Universal inaugura megatemplo com clima de Jerusalém e excesso de segurança
Na tarde da quarta-feira (30), uma muçulmana de burca passa pela calçada, e os seguranças contratados pela IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) logo se mobilizam para saber o que ela está fazendo no entorno do Templo de Salomão.
A construção, que é a réplica do local sagrado do judaísmo, foi erguida no bairro do Brás (região central de São Paulo) nos últimos quatro anos.
Sua inauguração oficial será feita na noite desta quinta-feira (31) com a presença confirmada da presidente Dilma Rousseff (PT), do governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito da capital paulista Fernando Haddad (PT), entre outras autoridades.
“Essa construção é magnífica. Salomão é um profeta para os muçulmanos também e merece isso”, explica a tunisiana Rabia Azouzia, que mora no Brasil há um ano e admirava a construção da calçada --foi ela quem motivou a curiosidade dos seguranças da IURD--, em frente ao prédio revestido com pedras trazidas de Hebron, cidade localizada na Cisjordânia.
Rabia frequenta a mesquita xiita do bairro, mas em sua caminhada passou por uma igreja católica e outra da Assembleia de Deus para chegar até o megatemplo, construído por decisão do bispo Edir Macedo para ser a santa sede da denominação neopentecostal que fundou em 1977.
Brás passa a ser quase um pedaço de Jerusalém na zona leste
O Brás, bairro de ocupação comercial na zona leste paulistana, vive um clima de Jerusalém nestes dias. E não é só pela megalomaníaca reprodução do monumento bíblico erigido no meio do bairro já tão cheio de locais religiosos.
Há por lá forte aparato de segurança --seja dos particulares contratados e quanto dos policiais, tanto militares como federais--, mobilizado para a cerimônia de abertura.
A IURD montou um forte esquema porque nesses primeiros dias o acesso ao templo será restrito a fieis e convidados. A entrada de visitantes comuns e jornalistas, por exemplo, será liberada só no final de agosto e mediante a retirada de senha.
Judeus se dividem em relação à inspiração hebraica do templo
A construção do Templo de Salomão dividiu opiniões entre a comunidade judaica. Uma parte viu com simpatia e acredita que pode até reduzir o antissemitismo, como afirmou a ONG Juventude Judaica Organizada.
Outra parte, principalmente rabinos mais tradicionais, criticou a utilização de símbolos judaicos, como os menorás (candelabros de sete pontas) que decoram as paredes do local neopentecostal.
O bispo Edir Macedo, que presidirá o culto desta quinta, também adotou ultimamente uma barba longa e veste nas cerimônias o quipá e o xale, indumentárias típicas das orações judaicas.
Além disso, o templo terá um jardim de oliveiras --árvore que produz azeitonas e é muito encontradas em terras israelenses--, com plantas centenárias importadas do Uruguai, e um altar com uma Arca da Aliança folhada a ouro, reproduzindo o local onde, segundo a Bíblia, se guardava as tábuas dos Dez Mandamentos.
O prédio foi revestido com 40 mil metros quadrados de pedra branca, importada de Israel. A IURD pediu isenção fiscal para essa importação --o argumento utilizado foi o de que “as pedras eram sagradas”.
Não adiantou: a Justiça autorizou a cobrança de R$ 1,8 milhão de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) e de R$ 615 mil em outros impostos, entre eles o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Obra provocou controvérsia entre outras igrejas evangélicas
A polêmica também surgiu dentro das igrejas evangélicas. Valdomiro Santiago, cuja Igreja Mundial tem três unidades só no Brás, alfinetou seu ex-líder espiritual.
"Eu vou ganhar almas, não vou gastar dinheiro com templo de Salomão. Eu preciso levar o evangelho, e a televisão é cara", disse o "concorrente" de Edir Macedo.
O Brás é um bairro de passado industrial, mas muitos dos antigos galpões acabaram dando lugar para templos evangélicos. Só na avenida Celso Garcia, endereço do novo templo da igreja de Macedo, há sedes das igrejas Mudança de Vida, Plenitude do Trono de Deus e Nova Geração.
Suntuosidade leva segurança a bairro degradado
O luxo do local contrasta com as casas e edifícios vizinhos, muitos ocupados por confecções com trabalhadores bolivianos, cortiços com migrantes nordestinos e depósitos de material.
“Aqui tinha muito assalto à noite. Agora com tanta movimentação e tanta polícia nas ruas está muito tranquilo. Parece obra de Deus”, brincou o motorista Paulo Oliveira.
Hoje em dia, o Brás tem um perfil de área de comércio popular, principalmente de roupas. Para um desavisado, o Templo de Salomão mais parece um shopping, com sua fachada de pedra e vidro espalhado, decorado na frente por palmeiras e escadarias.
Antes do templo, o local já havia abrigado uma fábrica de cimento, um posto de gasolina e um estacionamento.
Templo foi construído com alvará de reforma, não de uma nova obra
Outro foco de controvérsia é que o megatemplo foi erguido com um simples alvará de reforma, o que livrou a IURD a pagar 5% do valor da obra, de R$ 680 milhões, em contrapartidas e melhorias para o entorno - ou seja, cerca de R$ 35 milhões.
A autorização foi emitida em outubro de 2008 pelo setor Aprov 5, da Secretaria Municipal de Habitação, à época comandado por Hussein Aref Saab, demitido em 2012 sob suspeita de enriquecimento ilícito.
O templo será inaugurado sem alvará definitivo --usará, nos primeiros dias, uma licença para eventos.
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