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Indiciamentos por corrupção pela PF caem 75% em quatro anos

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

17/02/2014 06h00

O número de indiciamentos realizados pela PF (Polícia Federal) para os chamados crimes de colarinho branco, que envolvem, em geral, agentes públicos e criminosos de alto poder aquisitivo, tem sofrido quedas sucessivas desde 2009, conforme revelam números obtidos com exclusividade pelo UOL. Entre 2009 e 2013, a queda foi de 75%.

A origem dos dados é o Siscart (Sistema de Controle de Atividades Cartorárias), programa em que delegados federais de todas as unidades da PF no país incluem as informações de todos os indiciamentos.

O levantamento inclui indiciamentos, realizados entre 2007 e 2013, de oito tipos de delitos, todos previstos no Código Penal Brasileiro: crime contra o sistema financeiro; lavagem de bens, direitos ou valores; peculato; crime de responsabilidade do prefeito; corrupção passiva; concussão; emprego irregular de verbas públicas; e improbidade administrativa (veja na tabela abaixo o glossário dos tipos criminais).

Glossário dos crimes do colarinho branco

* Crimes contra o sistema financeiro
Inclui gestão fraudulenta ou temerária de instituição financeira, desvio de recursos de bancos, divulgação falsas ou incompletas de informações da instituição financeira, evasão de divisas, entre outros.

* Lavagem de bens, direitos e valores
Converter em ativos lícitos bens e valores obtidos de maneira ilícita

* Peculato
Desviar recursos públicos ou privados mediante ação de agente público

* Crimes de responsabilidade do prefeito
Estão relacionados, entre outros, à má gestão de recursos públicos, desvios e ações que extrapolem o cargo do prefeito

* Corrupção passiva
Solicitar ou receber, em razão de seu cargo ou função, vantagem indevida (propina)

* Concussão
Exigir, em razão de seu cargo ou função, vantagem indevida (propina)

* Uso irregular de verbas públicas
Empregar verbas em áreas distintas das previstas na lei orçamentária

* Improbidade administrativa
Quando o agente público viola os princípios da moralidade, impessoalidade e economicidade no exercício de sua função

Em 2009, penúltimo ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a PF realizou 3.425 indiciamentos de crimes do colarinho branco. No ano seguinte, houve uma ligeira queda, de 5%, para 3.259 indiciamentos.

A partir de 2011, quando Dilma Rousseff (PT) assumiu a Presidência, a redução se acentua (veja os números no gráfico abaixo). Naquele ano, a PF fez 2.691. Em 2012, pouco mais da metade ao ano anterior: 1.489. No ano passado, a pior marca: 857 indiciamentos.

Na comparação entre 2009 e 2013, quando a PF teve o melhor desempenho da série, a queda de indiciamentos foi de 75%. Durante o governo Dilma, houve quedas de indiciamentos em todos os tipos de crimes --a única exceção é improbidade administrativa, crime teve apenas um indiciamento, em 2009.

Ato exclusivo da polícia, o indiciamento ocorre quando a autoridade policial conclui haver indícios de autoria e materialidade do crime. A partir do indiciamento é que o Ministério Público começa a fazer a denúncia que poderá levar o réu à condenação.

Queda é “preocupante”

O desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch, especialista no estudo do crime organizado e presidente Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanne Falcone, disse acreditar que a queda de indiciamentos “é sinal de que a PF está com problemas internos de organização".

“Isso evidentemente é muito ruim, é preocupante. Porque é no combate aos crimes do colarinho branco que se descobre os caminhos do dinheiro. É o meio mais eficaz de combate à criminalidade”, disse, em entrevista ao UOL.

“Só se encontra redução semelhante nos indiciamentos nos países em que efetivamente estes crimes diminuíram, o que evidentemente não é o caso do Brasil”, afirmou.

Para Maierovitch, a PF precisa deixar de ser subordinada ao Poder Executivo e passar a ser um órgão ligado ao Poder Judiciário.

Além disso, o jurista defende a criação de uma polícia financeira dentro da PF. “Em vários países há uma polícia federal financeira que atua exclusivamente no combate aos crimes do colarinho branco”, disse.

A Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), entidade que representa nacionalmente os agentes da PF, afirmou que a queda nos indiciamentos está ligada ao sucateamento e à falta de investimentos no órgão.

Além disso, a entidade diz que aumentou a evasão de policiais federais nos últimos anos em função de salários baixos e más condições de trabalhos.

Outro lado

A direção da PF, por meio da assessoria de comunicação social, enviou uma nota ao UOL na qual afirma que “os números de indiciamentos não podem ser considerados isoladamente, haja vista que outros indicativos aumentaram”.

A queda nos indiciamentos, diz o órgão, “pode até ser considerado como reflexo de uma mudança conjuntural ou estrutura na forma de se proceder as investigações, mas nunca uma baixa da produtividade no trabalho da instituição".

A PF argumenta que, nos últimos anos, tem aumentado sua produtividade no combate ao desvio de recursos públicos e ao tráfico de drogas, áreas tratadas como prioritárias pela instituição.

“As investigações sobre fraudes e corrupção em contratos da administração já somam R$ 15,6 bilhões em investimentos com recursos públicos, totalizando 12.870 inquéritos policiais. Esse  números perfazem 10% de todas as investigações em curso na Polícia Federal, que acumula em inquéritos policiais, 108.822 procedimentos. Além disso, desde 2011, a Polícia Federal instaurou mais de 3000 investigações contra prefeituras por mau uso de verba pública federal”, informou a nota.

Embora reconheça a queda nos indiciamentos, a PF diz que em 2013 houve recorde de operações especiais para combater desvios de recursos públicos.

“Somente no ano de 2013 foram  296 operações especiais de polícia judiciária realizadas, 56 foram combater crimes relacionados ao desvio de recursos públicos. Significa dizer que a PF bateu o recorde histórico em números absolutos e percentuais de operações nessa área", informou a nota. 

Por fim, o órgão disse que "a Polícia Federal bateu, também, no ano passado,  recordes históricos na apreensão de cocaína, maconha e de bens de grandes organizações criminosas especializadas em tráfico de drogas. Foram apreendidas 35,7 toneladas de cocaína, 220, 7 toneladas de maconha e R$ 80,1 milhões em bens".