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A importância de dizer "NÃO"

Jorge Ramos

11/12/2014 00h01

A palavra mais forte em qualquer idioma é "não". Significa um rompimento, um "pare", um "basta". Esse "NÃO" --com maiúsculas-- esteve muito presente nos protestos no México contra o presidente Enrique Peña Nieto e nas manifestações contra o racismo nos EUA.

Nos EUA, os protestos se devem à discriminação racial. Ponto. A eleição do primeiro presidente afro-americano, Barack Obama, não transformou os EUA em uma sociedade pós-racial (onde não importa a cor da pele). O famoso cineasta Spike Lee me disse em uma entrevista recente que até ele é frequentemente discriminado e que muitas vezes os táxis em Nova York não param para levá-lo devido à sua raça.

Este ano, dois afro-americanos desarmados morreram nas mãos de policiais brancos: Michael Brown, baleado em Ferguson, e Eric Garner, estrangulado em Nova York. Nos dois casos, os jurados decidiram que não havia razões suficientes para acusar os policiais de assassinato. A população, com razão, saiu às ruas de todo o país em protesto contra os veredictos que lhes pareceram injustos e racistas.

A declaração que mais me impressionou foi a do prefeito de Nova York, Bill De Blasio. Ele, de origem italiana, confessou em uma entrevista coletiva que se preocupava pela vida de seu filho, que é afro-americano. "Chirlane e eu tivemos de falar com Dante durante anos sobre os perigos que talvez enfrente; é um jovem bom, respeitador da lei, que nunca pensaria em fazer algo ruim. No entanto, devido à história que ainda pesa sobre nós, pode enfrentar perigos", diz De Blasio. "Dante está seguro em cada noite? Há tantas famílias nesta cidade que sentem isso noite após noite. Meu filho está seguro?... Estão a salvo das mesmas pessoas nas quais querem confiar como seus protetores?"

As coisas vão mal quando o prefeito de uma cidade como Nova York não confia sequer na polícia sob seu comando.

No México, o "NÃO" está carregado de indignação e frustração. Milhões de mexicanos, nas ruas e nas redes sociais, estão pedindo a renúncia do presidente Enrique Peña Nieto por sua incapacidade de controlar a violência e pelo suspeitoso financiamento da casa de sua esposa por um contratado governamental.

Os protestos são absolutamente legítimos. Desde que Peña Nieto chegou ao poder, mais de 31 mil mexicanos foram assassinados, segundo as próprias cifras do governo. A chacina de 22 civis em Tlatlaya por parte do Exército mexicano e o desaparecimento de 43 estudantes de Ayotzinapa demonstram negligência e muita incompetência para governar. Não, Peña Nieto não os mandou matar, mas suas políticas falidas facilitam e até protegem esse tipo de crime.

O caso da 'Casa Branca' mexicana continua sem se esclarecer. Não é um caso encerrado. "Um empreiteiro que construiu e financia a casa da família do presidente Peña Nieto ganhou uma série de contratos governamentais importantes desde que o líder mexicano chegou ao poder, há dois anos", relatou o "Wall Street Journal" esta semana.

O jornal detalha a participação do grupo Higa na construção de um aqueduto de US$ 3,4 bilhões e de um museu de US$ 460 milhões em Puebla, além da reforma do hangar presidencial, entre muitos outros contratos. O conflito de interesses por parte do presidente é grosseiro e gigantesco.
É muito pedir uma investigação independente e uma lista de todos os contratos governamentais que ganhou a corporação que financia a casa da esposa do presidente?

Mas, diante desse tráfico de influências e da crescente insegurança no país, a única maneira de queixar-se, para milhões de mexicanos, é sair às ruas, protestar nas redes sociais e dizer "NÃO" ao presidente. Não basta, mas é preciso começar com algo.

"NÃO" é uma palavra muito poderosa. Em seu belíssimo livro "Un Hombre" [Um homem], a jornalista Oriana Fallaci conta como Alexandros Panagoulis, um líder da resistência contra a ditadura grega no início dos anos 1970, a levou a uma colina do Peloponeso para lhe mostrar como os rebeldes haviam escrito três grandes letras, OXI, que em grego significa "NÃO". Ela chamou esse símbolo de resistência de "o mais belo monumento à dignidade humana".

Os protestos no México e nos EUA foram só isso: protestos, expressões de descontentamento e desesperança. É possível que nada mude no México. É possível também que o racismo continue sendo um elemento predominante na cultura americana. Mas toda mudança começa com um "NÃO".

Não sabemos o que virá depois. Mas sabemos que não gostamos do que temos hoje.