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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Capitão da PM é condenado em São Paulo por forjar elo de diarista com o PCC

Colunista do UOL

16/11/2021 04h00

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O capitão reformado da Polícia Militar de São Paulo Francisco das Chagas Ramalhaes Souza, 63 anos, foi condenado a dois anos e quatro meses sob a acusação de ter feito uma grave e falsa denúncia contra a a diarista Elizete Lombardi Machado, 53. Segundo a Polícia Civil, ele se vingou da ex-empregada porque perdeu uma ação trabalhista para ela em Americana (SP).

De acordo com as investigações, um informante anônimo telefonou para o Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) e comunicou que na casa de Elizete, em Santa Bárbara D'Oeste (SP), havia armas e munição de uso restrito e que ela era ligada ao PCC (Primeiro Comando da Capital).

No último dia 12, quase nove anos após o fato, a Justiça condenou Francisco pelo crime de denunciação caluniosa. A sentença foi anunciada pela juíza Camilla Marcela Ferrari Arcaro, da 1ª Vara Criminal de Santa Bárbara do Oeste. O réu pode recorrer da decisão.

A condenação foi em regime aberto. A juíza substituiu a pena privativa de liberdade pelas penas restritivas de direito porque o réu é primário e não tem maus antecedentes. Francisco terá de prestar serviços comunitários ou para entidades públicas.

Ouvida pela reportagem, Elizete disse que não gostaria de se manifestar sobre o assunto. Ela acrescentou que não sabia da condenação do ex-patrão e afirmou que passa muito mal só de lembrar da humilhação e do constrangimento sofridos.

A reportagem também tentou falar várias vezes, ontem, pelo telefone celular com a advogada de Francisco, Silvia Helena Miranda de Salles, e também deixou recado no WhatsApp dela. À noite ela retornou e disse que a defesa vai se manifestar na manhã desta terça-feira. O espaço fica aberto para atualização.

Ataques a policiais

A denunciação caluniosa aconteceu em 21 de novembro de 2012, na mesma data em que Elizete obteve êxito na audiência trabalhista. Naquele dia, a 2ª Vara do Trabalho de Americana condenou o capitão reformado da Polícia Militar a pagar R$ 3 mil para a ex-empregada.

Às 11h41, o Copom recebeu a denúncia anônima por telefone. O informante disse que no muro da residência de Elizete, nos fundos do imóvel, havia uma sacola plástica com o armamento e a munição. A Justiça foi avisada e autorizou o cumprimento de mandado de busca e apreensão no endereço.

Policiais militares foram à casa de Elizete e localizaram um carregador de cartucho e 30 munições de pistola calibre 380, além de uma carta com mensagens de ataques do PCC contra agentes públicos.

Cópia da carta  - Reprodução - Reprodução
Falsa carta do PCC
Imagem: Reprodução

A correspondência tinha erros de português e dizia que "Odair e Gê" iriam buscar o resto das máquinas (armas) e da munição com ela. A carta mencionava também que eles iriam começar os ataques pelo busão (ônibus) e depois derrubariam (matariam) cinco botas (policiais militares).

Elizete foi localizada e conduzida à delegacia da cidade para prestar esclarecimentos. A diarista contou que teve um relacionamento com um presidiário, mas que não mantinha contato com ele havia dois anos. Ao ler a carta apreendida em sua casa, ela achou a letra semelhante à do ex-patrão.

A diarista contou que limpava a casa, o apartamento e a padaria de Francisco e trabalhou para ele de janeiro a junho de 2011. Disse que ficou 40 dias afastada por causa de cirurgia, foi chamada de volta e em 29 de setembro de 2011 discutiu com o patrão, acabou demitida e ameaçada com arma por ele.

Na delegacia, ela lembrou que havia recebido de Francisco um convite de aniversário e acrescentou que no cartão tinha a letra dele. Revelou também que um vizinho dela viu um homem usando camisa branca e gravata, chegando em um carro escuro à casa dela e deixando uma sacola no muro.

O vizinho foi ouvido e declarou que por volta das 10h viu uma pessoa vestindo camisa e gravata descer de um carro escuro com rodas cromadas, entrar na casa pelo corredor e depois sair. Ele argumentou que tentou falar que Elizete não estava na residência, mas não deu tempo.

Capitão alega inocência

Francisco também prestou depoimento na delegacia e negou ter feito a denúncia anônima. Ele explicou que no dia do fato pediu permissão para sair mais cedo, às 12h, na empresa onde trabalhava em São Paulo, foi à audiência e depois seguiu para casa.

A Polícia Civil colheu material gráfico para comparar a letra de Francisco com a da carta apreendida na casa de Elizete. A perícia do Instituto de Criminalística concluiu que ele escreveu a correspondência. Na casa dele, investigadores também localizaram um carro escuro com rodas cromadas.

Sílvia Helena Miranda de Salles, advogada de Francisco, alega em petições judiciais que no dia e na hora do fato o cliente estava em sala de aula, na Unopar, na rua São Bento, no centro de São Paulo. Segundo a defensora, Francisco é pessoa de conduta ilibada, idônea, culta e de esclarecimentos.

A advogada diz que não há provas robustas contra o cliente e que ele é inocente das acusações, defende a ordem nacional e que foi reconhecido e premiado no Brasil e no exterior pelos serviços prestados à sociedade e à pátria.

Pedido de afastamento

No currículo de Francisco consta que, além de empresário, ele é professor universitário e tem doutorado em Psicologia. Fontes policiais disseram que o capitão reformado também é ligado a um instituto e tem o hábito de fazer palestras em vídeo sobre os mais variados temas.

A coluna apurou que em 1999 Francisco passou pelo setor de psiquiatria do Hospital da Polícia Militar e se licenciou da corporação por causa de uma forte depressão. Em dezembro do mesmo ano, ele pediu exoneração.

Na edição de 5 de janeiro de 2000 do Diário Oficial do Estado foi publicada uma portaria da Diretoria de Pessoal da Polícia Militar exonerando, a pedido, e transferindo para a reserva não remunerada o capitão Francisco das Chagas Ramalhaes de Souza.