Opinião: Por que no Reino Unido, aliado histórico dos EUA, para muitos Trump não é bem-vindo
Lara Prendergast*
Em Londres
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Pablo Martinez Monsivais/AP
Donald Trump e Melania Trump chegam ao aeroporto de Stansted, em Londres, no Reino Unido
Durante a vista do presidente Donald Trump ao Reino Unido nesta semana, muita gente tem vontade de lembrá-lo, assim como o resto do mundo, de como o achamos asqueroso. Ele é novo-rico. Está sempre bronzeado. É um ex-astro de reality shows. É americano. Ele é tudo aquilo que os britânicos, esnobes como somos, adoramos odiar. E isso, mesmo antes de tocarmos no assunto de suas horríveis políticas.
Quando se trata de fazer as pessoas se sentirem um peixe fora d'água, ninguém o faz melhor do que nós. Os Estados Unidos podem ser o país mais poderoso do mundo, mas o Reino Unido ainda é o mais esnobe.
Podemos ser totalmente encantadores quando queremos. Em 2011, quando Barack Obama visitou o país, organizamos uma grande recepção. O presidente Obama era legal e engraçado. Ele conheceu a rainha Elizabeth, dormiu no Palácio de Buckingham e foi convidado a discursar para o Parlamento.
Mas em 2011, o Reino Unido, e o mundo, era um lugar diferente. Ninguém falava de fato sobre a União Europeia, a não ser os chatos do Ukip (Partido da Independência do Reino Unido). Nosso primeiro-ministro era David Cameron, um ex-relações públicas aristocrático e descolado, que era conservador, mas admirava Obama, assim como a maior parte do país.
Hoje, em 2018, Trump está preparado para visitar um país mudado. Dois anos atrás, o Reino Unido votou a favor da saída da União Europeia, em um referendo que reacendeu a luta de classes, jogando cidade contra campo, vencedores da globalização contra os perdedores. Os ânimos continuam exaltados e a política continua uma bagunça, basta ver o caos movido pelo Brexit esta semana dentro do governo. Mas imediatamente após o referendo, o clima estava particularmente tenso.
Então quando Trump, na época ainda um candidato republicano, chegou à Escócia no dia seguinte ao referendo, e declarou que o Brexit era "algo ótimo", a classe metropolitana instruída do Reino Unido ficou horrorizada. Então, em novembro de 2016, o impensável aconteceu.
E assim começou um ano de tentativas fracassadas. A nova primeira-ministra do Reino Unido, a mais classe média Theresa May, ofereceu a Trump uma visita de Estado logo no começo do mandato dele; logo tiveram início protestos contra o convite, que coincidiu com o anúncio da proibição de entrada nos EUA para cidadãos de países muçulmanos, decretada por Trump. Membros britânicos do Parlamento prometeram nunca dar a Trump a oportunidade de discursar para o Parlamento. A visita de Trump foi rebaixada para uma mais prosaica "viagem a trabalho". Estava programada uma visita sua em janeiro deste ano, mas depois ele se recusou a aparecer para inaugurar a nova embaixada americana em Londres. "Ele entendeu a mensagem", disse o prefeito de Londres, Sadiq Khan.
Mas desta vez Trump veio. Em resposta, a coalizão Stop Trump está planejando o que eles descrevem como um "carnaval da resistência".
Dezenas de milhares de pessoas devem participar dos protestos. Haverá um desfile de drags, um Bloco Veganos Contra Trump e uma marcha de mulheres, durante a qual baterão panelas e frigideiras.
Vale perguntar por que a França suportou melhor Trump quando ele visitou o país no ano passado. O presidente recém-eleito, Emmanuel Macron, logo lhe ofereceu uma visita de Estado. Houve alguns protestos, mas nada muito significativo. Macron fez tudo que estava ao seu alcance no Dia da Bastilha e Trump pareceu impressionado.
Talvez seja simplesmente porque a França é menos obcecada por classe. Para os britânicos de certos meios, Trump é meio ignóbil, meio vulgar, meio, como Nancy Mitford, a cronista da elite britânica, diria, "non-U" (ou seja, que não pertence à classe alta).
Também ajudou o fato de Macron ter despachado Marine Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais. A França não sucumbiu ao populismo. O Reino Unido do Brexit só observa com inveja, tentando imaginar como poderia ter sido. E agora, muitos britânicos veem em Trump um reflexo do fenômeno do Brexit, ainda que mais laranja e mais sórdido.
Nos preparativos para sua visita, algumas de nossas instituições mais consagradas estão sendo isoladas por medo de que Trump as macule com sua presença. Os planos são secretos, mas o presidente não deve ter uma reunião com a rainha no Palácio de Buckingham, o que é incomum. Ele deve se encontrar com Sua Majestade a portas fechadas no Castelo de Windsor. A Duquesa de Sussex, ou, como a nova integrante americana da família real era conhecida antes de se casar com o príncipe Harry, Meghan Markel, deixou claro que não gosta de Trump. Ainda não se sabe se ela o agraciará com sua presença.
Trump não deve se encontrar com a primeira-ministra em Downing Street, mas jantará com ela em Chequers, sua casa de campo. Ele deve evitar boa parte de Londres, uma cidade que se tornou tanto um bastião tanto anti-Brexit quanto do sentimento anti-Trump. Ele provavelmente visitará o Palácio de Blenheim, lugar de nascimento de Winston Churchill, em Oxfordshire, e depois seguirá para a Escócia para visitar seu campo de golfe.
A campanha Stop Trump diz que pretende "evidenciar o trumpismo" no Reino Unido. Ela também alega nunca ter se posicionado quanto ao Brexit. É claro que há uma repulsa genuína contra muitas das políticas do presidente. Mas o Reino Unido é também um país que tem lidado com muitas de suas próprias inquietações políticas no momento e parece justo pensar se não há alguma espécie de projeção acontecendo.
Dos cerca de cem signatários famosos que apoiaram a campanha Stop Trump, uma lista que inclui a popstar Lily Allen, o ex-líder do Partido Trabalhista Ed Miliband e a ex-mulher de Mick Jagger, Bianca, a esmagadora maioria são pró-União Europeia. Tem-se a impressão de que os membros da campanha esperam que se eles conseguirem deter Trump, seja lá o que isso signifique, também conseguirão deter o Brexit. Ou, no mínimo, que eles conseguirão unir a nação contra o horror na Casa Branca.
Mas só porque o movimento Stop Trump, assim como o movimento Stop Brexit, grita mais alto, não quer dizer que fale em nome de todo o país. Um número razoável de britânicos, assim como um número razoável de americanos, não abominam Trump e tudo aquilo que ele representa. Muitos prefeririam recebê-lo bem, no mínimo porque faz sentido do ponto de vista diplomático.
Em fevereiro, uma pesquisa do YouGov revelou que 45% dos britânicos apoiavam uma visita de Estado de Trump, contra 39% que eram contra. E nem todos pretendem protestar contra a vinda de Trump: em Oxfordshire, um barman disse que receberia Trump com prazer, apertaria sua mão e lhe ofereceria um drink grátis. Se isso acontecer, deixará os esnobes horrorizados, mas poderia acabar sendo o gesto mais diplomático de toda a viagem.
Muitos britânicos reconhecem que Trump ainda pode ser um aliado útil. Somos esnobes, mas também somos pragmáticos. O Reino Unido bem que precisa de amigos neste momento, ainda que vulgares.
*Lara Prendergast é editora-assistente do "The Spectator".
Tradutor: UOL