Lula fecha na ONU a 1ª fase da reinserção do Brasil no mundo
Governos têm uma estética. A gestão Bolsonaro distinguiu-se pela feiúra caricata. Lula retornou à Presidência pela terceira vez num instante em que o Brasil necessitava desesperadamente de uma restauração do bom gosto. Na área externa, o discurso na Assembleia Geral da ONU é o fechamento de um ciclo inaugural no qual Lula se autoimpôs a tarefa de livrar o Brasil da pecha de pária mundial, da qual o antecessor se orgulhava.
Para compensar o déficit estético acumulado sob Bolsonaro, Lula realizou duas dezenas de viagens ao exterior desde a posse. Beneficiado pelo contraste com o desastre que o antecedeu, conseguiu restaurar em nove meses quatro anos de devastação da imagem externa da diplomacia nacional. Contra esse pano de fundo, a principal marca do discurso pronunciado nesta terça-feira por Lula na principal vitrine diplomática do mundo foi o ganho estético.
Em relação ao conteúdo, o principal acerto de Lula foi o de ter realçado a encrenca climática nos primeiros parágrafos de sua fala, na vizinhança de menções ao aumento da fome da desigualdade social no mundo. Primeiro, apresentou suas credenciais, citando a redução de 48% no desmatamento na Amazônia desde a posse.
Em seguida, reiterou a cobrança do compromisso assumido pelas nações desenvolvidas no acordo de Paris de investir US$ 100 bilhões anuais na preservação das florestas remanescentes nos pedaços menos desenvolvidos do mundo. O ponto fraco do discurso foi a diluição do ativo ambiental num caldeirão em que se misturam velhas obsessões em relação às quais o Brasil tem pouco ou nenhum poder de influência. Lula rodopiou em torno das utopias como um parafuso espanado.
Ao mencionar, como esperado, as 735 milhões de pessoas que passam fome no mundo, Lula lembrou que o tema foi abordado no seu primeiro discurso na ONU, há 20 anos. Não precisava ter recuado tanto o relógio para encontrar repetições. Em 2009, na sua última passagem pela Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula dissera coisas assim: "Não é possível que as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança sejam regidos pelos mesmos parâmetros que se seguiram à Segunda Guerra Mundial."
Defendera reformas que produzissem "uma ONU suficientemente representativa para enfrentar as ameaças à paz mundial, por meio de um Conselho de Segurança renovado, aberto a novos membros permanentes." Queixara-se de que "países ricos resistem em realizar reformas nos organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial."
Com outras palavras, a mesma pregação foi repetida nesta terça-feira. Será reiterada nas próximas passagens de Lula pelo púlpito da ONU. Trata-se de um lero-lero que virou utopia. Em relação ao meio ambiente, prioridade zero do Brasil, Lula soou até mais enfático há 14 anos do que agora: "O Brasil não renunciará à agenda ambiental para ser apenas um gigante do petróleo", discursara em 2009. "Queremos consolidar nossa condição de potência mundial da energia verde". Nessa matéria, é hora de traduzir discurso em prática.
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