Opinião: A democracia do Brasil pode ser salva?

Robert Muggah*

  • REUTERS/Nacho Doce

    25.set.2018 - Mulheres protestam contra Jair Bolsonaro (PSL) em São Paulo

    25.set.2018 - Mulheres protestam contra Jair Bolsonaro (PSL) em São Paulo

Um populista de extrema-direita está prestes a assumir a Presidência da quarta maior democracia do mundo.

Jair Bolsonaro (PSL), ex-capitão do Exército, obteve mais de 46% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais do Brasil em 7 de outubro. Ele enfrentará o segundo colocado, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), em 28 de outubro. Haddad conseguiu apenas 29% dos votos.

Mesmo que todos os outros candidatos esquerdistas e centristas o apoiem, ele terá de lutar para parar a ascensão de Bolsonaro.

Os brasileiros estão frustrados, desiludidos e zangados. Bem antes da ascensão de Bolsonaro, eles protestavam contra a política cínica, a corrupção acentuada, a estagnação econômica e os níveis de criminalidade de tirar o fôlego.

Embora as pesquisas recentes sugiram que a maioria dos brasileiros apoiem a democracia, eles estão mais desunidos do que nunca. Mais da metade admitiu que "apoiaria" um governo não-democrático se "resolvesse problemas". (Bolsonaro está entre eles. Ele já afirmou que não aceitaria o resultado de uma eleição em que não fosse declarado vencedor.)

A democracia do Brasil está balançando no limite, mas seu colapso não é inevitável. Seu rejuvenescimento exigirá visão, humildade, tolerância e coragem para enfrentar o que parecem ser diferenças intransponíveis.

Não importa quem vença o segundo turno, as próximas semanas e meses verão o aprofundamento da polarização e o aumento do ódio. Isso não torna menos importante a busca de um meio termo progressivo e soluções reais para os problemas do Brasil.

A eleição ressalta a escala da política desagregadora do Brasil. A polarização política do país é profundamente pessoal, atravessando idade, gênero e classe. Muitos amigos e familiares estão abertamente se perguntando se seus pais, irmãos ou colegas que apoiaram Bolsonaro sempre foram autoritários. E aqueles que não o apoiaram estão visivelmente nervosos, temerosos do ressentimento violento que sua campanha desencadeou.

O sucesso de Bolsonaro se deve muito ao seu poder de dividir. Muitos de seus principais seguidores --especialmente os jovens que compõem sua base-- estão comprometidos com sua cruzada contra a corrupção e o combate ao comunismo. Outros, incluindo mulheres de classe média, são atraídos mais estreitamente por sua mensagem "firme contra o crime".

E parte da elite empresarial do país vê em Bolsonaro --juntamente com seu companheiro de chapa, o general aposentado do Exército Antonio Hamilton Mourão, e seu consultor financeiro pró-mercado, Paulo Guedes-- um baluarte contra o retorno do PT, de esquerda, e seu líder preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Reuters
Bolsonaro vota em escola da zona oeste do Rio de Janeiro

Os três principais partidos políticos do Brasil dividem a culpa pela fragmentação do país. Tanto Lula quanto sua sucessora, Dilma Rousseff, invocaram regularmente a retórica "nós contra eles" durante seus 13 anos no poder, especialmente quando confrontados com escândalos crescentes de corrupção descobertos pelas investigações da Lava Jato.

Os outros dois principais partidos, PMDB e PSDB, também colocaram o Brasil em rota de colisão quando votaram para destituir Dilma em agosto de 2016. Descrito pelos partidários de Dilma como um golpe ilegal, o impeachment dividiu ainda mais os brasileiros.

No entanto, é Bolsonaro quem representa a maior ameaça existente à democracia do Brasil. Ele prometeu alegremente 'limpar o pântano' na capital, Brasília, e restaurar violentamente a lei e a ordem. Mas os brasileiros devem dar uma boa olhada em seu histórico à medida que o segundo turno se aproxima: depois de cumprir sete mandatos ao longo de quase três décadas, primeiro como vereador do Rio e depois como deputado federal, ele entregou apenas dois projetos.

Enquanto o candidato claramente tem as credenciais para liderar uma reação autoritária, muitos duvidam que ele tenha as habilidades para governar em um ambiente multipartidário que depende da construção de coalizões.

Bolsonaro e seu companheiro de chapa são orgulhosos apologistas da ditadura militar que reinou de 1964 a 1985. Ele disse uma vez que a única falha do regime era não ter matado mais pessoas. Sua equipe também apoia a repressão violenta do crime: ele encoraja abertamente a expansão dos poderes policiais para o uso de força letal, a redução da idade da responsabilidade penal de 18 para 16 anos e trazer de volta a pena de morte.

Ele defende maior envolvimento religioso na vida pública. No ano passado, ele declarou que o Brasil é um país cristão; que não existe tal coisa como um Estado secular; e aqueles que discordam devem sair ou se curvar à maioria.

Ele recebeu repetidas denúncias do procurador-geral da República por propagação do discurso de ódio e é abertamente hostil às comunidades afro-brasileiras, populações indígenas e membros de movimentos de sem-terra, que ele descreveu como terroristas.

Os brasileiros podem abraçar a política de divisão e o apelo sedutor de soluções simplistas, seguindo o caminho de autoritários populistas na Hungria, Polônia e Filipinas. Alternativamente, eles podem preservar e renovar sua jovem democracia.

Para começar, eles precisarão construir uma frente popular para conter e derrotar Bolsonaro e sua linha-dura no curto prazo. Esta não será uma tarefa fácil: seu partido, o PSL, agora tem 52 assentos no Congresso, contra apenas oito antes da eleição.

Além disso, Bolsonaro quase certamente dobrará a profunda antipatia de muitos cidadãos em relação ao PT e seu envolvimento na corrupção. Seu adversário, Haddad, vai lutar para construir uma coalizão, particularmente com muitos eleitores do PSDB que devem apoiar Bolsonaro.

A questão decisiva será se os brasileiros temem mais a mensagem antidemocrática de Bolsonaro do que odeiam o PT. Embora seja difícil prever o que vem a seguir, uma coisa é certa: os brasileiros estão enfrentando a luta mais importante de sua geração.

Mas isso é apenas no curto prazo. Para que os brasileiros restaurem genuinamente sua democracia, precisarão fazer muito mais do que apenas votar para manter Bolsonaro longe no poder.

No mínimo, eles devem fundar partidos políticos inclusivos, investir em uma nova geração de jovens líderes e construir pontes baseadas em empatia, compreensão e respeito. Se eles não o fizerem, o terreno continuará a ser fértil para autoritários como Bolsonaro.

*Robert Muggah, 44, canadense, é co-fundador do Instituto Igarapé, think-tank sediada no Rio de Janeiro que estuda a integração das agendas da segurança, justiça e do desenvolvimento.

Tradutor: Thiago Varella

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