Democracia sobreviverá ao populismo de Trump? A América Latina pode nos dizer
Carlos De La Torre
Em Lexington (Kentucky)
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Shannon Stapleton/ Reuters
A região mostra como líderes populistas fazem suas próprias regras e minam o sistema democrático
Será que Donald J. Trump seguirá o roteiro populista para a concentração de poder reprimindo os críticos? Ou será que as fundações da democracia americana e as instituições da sociedade civil são fortes o suficiente para resistirem a uma ação como essa? Para encontrar respostas, os americanos devem olhar para a América Latina, onde, a partir dos anos 1940, populistas eleitos minaram a democracia.
O populismo não é uma ideologia, mas sim uma estratégia para se obter poder e governar. Dois dos populistas mais influentes da América Latina, Juan Perón, da Argentina, e Hugo Chávez, da Venezuela, viam a política como um confronto maniqueísta entre dois campos antagônicos, assim como Trump faz. Na visão deles, eles não enfrentavam rivais políticos, mas sim inimigos que precisavam ser destruídos.
Os líderes populistas tendem a se apresentar como personagens extraordinários cuja missão é libertar o povo. Para serem eleitos, eles politizam sentimentos de medo ou de ressentimento. Uma vez no poder, eles atacam a estrutura constitucional liberal da democracia que veem como uma restrição à vontade do povo. Os populistas são profundamente antipluralistas, e alegam que representam o povo como um todo. Chávez se gabava: "Isso não tem a ver com Hugo Chávez; tem a ver com um povo". Da mesma forma, Trump disse em um comício na Flórida: "Não tem a ver comigo; ter a ver com todos vocês. Tem a ver com todos nós, juntos como um país."
Os termos "povo" e "elite" são vagos. O "povo" de Perón e de Chávez eram os oprimidos e os não-brancos. O "povo" de Trump é branco, a maior parte deles cidadãos cristãos que produzem riqueza e não vivem de benefícios do governo. Os inimigos de Chávez e de Perón eram políticos corruptos, elites econômicas voltadas para o exterior, o imperialismo e a mídia privada. Na campanha presidencial de Trump, os mexicanos eram retratados como o outro anti-americano, e os muçulmanos representados como terroristas em potencial cujos valores são contrários à cristandade americana. Ele pintou os afroamericanos como delinquentes ou como vítimas vivendo em condições de alienação e desespero. Os inimigos de Trump também eram a mídia, empresas e países que se beneficiam da globalização, e elites liberais que defendem o politicamente correto.
Os populistas fazem suas próprias regras para o jogo político, e parte de sua estratégia é manipular a mídia. Chávez e Rafael Correa, o presidente populista do Equador, borraram os limites entre entretenimento e notícia, usando seus próprios programas de TV semanais para anunciar políticas importantes, atacar a oposição, cantar músicas populares e, naturalmente, demitir pessoas. Eles usavam frequentemente o Twitter para confrontar inimigos, e programas de TV exibiam suas absurdas palavras e ações para obter audiência. Trump pode acabar seguindo esses exemplos e transformar debates sobre questões de interesse nacional em reality shows.
Como os populistas da América Latina se sentem ameaçados por aqueles que questionam sua afirmação de que são a representação das aspirações do povo, eles perseguem a imprensa. Perón e Chávez nacionalizaram os veículos de notícias que os criticavam; Alberto Fujimori do Peru usava os tabloides para caluniar críticos; Correa usou o sistema legal para impor multas astronômicas a jornalistas e proprietários de veículos de mídia. O "Diario Hoy", um jornal de centro-esquerda no Equador no qual eu era colunista, foi forçado a fechar por criticar o governo. Assim como muitos jornalistas e intelectuais no Equador, eu me tornei um alvo do presidente, que me insultou duas vezes em seu programa de TV exibido em cadeia nacional.
Assim como seus primos populistas latino-americanos, Trump demonstra desprezo pela mídia. Ele ameaçou processar jornais e jornalistas por difamação. Embora ele tenha suavizado seus ataques contra a mídia desde as eleições, um confronto com jornalistas vigilantes parece inevitável.
Populistas latino-americanos também atacam a sociedade civil. Da mesma maneira, Trump usou uma linguagem dura contra grupos de direitos civis como o Black Lives Matter. Alguns de seus colaboradores próximos estão falando em ressuscitar o Comitê para Atividades Não-Americanas. Seu apoio a deportações maciças, o uso de revistas em vizinhanças negras e latinas, monitoramento de americanos muçulmanos e reversão nos direitos das mulheres e da comunidade LGBT também poderiam levar a confrontos com organizações de direitos civis e humanos.
Os populistas latino-americanos não respeitam acordos constitucionais, como a separação de poderes. Eles tentam controlar o judiciário, assumir o controle de todas as instituições de monitoramento e criar partidos baseados na lealdade incondicional a um líder. Quando líderes assumem o poder em meio a crises, como quando Chávez e Correa foram eleitos, eles conseguem tomar o poder e estabelecer o autoritarismo às custas da democracia. Na Argentina, instituições democráticas mais fortes resistiram à estratégia de Cristina Fernández de Kirchner de uma polarização populista, bloqueando uma mudança na Constituição argentina que teria permitido a ela permanecer no poder por mais um mandato.
Os Estados Unidos possuem uma tradição de equilibrar os poderes para controlar o poder político. A Constituição divide o poder em três braços, as eleições são separadas, o poder é dividido entre os Estados e o governo federal, e existem dois partidos dominantes. Sob essas restrições e até a eleição de Trump, o populismo estava confinado às margens do sistema político. O populismo de Trump sob essa estrutura institucional não seria mais do que uma fase passageira, e a democracia americana e a sociedade civil seriam fortes o suficiente para sobreviver a desafios populistas sem grandes consequências desestabilizadoras.
Mas mesmo que a estrutura institucional da democracia não desabe com Trump, ele já prejudicou a esfera pública democrática. O discurso de ódio e a difamação das minorias estão substituindo uma política de reconhecimento cultural e tolerância construída através da luta de feministas e de movimentos sociais antirracistas desde os anos 1960.
Trump é um tipo de animal político desconhecido dos americanos, um autocrata populista de extrema-direita. O sexismo, o racismo e a xenofobia o elegeram. Como presidente, ele terá a autoridade de banir os grupos contra os quais ele fez campanha. Uma vez no poder, ele continuará atacando a mídia, as elites liberais e cosmopolitas, e qualquer outro grupo que questione suas políticas.
A democracia não é imune a autocratas populistas. Uma polarização populista, ataques contra direitos civis e um confronto com a imprensa poderiam levar ao autoritarismo nos Estados Unidos, assim como na Venezuela e no Equador. Chávez e Correa não erradicaram a democracia com um golpe de Estado. Em vez disso, eles estrangularam a democracia lentamente, atacando as liberdades civis, regulando a esfera pública e usando o sistema judiciário para silenciar os críticos. Trump pode acabar seguindo seus passos, e os americanos que valorizam um país inclusivo, tolerante e pluralista precisam ficar atentos a isso.
*Carlos de la Torre, professor de sociologia na Universidade do Kentucky, é autor de "Populist Seduction in Latin America" e editor de "The Promises and Perils of Populism: Global Perspectives."
Tradutor: UOL