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Homem preso por foto de 15 anos atrás é solto, mas segue acusado de roubo

Jefferson Pereira da Silva, 29, ficou preso após ser acusado por roubo a mão armada com base em uma foto 3x4. - Arquivo pessoal
Jefferson Pereira da Silva, 29, ficou preso após ser acusado por roubo a mão armada com base em uma foto 3x4. Imagem: Arquivo pessoal

Marcela Lemos,

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

13/09/2021 16h32

O motorista de aplicativo e montador de móveis, Jefferson Pereira da Silva, 29, ficou preso durante cinco dias após ser acusado por roubo a mão armada com base em uma foto 3x4 de quando ele tinha 14 anos. Liberado por uma decisão judicial do presídio de Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (13), ele lamentou em entrevista ao UOL que o processo contra ele ainda não tenha acabado.

"Vou precisar ainda participar de audiências", explica. Preso desde o último dia 8, Silva é o terceiro homem negro a deixar a cadeia no Rio nos últimos 15 dias após questionamentos sobre os reconhecimentos fotográficos nos processos.

A prisão de Silva foi substituída por medidas cautelares e ele vai responder ao processo em liberdade. Ele disse que durante os cinco dias em que ficou detido só pensava na família.

"Sentia angústia por não saber como estavam. Espero agora por Justiça, que corra tudo bem daqui pra frente"
Jefferson Pereira da Silva, motorista de aplicativo e montador de imóveis

Acusação

Silva só soube que era investigado pela Polícia Civil oito meses após o registro do roubo do qual se suspeita que ele participou, em 4 de fevereiro de 2019. Durante uma abordagem policial, ele foi informado que deveria comparecer a uma delegacia porque seu nome era citado em um inquérito.

Espontaneamente, Silva se apresentou para prestar depoimento com a intenção de provar ter sido confundido com outra pessoa. Mesmo após se apresentar na unidade, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) pediu a prisão preventiva dele em 15 de outubro de 2019.

A prisão ocorreu sob circunstâncias estranhas. No último dia 8, Silva foi chamado a comparecer a um shopping no bairro de Del Castilho, também na zona norte, para receber uma rescisão trabalhista referente ao ano de 2015. Chegando ao local, não havia ninguém da empresa, apenas policiais civis que deram voz de prisão.

Foto 3x4 de Jefferson Pereira da Silva, aos 14 anos, usada na acusação por roubo a mão armada. - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Foto 3x4 de Jefferson Pereira da Silva, aos 14 anos, usada na acusação por roubo a mão armada.
Imagem: Arquivo pessoal

Ao UOL, ele disse que, mesmo assim, achou que não ficaria preso: "Na hora, eu fiquei sem acreditar. Minha ficha só caiu mesmo depois de um tempo na delegacia. Até então achava que não ia ficar preso. Não fazia o menor sentido eu estar ali".

Defesa quer saber como foto 3x4 foi parar na delegacia

O crime do qual Silva é acusado ocorreu em 4 de fevereiro de 2019 no bairro do Jacaré, também zona norte do Rio. A vítima só relatou o ocorrido à Polícia Civil 21 dias depois. Ela disse que teve o celular e R$ 5 roubados por dois homens em uma moto.

Ao ir à delegacia, a pessoa abordada reconheceu o motorista como um dos autores após ver uma foto dele no tamanho 3x4 apresentada pela polícia. A imagem, porém, mostra Silva com 14 anos de idade.

O advogado de defesa, Carlos Dutra, quer não só provar a inocência do motorista mas também saber como a fotografia foi parar nos arquivos da Polícia Civil, sendo que ele não tem antecedentes criminais.

"Jefferson tem diversas anotações de trabalho em carteira, ele estava em casa no dia do crime e foi reconhecido por uma foto 3x4 de quando tinha 14 anos de idade, sendo que o crime ocorreu quando ele tinha 27. A gente vai buscar a absolvição, mas também queremos saber como essa foto chegou até a delegacia. Queremos que ela seja retirada do álbum da polícia".
Carlos Dutra, advogado de defesa


A defesa do motorista também questiona o mandado de prisão preventiva cumprido contra ele. "A preventiva só pode ser decretada quando houver risco à ordem pública, econômica ou se o acusado continuasse a cometer as mesmas condutas - o que não é o caso. A gente nem sabe quando essa angústia vai terminar, mas estamos trabalhando para provar a inocência do Jefferson", concluiu o advogado.

Outros presos

Nos últimos 15 dias, outros dois homens negros, também presos após reconhecimento facial, foram soltos. O produtor cultural, Gustavo Nobre, passou um ano preso após ser condenado por um roubo na zona sul do Rio, que, agora, a Justiça reconhece que ele não cometeu. Ele foi reconhecido injustamente por uma fotografia extraída das redes sociais pela própria vítima. Nobre deixou a cadeia no dia 1º de setembro.

O cientista de dados de uma multinacional, Raoni Lázaro Barbosa, 34, foi solto no dia 9 após passar 22 dias preso sob a acusação de integrar uma milícia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ele nunca esteve na cidade e deixou a prisão depois de a polícia reconhecer que prendeu o homem errado.

Ao UOL, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que já recomendou às delegacias que não utilizem apenas fotografias no processo de reconhecimento de suspeitos.