Carlos Madeiro

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Amazônia: 'Garimpos fantasmas' lavam ouro ilegal e faturam bilhões

O MPF (Ministério Público Federal) no Pará solicitou na Justiça que a ANM (Agência Nacional de Mineração) adote medidas para dar fim aos chamados garimpos fantasmas, usados para "lavar" ouro extraído ilegalmente na Amazônia.

De acordo com o MPF, a fraude se baseia no registro de áreas para mineração e gerou entre 2019 e 2020, ganho ilegal de R$ 1,2 bilhão.

Os esquemas ilegais acontecem quando, após a ANM conceder uma PLG (Permissão de Lavra Garimpeira), quem recebe a permissão não extrai ouro do local. As áreas são apenas indicadas em documentos de venda como o local de origem do ouro, dando legalidade ao mineral extraído.

Com isso, garimpeiros ilegais conseguem "limpar" a procedência do ouro extraído de áreas ilegais —como terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo. Assim, conseguem acessar mercados que exigem certificados de extração legal.

O ouro com origem em lavras fantasmas correspondeu a aproximadamente 4% da produção declarada no Brasil para o período [só 2019-20], o que gerou um proveito econômico aproximado de R$ 1,2 bilhão, segundo estimativa conservadora.
MPF-PA

A manifestação foi feita dentro da ação civil pública de 2019 que tramita na 2ª Vara da Subseção Judiciária de Santarém. Os procuradores cobram que o pedido seja analisado com urgência e traz novos dados sobre o problema.

Na ação, o MPF pede a condenação de empresas envolvidas no esquema de compra de ouro ilegal em Santarém (PA) desarticulado pela Operação Dilema de Midas. Uma denúncia criminal também foi ajuizada contra os mesmos autores.

Área à esquerda mostra 'lavra fantasma', sem qualquer indício de mineração; do lado direito, exemplo de exploração maior que área autorizada
Área à esquerda mostra 'lavra fantasma', sem qualquer indício de mineração; do lado direito, exemplo de exploração maior que área autorizada Imagem: Reprodução/LEGALIDADE DA PRODUÇÃO DE OURO NO BRASIL

Pedidos

Manter uma lavra fantasma está além de uma "irregularidade meramente administrativa" e constitui uma fraude, diz o MPF.

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Para o MPF, essa modalidade de "lavagem grosseira" só é possível porque a ANM "não promove o cancelamento das permissões sem atividade de lavra que apresentam produção de ouro." Isso, diz o órgão, poderia ser combatido "por simples cruzamento de informações."

Apesar da simplicidade desta modalidade de fraude e da facilidade de sua detecção, as lavras fantasmas têm sido largamente utilizadas para lavar grandes volumes de ouro ilegal, conforme demonstrado nos autos
MPF-PA

Grande quantidade de lavras fantasmas

A manifestação traz dados de um estudo de legalidade da produção de ouro no Brasil, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em parceria com o MPF.

Segundo os dados, entre 2019 e 2020, 5.710 quilos de ouro ilegal foram extraídos em lavras garimpeiras fantasmas e "esquentados" no mercado, a maioria na região do Tapajós.

O documento ainda traz uma atualização dos dados, citando que a ilegalidade continua:

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  • Em 2022, foram detectados 3.991 quilos de ouro atribuídos a lavras fantasmas, ou 13% da produção nacional.
  • Entre janeiro e junho de 2023, foram 1.694 quilos de ouro nessa condição, equivalente a 14% de toda a produção declarada do país.
Barras de ouro apreendidos durante operação da PF no Pará contra o garimpo ilegal em 2020
Barras de ouro apreendidos durante operação da PF no Pará contra o garimpo ilegal em 2020 Imagem: Divulgação/PF

O MPF cita então que, desde 2019 —quando a ação foi ajuizada— até o primeiro semestre de 2023, "foram lavadas ao menos 15 toneladas de ouro em lavras garimpeiras fantasmas!"

"A omissão da ANM contribui diretamente para a produção de danos socioambientais, para a usurpação de bem público da União e para a lavagem de ouro ilegal", diz a manifestação.

Além disso, os procuradores lembram que existe a proibição de "que uma mesma pessoa ou cooperativa seja detentora de mais de uma Permissão de Lavra Garimpeira", com máximo de exploração de 50 hectares. Entretanto, há vários casos demonstrados que esse número extrapola.

Com base nisso, o MPF pede que a Justiça obrigue a ANM a:

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  • Cancelar todas as PLG de ouro que não fora iniciada no prazo de 90 dias, contados da publicação no Diário Oficial da União
  • Proibir de outorgar e de renovar títulos PLG em favor de uma mesma pessoa física, cuja área seja acima do limite legal de 50 hectares.
  • Informatizar todos os procedimentos relativos à compra, venda, transporte e custódia do ouro extraído de áreas permissionadas.

Procurada pela coluna, a ANM não respondeu sobre medidas que tomará —ou não— pela recomendação.

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