Autópsia do golpe documentou Bolsonaro com a mão na massa
A investigação sobre o golpe tramado por Bolsonaro contra a democracia mudou de patamar. Até aqui, havia as condenações dos bagrinhos do 8 de janeiro e os vazamentos devastadores sobre a delação de Mauro Cid, mantida em segredo. A divulgação dos dados que fundamentaram a megaoperação deflagrada nesta quinta-feira pela Polícia Federal trouxe à luz a autópsia da tentativa de virada de mesa.
Bolsonaro e seus cúmplices civis e militares foram pilhados com a mão na massa. Documentou-se em vídeo, áudio e troca de mensagens a anatomia de um golpe em execução. O Apocalipse de Bolsonaro foi debatido em pelo menos duas reuniões. Em ambas, Bolsonaro e seus aliados paisanos e fardados estiveram na cena do crime.
Numa reunião, antes da eleição presidencial, organizou-se a difusão de informações falsas sobre o sistema eleitoral. O encontro foi filmado. Uma das cenas mais indecorosas foi o strip-tease moral do general Augusto Heleno. Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, de cujo organograma pende a Abin, Heleno sugeriu rasgar a Constituição antes da apuração dos votos.
"Não vai ter revisão do VAR", disse Heleno. "Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições." A conversa vadia do general incluiu a sugestão de infiltrar espiões nos comitês de campanha de adversários. Bolsonaro atalhou a prosa, sugerindo que a bisbilhotagem fosse discutida posteriormente, numa conversa a dois.
Noutra reunião, depois da proclamação da derrota de Bolsonaro, o capitão discutiu com a cúpula militar e os áulicos paisanos a minuta de decreto golpista. As digitais de Bolsonaro constam da edição do texto. Ele encomendou o enxugamento da versão que previa a prisão do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e de um par de togas: Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
O texto final, aprovado por Bolsonaro, previa a anulação da vitória de Lula, a prisão de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e a intervenção militar. Tratado pelo codinome de "professora", Moraes foi monitorado ilegalmente. Chegou-se ao escárnio de marcar data para a detenção de Xandão.
A investigação sinaliza que o golpe falhou por falta de adesão de dois comandantes militares: o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnor, da Aeronáutica, e, sobretudo, o general Freire Gomes, do Exército. O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, aderiu à ilegalidade.
Deu-se algo inusitado: o general Braga Netto, vice de Bolsonaro, xingou os colegas legalistas. Chamou Freire Gomes de "cagão". Como se fosse pouco, incitou a hostilidade de oficiais golpistas do segundo escalão contra os colegas que resistiram à trama anticonstitucional. A indignidade de Braga Netto também está documentada nos autos do inquérito. Numa mensagem, encomendou a "implosão" de Freire Gomes. Noutra, orientou: "Elogia o Garnier e fode o Baptista Júnior."
No final de dezembro de 2022, antes de fugir para Orlando, paraíso do rato Mickey Mouse, Bolsonaro surgiu numa live para dizer "como foi difícil ficar dois meses calado trabalhando para buscar alternativas!". A alturas tantas, declarou: "Tem gente chateada comigo, dizendo que deveria ter feito alguma coisa, qualquer coisa. Mas, para você conseguir fazer alguma coisa, mesmo nas quatro linhas, você tem que ter apoio".
As investigações escancararam que a "coisa" pretendida por Bolsonaro era o golpe que o perpetuaria no poder. A Polícia Federal colocou o ex-presidente e seus cúmplices na rota da cadeia. A lei tipifica como crime a "tentativa de golpe de Estado" e a "tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito".
Bolsonaro não fez outra coisa senão tentar converter o Brasil numa autocracia de bananas. Por ordem de Alexandre de Moraes, o passaporte de Bolsonaro foi apreendido. Hoje, a pose de vítima do capitão virou uma fantasia de Carnaval à espera da sentença criminal.
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