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Associação Comercial irá à Justiça contra recém-criado feriado da Consciência Negra em Curitiba

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitba

17/01/2013 06h00

A ACP (Associação Comercial do Paraná) irá à Justiça para derrubar o feriado do Dia da Consciência Negra em Curitiba, em 20 de novembro, promulgado há poucos dias pela Câmara. A justificativa é o alegado prejuízo que um dia de portas fechadas traria aos comerciantes –um cálculo feito pela entidade estima o prejuízo de cada feriado para a economia da cidade em R$ 160 milhões.

Do outro lado da trincheira, está o Sindicom (Sindicato dos Empregados no Comércio de Curitiba). “Lógico que somos favoráveis [ao feriado]”, disse ao UOL o vice-presidente, José Milton Camargo. O Conselho Municipal de Políticas Étnico-Raciais também defende o feriado. “Se ACP entrar com ação, iremos à Justiça também”, promete seu presidente, Saul Dorval da Silva.

A intenção da ACP tornou-se pública na terça-feira (15), quando a entidade publicou anúncio em jornais de Curitiba dizendo-se “inconformada com a promulgação da lei que cria o Dia da Consciência Negra como mais um feriado em Curitiba (…) vem a público informar que tomará todas as medidas cabíveis, inclusive sob prisma jurídico, visando reverter essa decisão”.

“A indignação dos associados e de boa parte da sociedade [com o novo feriado] se refletiu na [decisão da] diretoria. Nosso departamento jurídico está estudando o caso, para apresentarmos uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade)”, confirmou ao UOL, nesta quarta (16), o presidente da ACP, o empresário Edson José Ramon, 64.

“Estimamos que o feriado trará um prejuízo aproximado de R$ 160 milhões à cidade.” A cifra foi obtida pela entidade a partir da divisão do PIB municipal pelo número de dias do ano.

Silva vê “uma forma de conservadorismo profundo, chegando à beira do preconceito” na decisão da ACP. “Você acha que [lutar contra] um prejuízo de R$ 160 milhões é preconceito?”, reagiu Ramon. “Sou cristão, espírita kardecista, e minha vida é pautada por fazer bem à sociedade. Meu trabalho aqui [na ACP] não é remunerado”, disse. “O que mais nos preocupa é o prejuízo das micro e pequenas empresas, que são 90% dos nossos associados.”

O dirigente garantiu não ser contrário à celebração do Dia da Consciência Negra. “Somos contra qualquer tipo de feriado. Zumbi dos Palmares é um herói nacional, mas gostaria que datas como essas fossem celebradas por atos cívicos, nas escolas e órgãos públicos. E sempre estaremos à disposição [na ACP] para homenagear grandes etnias, como a negra, que construíram nossa pátria”, falou Ramon.

“O feriado é um resgate histórico, uma reparação à dívida da sociedade para com os afrodescendentes, que são 24% dos curitibanos, segundo o IBGE. A ACP nunca questionou nenhum outro feriado até hoje”, protestou Silva.

“Já há uma lei estadual, de 2007, que institui o Dia da Consciência Negra nas escolas. Mas o feriado é uma forma de forçar uma reflexão sobre os 350 anos da escravidão de 130 milhões de africanos no Brasil.”

Ele também vê exageros na cifra apresentada pela ACP sobre o prejuízo trazido pelo dia sem trabalho. “Num feriado, movimenta-se a economia na indústria do turismo e do entretenimento. A ACP deveria tentar entender as novas modalidades econômicas da cidade, que não se restringem ao comércio que abre ou fecha as portas”, disse.

“Curitiba não é um pólo turístico”, respondeu Ramon. “A produção industrial e as vendas do comércio perdidas num feriado não se recuperam, e o pouco turismo que possa haver na cidade não compensa um dia parado.” O dirigente também disse que a associação já se levantou contra outros feriados, mas não soube apontar exemplos.

Silva se disse disposto a dialogar com o presidente da ACP para tentar demovê-lo de sua decisão. “Hoje [quarta], tomei a iniciativa de procurá-lo para conversar sobre o assunto. Não consegui encontrá-lo, mas sinalizo que estamos abertos ao diálogo.”

Conforme o Censo 2010 do IBGE, Curitiba tem hoje 23% de pessoas que se declaram pretas ou pardas --a cidade tem cerca de 1,7 milhão de habitantes. No Brasil, metade da população se declarou pretas ou parda.

Em cima do muro

O feriado do Dia da Consciência foi promulgado pelo recém-empossado presidente da Câmara de Curitiba, o vereador Paulo Salamuni (PV), na sexta-feira (11). A lei que o criou fora aprovada –já sob protestos da ACP– em 27 de novembro passado.
Mas o então prefeito Luciano Ducci (PSB) não sancionou nem vetou o texto no prazo legal. Com isso, o texto voltou para a Câmara, e o novo presidente o promulgou.

A ação judicial da ACP deverá se basear em norma federal que prevê que o município pode decretar como feriados apenas o dia que comemora sua fundação e três datas religiosas. “Com base nisso, já se reverteu o feriado [da Consciência Negra] em algumas cidades, como São José [S], Cariacica [ES] e Goiânia”, disse Ramon.

Representante de parte bastante interessada no assunto –os empregados do comércio, que podem ganhar uma nova folga ou receber mais horas extras em novembro–, o Sindicom vê com ceticismo o movimento dos patrões.

“Se foi fixado como feriado, é feriado e ponto final. Não sei que tipo de ação irá reverter isso”, disse Camargo. Para ele, a fixação do novo feriado na capital paranaense é uma questão de “isonomia”. “Se ele já existe em outros estados, deve valer em todo o País.”