Supremo fixa em 17 anos piso de uma provável pena de Bolsonaro
O Supremo Tribunal Federal foi implacável na fixação da pena de Aécio Lúcio Costa Pereira, o primeiro réu condenado por participar da intentona bolsonarista de 8 de janeiro. Nenhum dos 11 ministros votou pela absolvição. Na fixação da pena, prevaleceu por sete votos a posição mais draconiana, enunciada pelo relator Alexandre de Moraes: 17 anos de cadeia, mais multa de cerca de R$ 44 mil.
Ficou boiando na atmosfera do plenário a percepção de que esse deve ser o piso de futuras condenações de réus mais graúdos. Entre eles Bolsonaro, um personagem tratado nos bastidores da Suprema Corte como uma espécie de denúncia esperando na fila para acontecer. Nunes Marques e André Mendonça, togas indicadas por Bolsonaro, portaram-se como se apalpassem o futuro.
Ambos isentaram Aécio Pereira, um peixe pequeno no enredo golpista, do crime de tentativa de golpe de Estado. Fixaram as penas mais brandas. Para Mendonça, a pena seria de oito anos. Nunes Marques, autor de voto considerado mais constrangedor pelos colegas, excluiu do rol de imputações também o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Tarifou a pena em dois anos e meio, em regime aberto.
Todos os demais ministros seguiram Moraes no entendimento de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de reverter o resultado das urnas de 2022, estabelecendo no país um regime de exceção. A concordância foi integral nos votos de Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso divergiram apenas no tamanho do castigo. Para Zanin, 15 anos. Para Barroso, 11 anos e 6 meses. Ele se absteve de considerar as penas do crime de abolição violenta do Estado democrático, por entender que as condutas desse delito já estão inseridas no crime de golpe de estado.
Bolsonaro frequentou o julgamento na condição de sujeito oculto. Sua presença invisível tornou-se quase palpável quando Mendonça declarou que não via na turba que promoveu o quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes potencial para dar um golpe. Para ele, a deposição do governo recém-eleito dependeria de atos que não estavam ao alcance dos invasores. Gilmar Mendes fustigou: "A cadeira em que o senhor está sentado estava lá na rua."
Mendonça não se deu por achado. Ecoando uma pregação disponível nos grupos de WhatsApp bolsonaristas, disse que não consegue entender como o Planalto foi invadido com tanta facilidade. Alexandre Moraes interveio para recordar que estão presos cinco comandantes da Polícia Militar de Brasília, responsável pela segurança da Capital.
O bate-boca escorregou para a atuação de Flávio Dino, o ministro da Justiça de Lula. Moraes disse que Dino não poderia ter acionado a Força Nacional de Segurança para suprir o déficit de policiais militares sem requisição do governo do Distrito Federal. Mendonça discordou. Para ele, a soldadesca da Força Nacional poderia, sim, ter atuado na proteção dos prédios federais.
Morais elevou o timbre. "É um absurdo, com todo o respeito, Vossa Excelência querer falar que a culpa pelo 8 de janeiro é do ministro da Justiça." De novo, Mendonça reproduziu a retórica bolsonarista, insinuando que a pasta da Justiça, sob Dino, deve explicações sobre o sumiço das imagens captadas pelo circuito de câmeras do ministério no dia do quebra-quebra.
Sem mencionar-lhe o nome, Moraes colocou na roda Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro que respondia pela Secretaria de Segurança do governo brasiliense no dia dos ataques. "Fugiu para os Estados Unidos e jogou o celular dele no lixo. Foi preso", disse Moraes. No ápice da altercação, Xandão, como os bolsonaristas se referem a Moraes, foi à jugular do colega "terrivelmente evangélico".
"Vossa Excelência vem no plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó!" E Mendonça: "Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó Vossa Excelência."
O embate resultou num pedido de desculpas recíproco. Restou, porém, a percepção de que a eletrificação da sessão foi um ensaio do curto-circuito que se avizinha. Em entrevista concedida à repórter Mônica Bergamo na véspera do início do julgamento, Bolsonaro esgrimiu discurso idêntico ao de Mendonça ao ser questionado sobre a tentativa de golpe.
"O 8 de janeiro foi um movimento que, no meu entender, teve a participação do Poder Executivo", disse o capitão, referindo-se à gestão Lula. "O nosso pessoal sempre foi de paz. Fez movimentos enormes no Brasil todo, e você não via uma cesta de lixo queimada, uma vidraça quebrada." Noutro trecho da conversa, Bolsonaro foi mais incisivo. Disse que o 8 de janeiro "no mínimo contou com a omissão do atual governo."
Se as intervenções de Moraes serviram para alguma coisa foi para sinalizar que esse tipo de alegação não terá livre trânsito no Supremo quando as investigações revelarem o que ainda se esconde atrás do manto diáfano que Bolsonaro imagina protegê-lo. Paira sobre a cabeça do capitão a delação do tenente-coronel Mauro Cid.
Dá-se de barato no Supremo que a colaboração do ex-ajudante de ordens incluirá revelações sobre a tentativa de virada de mesa da democracia, inserindo na trama golpista o ex-chefe e seus generais palacianos. É nesse contexto que a pena de 17 anos de cadeia é vista como um piso.
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Quero receber"Vocês não acham uma só situação minha agindo fora das quatro linhas da Constituição", disse Bolsonaro na entrevista a Mônica Bergamo. "Não seria depois do segundo turno que eu iria fazer isso. Muito menos no 8 de janeiro", ele enfatizou. Bolsonaro vive a síndrome do que está por vir.
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