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Josmar Jozino

O avanço do PCC: das biqueiras de Santos aos principais portos europeus

Navios formam fila à espera de carregamento no porto de Santos (SP) - Amanda Perobelli
Navios formam fila à espera de carregamento no porto de Santos (SP) Imagem: Amanda Perobelli

Colunista do UOL

12/09/2020 04h05

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No início de 2000, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) era considerado pelo governo de São Paulo uma mera ficção e não facção, a cidade de Santos (SP) só tinha importância para o grupo por causa de suas pequenas "biqueiras" (ponto de vendas de drogas) espalhadas nos morros.

O número 2 do PCC à época, o preso Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu, assassinado na cadeia, era o dono das principais "biqueiras" santistas, também chamadas de lojinhas. Antes de ser encarcerado, ele vivia em um bairro pobre de São Vicente, também no litoral paulista.

Passados 20 anos, a organização criminosa PCC cresceu, foi reconhecida e promovida a cartel pelas autoridades governamentais paulistas. A Santos das biqueiras nos morros é hoje a cidade portuária que abastece a Europa com a cocaína brasileira.

A maior fonte de renda do PCC vem de Santos. Os integrantes do grupo se tornaram narcotraficantes. Trocaram casas humildes por coberturas em edifícios de luxo na orla da praia. Substituíram carros velhos por veículos importados. Adquiriram aviões, helicópteros e barcos modernos.

O Ministério Público do Estado de São Paulo estima que o PCC comercializa ao menos uma tonelada por mês de cocaína para a Europa. E também calcula que o faturamento anual da facção alcança a casa de R$ 800 milhões. Raríssimas empresas têm um lucro como esse. Na semana passada, a Polícia Federal pediu o bloqueio judicial de R$ 500 milhões do grupo criminoso.

O porto de Santos, o maior da América Latina, é há 10 anos a principal porta de embarque no Brasil de toneladas de cocaína destinadas a países europeus. A descoberta foi feita em 2010 pela polícia italiana, durante a deflagração da operação Bongustaio.

Investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal italiano culminaram com quatro grandes apreensões de cocaína nos portos de Valência (Espanha), Gioia Tauro (Itália) e Leixões (Portugal).

Conexão SP-Calábria

Promotores de Justiça da Itália apuraram que boa parte da droga saiu do porto de Santos e o comprador era Pasquale Bifulco, integrante da Ndrangheta, a máfia da Calábria.

Depois dessas quatro apreensões as autoridades italianas firmaram um acordo de cooperação com o Ministério Público Federal do Brasil para desbaratar a quadrilha com atuação transnacional.

A Polícia Federal passou a conduzir as investigações em território brasileiro. Em março de 2014 a Operação Monte Pollino foi deflagrada em nove países. No Brasil foram presas 10 pessoas.

Agentes federais descobriram que os narcotraficantes usavam até mergulhadores para implantar caixas metálicas nos cascos dos navios, presas a imãs e recheadas de cocaína. Grande parte da droga também era transportada para a Europa em contêineres.

A cocaína vinha da Bolívia e do Peru. Era armazenada em galpões em Campinas (SP) e de lá levada para o porto de Santos e enviada para países europeus. O entorpecente era encomendado pela Ndrangheta.

Brasileiros e estrangeiros presos

Segundo as investigações, a partir daí o PCC começou a se aliar com a máfia da Calábria e a comandar a exportação de cocaína para a Europa, especialmente para a Itália.

A Polícia Federal e a Polícia Civil de São Paulo prenderam dezenas de brasileiros e estrangeiros. Alguns dos principais narcotraficantes com ligações ao PCC, radicados na Baixada Santista, estão atrás das grades.

Na lista de presos constam os nomes de André Oliveira Macedo, o André Du Rap, André Luiz da Costa Lopes, o Andrezinho da Baixada, Moacir Levi Correia, o Bi da Baixada, entre outros.

Os italianos Patrick Assisi e o pai dele Nicola Assisi, ambos mafiosos da Ndrangheta, foram presos por policiais federais em julho ano passado em uma cobertura luxuosa na Praia Grande (SP).

Outro narcotraficante radicado em Santos, Suaélio Martins Lleda, ligado ao PCC, chegou a ser preso pela Polícia Federal durante a Operação Oversea, em 2014.

Ele é apontado como um dos maiores fornecedores de drogas para a Europa via porto de Santos. Mesmo condenado a 41 anos de prisão, Lleda acabou solto em 17 de julho deste ano — graças a liminar concedida pela Justiça de São Paulo — por ser considerado do grupo de alto risco para a covid-19.

A liminar foi cassada horas depois, após vários pedidos do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mas Lleda, que prometeu cumprir a prisão domiciliar em sua casa em Santos, desapareceu e é considerado foragido.