Lula dá tiro no próprio pé ao defender sigilo no STF após votos de Zanin
Lula deu um tiro no pé ao defender que votos no STF sejam sigilosos para evitar ataques a ministros. A sociedade tem o direito de saber como cada membro da Suprema Corte interpretou a Constituição tanto quanto ministros de mostrar seu voto.
"A sociedade não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte. Não acho que o cara precisa saber. Votou a maioria, não precisa ninguém saber. Porque aí cada um que perde fica com raiva, cada um que ganha fica feliz", disse.
Bobagem. A violência não é consequência do respeito ao princípio republicano da publicidade dos atos públicos, ou seja, da transparência, mas da impunidade dos que fomentam ódio e intolerância contra pensamentos divergentes e da incapacidade dos Três Poderes em reduzir a ultrapolarização, que desumaniza a diferença.
Da mesma forma, a solução para ataques contra jornalistas não é retirar sua assinatura de reportagens e artigos de opinião, mas garantir a eles a certeza de que não terão suas integridades física e psicológica atacadas por seu trabalho. E não estou falando isso de forma teórica, pois já fui agredido fisicamente repetidas vezes na rua por conta do ódio da extrema direita ao que escrevo e nem por isso quero ficar às sombras.
Claro que há um debate sério e que precisa ser feito sobre a importância de decisões coletivas como forma de diminuir o individualismo em cortes colegiadas. Individualismo e estrelismo, que cresceram bastante a partir do momento em que julgamentos passaram a ser transmitidos ao vivo pela TV.
Mas Lula não puxou o debate para a questão da qualidade dos julgamentos, mas das críticas sofridas pelos ministros da corte. Ou seja, é outro enfoque. E nesse enfoque, que não trata da qualidade dos julgamentos, mas do seu impacto, ele está equivocado.
Não é coincidência que a declaração do presidente ocorra após as críticas sofridas por seu último indicado ao STF, o ministro Cristiano Zanin, devido a posicionamentos conservadores em julgamentos - como negar equiparação da homotransfobia ao crime de injúria racial, ignorar o princípio do furto insignificante, mantendo condenação de dois anos por roubo de um macaco velho e meio litro de diesel, e ir contra uma ação para que Mato Grosso do Sul tome medidas para proteger indígenas.
Lula pode ter tomado as dores do ex-advogado em público - mas também as suas próprias, uma vez que ele está sendo pressionado por seus eleitores a indicar uma mulher, negra e progressista para a vaga que será aberta no STF, neste mês, com a aposentadoria de Rosa Weber.
Melhor faria se o presidente incentivasse os projetos da Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e do Ministério da Educação para combate ao ódio e a promoção da tolerância.
Se nem Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que foram os principais focos de ataques por ocuparem recentemente a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, não discutiram isso ou pediram ao Congresso, por que o presidente da República vai pitacar sobre o regimento de outro poder, gerando ruído onde não existia?
Em tempo: muita gente boa veio às redes dizer que a Suprema Corte dos Estados Unidos divulga posições em grupo. OK, mas estamos no Brasil, com histórias institucional e social próprias. Tanto que muitos dos mesmos defenderam (acertadamente) nas redes há algum tempo que o modelo norte-americano é mais permissivo que o nosso quanto aos limites da liberdade de expressão e não pode ser usado como referência para permitir ódio e intolerância.