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Leonardo Sakamoto

Trocar Weintraub não fará diferença se Bolsonaro mantiver guerra ideológica

O ministro da Educação, Abraham Weintraub  - Reprodução
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

15/06/2020 15h28

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Esqueça, por um instante, os absurdos de Abraham Weintraub. Deixe de lado o racismo a chineses, o preconceito contra "povos indígenas", os ataques à autonomia das universidades públicas, o desprezo por professores, estudantes e pela língua portuguesa, as investidas contra instituições da República e seus representantes, o apoio a grupos que atentam contra a democracia, os xingamentos contra qualquer um que questione seu chefe e seus métodos. O que fica de legado para o ministro? Pois é, nada.

Nos últimos 14 meses sob sua gestão, a Educação ficou à deriva. Weintraub não tem projeto para o setor, o Enem se tornou uma bomba de frustração e insegurança para os jovens, a pesquisa científica afunda com a falta de recursos, a perseguição política voltou às instituições de ensino. Professores e cientistas de todo o mundo sentem pena de nós.

Temos um déficit absurdo de profissionais capacitados para nossos desafios econômicos e sociais por conta de problemas graves na educação básica. O Brasil conta com uma formação precária dos docentes e com alunos que saem do Ensino Médio analfabetos funcionais. Assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar. Paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente a todas as escolas. Mantém um teto orçamentário que restringe novos investimentos em uma área que ainda está distante de um mínimo aceitável.

Enfrentar isso já seria um trabalho hercúleo para qualquer governo minimamente racional, seja de direita ou de esquerda. Mas o presidente da República não escolheu alguém capaz de colocar em prática um plano para melhorar a educação, e sim uma pessoa que o ajude demolir o que foi construído após a redemocratização.

Combater o fantasma de um comunismo e de uma inexistente doutrinação gayzista-globalista é mais fácil do que enfrentar problemas reais, como a falta de internet, de lousa, de esgoto, de água potável, de papel higiênico nas escolas. Erguer soluções práticas demandam, por outro lado, uma competência que o ministro não tem. Garantir mão de obra qualificada no futuro não é tirar dinheiro de filosofia e colocar em engenharia, mas possibilitar que os estudantes tenham uma educação rica e plural, condição fundamental para bons trabalhadores e cidadãos livres.

Mas as prioridades são outras. Além do mais, Bolsonaro teve a sorte de contar com alguém que tem sido competente em alegrar os 16% de súditos fiéis do bolsonarismo-raiz (segundo o Datafolha). E, em meio às cortinas de fumaça lançadas por polêmicas, o resto população não percebe que está afundando na lama.

Usamos a expressão "bobo da corte" pelo seu significado do palhaço que serve para entreter os poderosos. Mas esquecemos que muitos dos bobos que serviam a reis e rainhas na Idade Média europeia eram os únicos dos que conviviam com a monarquia que tinham a liberdade para criticá-la publicamente e saírem ilesos. A acidez da sinceridade e a loucura do escárnio, que andavam de mãos dadas sob a tutela de um bobo, transformavam-no em um lampejo de racionalidade que podia ser útil ao governante e ao país - mesmo que eles não se dessem conta disso.

A falta de luz própria e de coragem de dizer qualquer coisa que não seja "amém" e "sim senhor" para o presidente da República impede que Weintraub seja considerado um bobo da corte. Não tem competência para tanto. É apenas um instrumento descartável, que vai vendo seus dias se encurtarem menos por suas ameaças à cúpula do Poder Judiciário e mais pela fome do Centrão por uma pasta que ostenta um dos maiores orçamentos da Esplanada dos Ministérios.

É de Bolsonaro a voz que sai da boca de Weintraub quando xinga os ministros do STF. Mas como escrevi aqui logo após a revelação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o boquirroto sugeriu a prisão dos membros da corte, a cúpula do Judiciário demandaria um movimento para restabelecimento do equilíbrio em meio à crise causada pelos ataques da Presidência. E, com isso, o boneco poderia ser sacrificado no lugar do ventríloquo. 

Engana-se, portanto, quem pensa que o "Ministério da Verdade", tal como apresentado no romance "1984", de George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer notícia que seja contrária ao próprio governo, fica no Ministério da Educação.

A permissão para a castração da liberdade de ensino, conquistada desde o fim da ditadura, com a intervenção no significado e no sentido da educação pública, foi dada pelo Palácio do Planalto. E continuará sendo assim. Bolsonaro vai fritar todo e qualquer ministro que não reze a sua cartilha. Luiz Henrique Mandetta e mesmo Nelson Teich são prova disso: o general Pazuello, ministro interino da Saúde e cumpridor de ordens, operou uma censura nos números da pandemia - revertida por decisão do Supremo.

O problema do vácuo de futuro não é Weintraub, mas Bolsonaro. E não será resolvido até que o presidente mude de comportamento ou deixe o poder.