Brasil apoia EUA em proposta para reformar OMS e "resgata" projeto de Trump
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Resumo da notícia
- Itamaraty opta por apoiar EUA, e não proposta da Europa ou de América Latina
- Brasil e EUA são criticados por não terem ouvido alertas da OMS e, agora, se unem para reformar entidade
- Projeto dos EUA defende transparência para locais de surtos. Mas não apresenta a mesma ambição para rever como governos responderam à crise
Faltando um mês para a eleição nos Estados Unidos (EUA), o governo brasileiro anuncia que está se aliando à proposta de Donald Trump para reformar a OMS (Organização Mundial da Saúde), parte do discurso de campanha do americano diante do que chamou de "vírus chinês".
Trump deixou de financiar a OMS e anunciou sua saída da organização. Ao mesmo tempo, circulou um projeto que irritou muitos governos por seu grau de ataques contra a entidade, o que levou França e Alemanha a se afastarem da proposta americana. Outros governos também saíram em busca de novas alternativas, mas o Itamaraty fez questão, agora, de anunciar que o projeto tem o apoio do Brasil.
A proposta cita a necessidade de maior transparência por parte da OMS ao anunciar emergências e maior acesso aos países onde surtos são declarados. O objetivo é o de forçar países como a China, país origem da pandemia de covid-19, a colaborar. Mas o texto americano não repete a mesma ambição ao dar maiores poderes para que a OMS examine como países responderam a uma emergência e nem garantias de um aumento de orçamento para a entidade internacional.
A grande dúvida se refere à resposta que Pequim dará aos projetos. Em seu discurso nesta segunda-feira, o governo da China elogiou a OMS e pediu que todos os países apoiem a entidade, um recado interpretado como uma crítica à administração de Donald Trump. Mas rejeitou qualquer responsabilidade pra crise. "A China foi sempre transparente e responsável", declarou Zhang Yang, representante de Pequim.
Uma parcela dos governos e a própria OMS julgam que, se a entidade precisa ser reformada, governos também precisam ser avaliados sobre como reagiram às recomendações da agência.
Brasil e EUA foram dois dos países que, por meses, se recusaram a seguir a orientação de Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da entidade e que chegou a ser ridicularizado por Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Brasil cita "fragilidades" e pede sistema multilateral melhor
O anúncio do patrocínio brasileiro foi feito hoje pela embaixadora do Brasil na agência internacional, Maria Nazareth Farani Azevedo. O discurso foi feito durante a reunião do Conselho Executivo da OMS.
Segundo ela, a proposta de Washington é uma "boa base" para iniciar a reforma da entidade, sob forte crítica desde o início da pandemia. O Itamaraty, assim, opta por apoiar o projeto americano, e não a ideia de Chile e outros latino-americanos, que também apresentaram uma proposta. O Brasil tampouco anunciou um apoio ao projeto de França e Alemanha para a reforma da OMS.
Ao fazer seu discurso, a diplomata apontou que, diante do impacto socioeconômico da crise e os mais de 1 milhão de mortos, chegou a hora de a comunidade internacional avaliar sua resposta.
Segundo ela, a pandemia mostrou "fragilidades" que o mundo não pode permitir que continue. Para a embaixadora, ao sair da crise, o mundo vai necessitar de "instituições multilaterais melhores".
Itamaraty defende Estados protagonistas em vez da OMS
Mas o Brasil deixou claro que, seguindo uma orientação nacionalista compartilhada com os EUA, a reforma deve servir para reforçar o papel dos governos. E não da secretaria da OMS.
De acordo com ela, o processo deve envolver mais "intercâmbio e consultas" com os governos. A embaixadora também insistiu que são os Estados quem devem "pilotar" a proposta.
Seguindo a mesma linha de Washington, a diplomata deixou claro que o Brasil considera que a reforma é "urgente", principalmente para garantir "maior transparência".
Essa não é a primeira vez que o Itamaraty sai ao resgate do candidato Trump. No setor comercial, o Brasil cedeu em certos aspectos tarifários para favorecer o americano em determinados eleitorados.
Propostas de governos ao mesmo tempo pedem mais fiscalização pela OMS
Nos últimos dias, governos apresentam propostas para reformar a entidade e sugerem que as novas regras estabelecidas permitam que o organismo internacional tenha maiores poderes para fiscalizar países e surtos.
A partir desta segunda-feira, em Genebra (Suíça), a entidade reúne sua cúpula para o início do que promete ser um longo processo de transformação da instituição. Na agenda, diplomatas apontam que o tema central é claro: a sobrevivência da combalida agência.
Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, apresentou em seu discurso inaugural um histórico da resposta da entidade diante da pandemia. Sob forte pressão, ele insistiu que agiu dentro do mandato que lhe foi concedido. O chefe da agência defendeu sua atuação, a declaração de emergência global, o desenvolvimento de testes e o envio materiais para mais de 150 países.
"Há dez meses, o vírus era totalmente desconhecido. Desde então, publicamos mais de 400 guias e recomendações", disse, lembrando que enviou especialistas para mais de 130 países. E indicou como mais de 177 países receberam luvas e materiais de proteção.
Mas, segundo documentos obtidos pela coluna, ele também indicará ao longo da semana que uma parcela de seus esforços foi impedida justamente por falta de recursos e falta de um mandato mais forte.
Declaração de emergência
Outro ponto que une as propostas é a ideia de que o atual modelo de declaração de emergência global não funciona. Hoje, o que existe é um mecanismo que prevê apenas dois cenários: uma emergência ou não.
Já no ano passado, governos africanos apontaram para a necessidade de que houvesse um mecanismo de graduação, chamado por Tedros de "semáforo". Assim, a OMS poderia alertar ao mundo que uma crise estaria entrando em seu "nível amarelo", com as medidas cabíveis de controle. Não haveria a necessidade, portanto, de declarar uma emergência completa, o que exigiria que todas as condições fossem cumpridas.
Avaliação da resposta dos governos
Em uma década, a OMS declarou cinco emergências globais. Mas as leis não estabelecem nenhum tipo de mecanismo para punir países que não cumpram as orientações da organização. Não por acaso, a agência acredita que chegou o momento de que as leis também estipulem mecanismos para forçar ou pelo menos constranger governos a agir.
Quando a OMS passou a ser acusada de ter reagido de maneira lenta, ela contra-atacou apontando que, mesmo depois de ter declarado a emergência, dezenas de governos e líderes não deram ouvidos.
OMS reclama de verba "menor que de hospital"
Há, porém, um outro aspecto que divide os países: dinheiro. Para europeus e chilenos, a OMS precisa contar com mais recursos, uma avaliação que também já apareceu em auditorias internas da entidade.
Hoje, Tedros insiste que os recursos de que dispõe são inferiores ao orçamento de um hospital de médio porte nos EUA. De acordo com fontes do governo brasileiro, Paris e Berlim insistem que a reforma terá de passar por um aumento substancial dos recursos enviados para a OMS se o mundo quiser evitar uma nova pandemia.
No caso da proposta americana, existem apenas indicações de uma "reforma orçamentária", mas sem a promessa de mais dinheiro.
Outro obstáculo, porém, é político. Apesar dos vários pontos em comum entre as três propostas, o que existe é uma forte disputa política sobre quem vai liderar o processo. Berlim, irritada com o governo Trump, insistiu que não via como a negociação poderia ser conduzida por Washington, enquanto a Casa Branca atacava a OMS, cortava seus recursos e insultava sua direção.
Dentro da OMS, a percepção é de que, a partir de novembro, o cenário político pode ficar mais claro diante do resultado das eleições americanas.
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