoção da presidente, mas não há vestígio de reforma política no horizonte

A última foto de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, tirada em 1º de janeiro de 2011, mostra-o descendo a rampa do Palácio do Planalto, como um artista idolatrado que mergulha em seu público no final de um show, ignorando o esquema de segurança e afogando-se no mar das mãos de seus seguidores.

Cinco anos e meio depois, o Senado do Brasil suspendeu provisoriamente a presidente Dilma Rousseff de seu cargo; na quarta-feira (31) ela será totalmente removida da Presidência. Em meio ao desmoronamento do Partido dos Trabalhadores (PT), Lula voltou ao Palácio do Planalto para apoiar a combativa Rousseff. Com os olhos cheios de lágrimas, ele disse a um amigo: "Eu não queria fazer parte dessa foto".

O caminho de uma imagem à outra foi tortuoso. Dilma presidiu uma economia estável durante a maior parte de seu primeiro mandato, mas errou de cálculo ao confiar na manipulação do orçamento para manter o crescimento econômico.

Quando foi reeleita, em 2014, as medidas de austeridade fiscal que ela comandou desaceleraram uma economia já estagnada. A vacilação ideológica deu munição a seus adversários e lhe custou um bom número de seguidores, que viram em sua política fiscal a agenda neoliberal da oposição.

Enquanto isso, a joia das companhias estatais brasileiras, a Petrobras, foi marcada por um caso de corrupção em que os investigadores descobriram uma rede infindável de suborno e corrupção no serviço público; isso abalou a classe política (já há 364 políticos sob investigação).

O PT de Lula, fundado sob a bandeira da ética, está mais uma vez no centro de um escândalo de corrupção (o da compra de votos, Mensalão, foi o primeiro), e desta vez o PT está pendurado como um boneco de Judas para que todos o golpeiem.

A deposição de Dilma e do PT fizeram que o vice-presidente Michel Temer se tornasse o presidente em exercício. Temer, líder do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), foi o principal aliado do governo em afundamento até que se voltou contra Dilma para liderar o processo de impeachment.

No entanto, o PMDB não está menos envolvido no saque da Petrobras que os demais partidos. Uma economia que afunda, e a indignação contra a corrupção, provocaram intensos e sucessivos protestos populares que levaram a uma mudança de governo, mas não da política brasileira.

Temer assumiu como presidente interino em 12 de maio, com um gabinete totalmente branco e masculino. A imagem parece uma foto restaurada de um Brasil aparentemente distante, em forte contraste com o séquito diversificado que partiu com Dilma, a primeira mulher presidente do país.

Os projetos neoliberais do novo governo incluem reformas para afrouxar as leis que protegem os trabalhadores, o fim de uma porcentagem fixa do orçamento do governo para a saúde pública e a educação e o endurecimento fiscal que Dilma não conseguiu realizar --ao todo, um quadro em que os pobres já sabem muito bem quem será deixado de fora.

 

Mesmo que a tempestade não tenha passado completamente, já é possível ver os políticos voltando a seus antigos hábitos --como preencher cargos de gabinete com membros dos partidos de coalizão, muitos dos quais não têm uma ideologia clara, em troca de votos no Congresso. Não há um indício de reforma política no horizonte.

Depois que o impeachment se tornou irrevogável, a ampla inquietação social, gerada pela ira contra a corrupção e mais de 11 milhões de brasileiros desempregados, transformou-se em uma apatia que esvaziou as ruas.

Para muitos, o foco não está mais nos problemas políticos do governo, mas em seus próprios bolsos. Outros concordam com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira, que disse em uma entrevista que Temer não era sua opção, mas "o que está aí está aí!"

A falta de referências ideológicas e a indignação contra os políticos levaram à ascensão de extremistas, como o congressista Jair Bolsonaro, que, ao votar pelo impeachment, elogiou o chefe dos centros de tortura da ditadura.

O Brasil tem hoje o Congresso mais conservador em décadas. O campo está totalmente aberto para que personagens mais extremistas vençam as eleições legislativas em 2018.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff não gerou acusações de corrupção contra ela, mas sim de "pedaladas fiscais", a quebra das regras fiscais para ocultar o real deficit orçamentário. Essa era para o Congresso uma questão menor; o argumento defendido pela maioria era que ela perdeu a capacidade de governar.

Para Dilma e seus aliados, o impeachment é uma tentativa de golpe, posição que gerou forte reação na esquerda. Uma pesquisa Datafolha sobre os índices de aprovação de Temer mostra que 49% dos brasileiros dizem acreditar que o regime legal democrático foi seguido durante o processo de impeachment, enquanto 37% pensam o contrário. Mesmo que as reações iniciais tenham começado a cair na apatia, dados de pesquisas mostram a imagem de uma sociedade brasileira dividida.

Diferentemente da renúncia em 1992 do presidente Fernando Collor, que foi causada por denúncias de corrupção e considerada um progresso das instituições democráticas, a saída de Dilma deixa uma trilha de ressentimento. Embora fraturado e diminuído, o PT ainda é o único partido genuinamente popular.

Em 24 de agosto, Lula não esteve com Dilma em seu último ato como presidente. Ele foi a Mato Grosso do Sul visitar um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, grupo que luta pela reforma agrária. Esse grupo, juntamente com a Central Única dos Trabalhadores, são os mais fortes movimentos organizados do PT. Retornando à base social que ajudou a lançar sua carreira política, Lula parece estar tentando recomeçar.

A camisa verde-amarelo da seleção brasileira de futebol foi um emblema nas manifestações de rua a favor do impeachment. Os manifestantes querem salientar seu patriotismo, mas a imagem das massas usando um uniforme de futebol também funciona como uma espécie de alegoria da situação do país. Eles agem como torcedores que querem derrotar o adversário; eles ganharam uma partida, mas não o campeonato. O PT precisa se reinventar; os outros partidos ainda não viram essa necessidade.

*Carol Pires é repórter política da revista "Piauí"
 

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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