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Brasil tem uma ocorrência de linchamento por dia, diz sociólogo; entenda

7.jul.2015 - Com o corpo nu, homem foi agredido até morrer na periferia de São Luís (MA) no início de julho - Biné Morais
7.jul.2015 - Com o corpo nu, homem foi agredido até morrer na periferia de São Luís (MA) no início de julho Imagem: Biné Morais

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

14/07/2015 06h00

No Brasil, um linchamento ou tentativa de linchamento acontece por dia. O dado é de José de Souza Martins, professor emérito da USP (Universidade de São Paulo) que pesquisou casos de linchamento noticiados pela imprensa nos últimos 60 anos. 

Para o pesquisador, os recentes casos de linchamento no Maranhão, no qual um homem foi atacado e morto após tentar assaltar um bar, e na Bahia ou a tentativa de linchamento no Rio de Janeiro nada têm de diferente do fenômeno recorrente no país.

“Desde a Segunda Guerra Mundial os linchamentos não só vêm aumentando em número como vem aumentando em frequência. Isso é sinal de crise social, da desorganização social que o linchamento expressa”, aponta o pesquisador. Em sua última obra, “Linchamentos - A Justiça Popular no Brasil” (ed. Contexto), Martins aponta a participação de 1 milhão de brasileiros em atos de violência coletiva nas últimas seis décadas.

O livro traz a quantificação e análise de 2.028 casos entre 1945 e 1998, além de estudos de campo no interior de São Paulo, no oeste de Santa Catarina e no sertão da Bahia. Martins ainda consultou um arquivo adicional com mais de 2.505 episódios até 2014. 

O pesquisador constatou que períodos de instabilidade política tenderam a elevar as ocorrências de linchamento. "Há um salto após a Segunda Guerra Mundial, outro após a ditadura militar e outro após as manifestações de rua de 2013. São momentos de instabilidade e de transição, que se refletem em medo e insegurança.”

O Coordenador do Mapa da Violência, Júlio Jacobo Waiselfisz, cita como possível elemento causador dos linchamentos o sentimento de impunidade perante crimes hediondos e o enfraquecimento dos órgãos de segurança pública e de justiça do Estado.

"A visão de impunidade reina no Brasil para crimes bárbaros, como estupro de crianças. No sistema carcerário sabe-se que há uma punição com linchamento lá dentro para estupradores. Não acho que seja uma forma de justiça popular, mas sim uma forma de justiça que surge da insegurança e desconfiança", considera.

Espetacularização da violência

Apesar de remontar à história colonial brasileira, com elementos de procedimentos penais da Santa Inquisição, o professor da USP acredita que a "espetacularização" da violência pela mídia pode incitar parte da população a linchar.

"O noticiário é uma listagem teatral de horrores, narrados sem o menor conteúdo analítico e explicativo, como se o país estivesse dividido entre o bem e o mal. No caso dos linchamentos, quase sempre para ressaltar a suposta razão de quem lincha, sem expor a trama de problemas sociais que dá lugar à violência que causa o ato de linchar. O linchador é apresentado como justiceiro e nunca como o que efetivamente é, uma vítima da violência obrigada a ser violenta para defender a sociedade e defender-se", analisa Martins.

Waiselfisz acredita que o noticiário e a sensação de insegurança resultam em uma relação conturbada de causa e efeito no tratamento contra a violência, como vem ocorrendo na aprovação da redução da maioridade penal para 16 anos na Câmara e na possibilidade de revogar o Estatuto do Desarmamento.

"Isso é uma coisa esquisita no Brasil. As armas brancas no Brasil significam menos de 10% dos homicídios [segundo o Mapa da Violência 2015], mas São Paulo e Rio já discutem leis que proíbem o porte delas. Já sobre as armas de fogo, que matam em 71% dos homicídios, há uma tentativa de liberar seu uso", diz Waiselfisz, que também é coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).