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Collor e sócios devem, não pagam e tomam R$ 125 mi em 'empréstimos' de TV
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Uma assembleia de credores deve decidir hoje o destino da OAM (Organização Arnon de Mello), grupo que reúne empresas da família Collor de Mello em Alagoas e que está em recuperação judicial desde 2019.
Mesmo com um débito acumulado de R$ 64 milhões a fornecedores e trabalhadores e de R$ 389 milhões ao Fisco, a maior empresa do grupo (a TV Gazeta de Alagoas, afilada da Rede Globo) acumula atualmente saldo a receber de R$ 125 milhões, em valores que foram emprestados aos sócios nos últimos anos. O senador e pré-candidato ao governo Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é o principal acionista da empresa.
A coluna teve acesso ao processo de recuperação judicial, que traz o balanço da empresa do primeiro semestre de 2019 entregue à Justiça.
Ele revela que a OAM tem a receber dos sócios um valor que seria suficiente para pagar mais que o dobro do valor apontado na recuperação judicial: R$ 64 milhões (veja quadro mais abaixo). Apesar disso, a empresa fez um plano contestado por credores trabalhistas e que sugere um perdão de 70% da dívida de R$ 14,4 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), maior credor do grupo.
O valor de R$ 125 milhões consta no ativo da empresa, que traz os bens não circulantes (ou seja, os recebíveis de longo prazo). O valor está especificado em "contrato de mútuo - sócios".
Procurada, a OAM não respondeu se havia um plano para receber os valores dos sócios nem como pretende pagar os débitos com o Fisco. O senador Fernando Collor afirma que não comenta sobre o processo de recuperação judicial.
Se o plano apresentado pela OAM não for aprovado pelos credores, o caso irá para o juiz decretar falência. O magistrado então deve nomear uma pessoa como responsável pela massa falida, e os diretores e sócios serão afastados. Esse administrador vai decidir se mantém a empresa funcionando para efetuar os pagamentos ou se vende os bens para pagar os credores.
Tipo de débitos e classe que vão à assembleia:
Trabalhistas (ex-funcionários):
- 291 credores
- R$ 36.150.866,36 devidos;
Quirografários (pessoas jurídicas de maior porte que provaram direito ao crédito):
- 189 credores
- R$ 26.740.998,36 devidos;
Microempresas e empresas de pequeno porte:
- 79 credores
- R$ 1.630.428,06 devidos;
"Fraude"
Segundo o advogado Rodrigo Botelho Vieira, o valor contido no balanço aponta para uma suposta fraude, já que seria uma forma de burlar a impossibilidade de dividir lucros.
"Empresas com endividamento com o Fisco não podem distribuir lucros a sócios. Se a TV Gazeta estivesse bem, os sócios não iriam tirar empréstimo, poderiam fazer a retirada [de dinheiro] sem problemas. Mas as empresas devem mais de R$ 300 milhões", diz.
O que acontece é que o grupo fazia esses empréstimos, que foi uma distribuição disfarçada de lucro --e não poderia, a Receita veda. Eles faziam contratos de mútuo para retirar dinheiro de uma empresa que estava com uma situação periclitante, devendo a empregados, Fisco e fornecedores. É uma grande fraude."
Advogado Rodrigo Botelho Vieira
Os "empréstimos" de Collor tomados junto à TV Gazeta também foram alvo de investigação da PF (Polícia Federal).
Em 2016, a PF descobriu que Collor gastou R$ 16,4 milhões em despesas de consumo. Para justificar o valor muito acima de sua renda anual, o senador admitiu ter tomado empréstimos com a TV Gazeta.
Ao analisar documentos apreendidos na sede das empresas, investigadores descobriram que Collor fez 6.762 empréstimos entre 2011 e 2014, que totalizaram R$ 31,1 milhões. Desse montante, 49,5% foram destinados a cobrir gastos correntes do senador.
"Os rendimentos declarados por ele de 2011 a 2013 foram ínfimos em relação ao montante da dívida perante a TV Gazeta [R$ 31,1 milhões]", diz.
"Essa dívida era de 110 vezes o valor dos rendimentos anuais do senador em 2011 e 118 vezes em 2013", escreveram os peritos, que concluíram que as dívidas de Collor com a TV Gazeta "foram constituídas em circunstâncias que caracterizam transferências de recursos, e não empréstimos, ainda que tenham sido contabilizados como tal."
Segundo Rodrigo Botelho Vieira, o valor de R$ 125 milhões corresponde à soma de contratos firmados ao longo dos anos. "Não há como saber com exatidão desde que ano os sócios tomam esses valores, porque o balanço não traz essas informações", diz.
O advogado participou da última assembleia da recuperação judicial e participará hoje representando um dos credores da empresa.
Pegou empréstimo, não pagou pessoas
Enquanto retirava empréstimos, diversas pessoas físicas e jurídicas e tributos não eram pagos, como os valores devidos de FGTS aos trabalhadores.
"Nós tivemos que entrar com vários processos contra a empresa para pagamento do FGTS, mas ela fazia acordo, não cumpria, parava de pagar parcela e fazia um novo acordo. Como a legislação permite reclamar apenas os cinco últimos anos, a cada quatro anos e meio a gente entra com um novo processo", afirma.
Na lista de credores, há hoje mais de 500 pessoas físicas ou jurídicas, que vão desde um cemitério a 291 trabalhadores.
Rubens Lopes é repórter cinematográfico e por 20 anos trabalhou para a TV Gazeta em Arapiraca, sem direito a folgas em feriados. "Não lembro um Natal ou Ano-Novo que tenha passado com minha família", diz. Ele recebeu prêmios de jornalismo pelo trabalho, mas acabou demitido em 2019, quando a empresa fechou a sucursal na cidade.
Ele conta que, ao ser demitido, a empresa não pagou nada a ele nem aos outros funcionários demitidos. Na Justiça do Trabalho, ele aceitou um acordo e reduziu a dívida de R$ 405 mil para R$ 180 mil, com a promessa de acelerar o recebimento.
Porém, não só não recebeu nada como a nova proposta do plano da empresa anula o acordo e limita a dez salários mínimos (R$ 12.120) o valor a ser pago aos credores em verbas indenizatórias e rescisórias.
O plano da empresa ainda traz uma série de desvantagens aos ex-funcionários, entre elas:
- Exclusão de todas as multas, juros e correção monetária;
- Redução de 90% das indenizações por dano moral, horas extras, adicional noturno, periculosidade e insalubridade.
"Eu me sinto assaltado. O plano deles não é para pagar a gente, é para tomar tudo o que os funcionários têm direito. Eu já abri mão de R$ 225 mil para facilitar, e agora eles não querem pagar quase nada", afirma.
Eu inclusive estou vendendo o meu terreno e vou vender o meu carro para honrar meus compromissos com particulares. É um absurdo, mas maior do que a empresa é a Justiça não fazer nada."
Rubens Lopes, repórter cinematográfico
O UOL procurou o MP (Ministério Público) Estadual para saber qual foi a atuação dele no caso em defesa dos credores. Após a publicação, o promotor Marcus Mousinho informou que o MP "atua nesse processo de falência como fiscal".
"O plano de recuperação do pagamento foi colocado ontem ou hoje nos autos. Somente quando o juiz abrir vistas para ele é que poderá se manifestar sobre o documento principal. Portanto não há como emitir qualquer parecer no momento", diz.
Sócios devedores em ação
Uma das funcionárias demitidas, a jornalista Luciana Chaves conseguiu algo único até aqui: desconstituir a empresa no Judiciário. Com isso, os donos da empresa também são responsáveis pelo débito, caso a empresa não pague.
Ela conta que entrou na TV Gazeta em 2006. Em setembro de 2019, entrou na Justiça após ser demitida com outros colegas após a realização de uma greve de jornalistas, que protestavam contra a redução de 20% no piso salarial da categoria em Alagoas.
Ela conseguiu a reincorporação porque estava em tratamento psicológico por estresse e assédio moral. "Foram muitas humilhações", diz.
Tudo foi intensificado pelo tratamento pós-greve. Caí em depressão. Cheguei ao fundo do poço, em pensar em tirar minha própria vida, porque o sentimento que eles me causaram era de vergonha, incapacidade. Sigo em tratamento, hoje bem melhor. Mas as marcas continuam."
Luciana Chaves, jornalista
Em 18 de março de 2021, o juiz do Trabalho substituto Nilton Beltrão de Albuquerque Júnior julgou procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da TV, "de maneira que os sócios e o administrador passem a responder subsidiariamente pelos valores objetos dessa sentença". Não cabe mais recurso, porque em 23 de fevereiro a sentença transitou em julgado.
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