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Homem condenado no lugar do irmão pede indenização de R$ 1,2 milhão

Lorivaldo foi condenado a um ano e quatro meses de prisão - Arquivo pessoal
Lorivaldo foi condenado a um ano e quatro meses de prisão Imagem: Arquivo pessoal

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

17/10/2021 10h05

Condenado no lugar do irmão por um crime que não cometeu, Lorivaldo Gaia de Freitas, 33, pede agora uma indenização de R$ 1,2 milhão. Ele foi inocentado cinco anos depois da condenação, com a ajuda da Defensoria Pública do Estado do Amapá.

A vida de Lorivaldo mudou em 2016, quando um oficial de Justiça o visitou no trabalho, no depósito de uma distribuidora na capital Macapá —ele foi acusado de arrombar e furtar um bar no ano anterior.

Acontece que o autor do furto foi na verdade o irmão de Lorivaldo, Leosvaldo, que na época chegou a ser detido em flagrante pelo crime. Quando sua prisão temporária expirou, porém, Leosvaldo foi solto, mas enganou a polícia ao dar o nome do irmão na delegacia.

Como o processo seguiu, Lorivaldo acabou respondendo pelo crime e condenado a um ano e quatro meses de reclusão, mais pagamento de multa de um salário mínimo, que na época equivalia a R$ 880.

Apenas depois da condenação é que foi dada entrada em uma ação de justificação, um tipo de processo para produzir provas para revisão criminal. Em agosto deste ano, o Tribunal de Justiça do Amapá finalmente inocentou o rapaz.

Indenização de R$ 1,2 milhão

Depois de perder o emprego e cumprir a pena de um ano e quatro meses —inicialmente em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa—, Lourivaldo voltou a recorrer à Defensoria Pública, agora para pedir uma indenização de R$ 1.262.000 por cumprir integralmente uma pena no lugar de outra pessoa.

"Foram cinco anos de vida jogados fora. Esse valor ainda é pouco", afirmou Lourival ao UOL. "O valor do prejuízo que causaram a mim foi definido pelos defensores através de pesquisas de casos parecidos com o meu."

Lourivaldo diz que os advogados não sabem quando o processo será concluído, mas ele faz planos.

"Eu quero reabilitar minha vida, sustentar meus filhos, comprar uma casa", diz ele, que até hoje não conseguiu um novo emprego fixo. "Quero montar um negócio, talvez uma padaria e tentar me formar."

Quero me formar em gestor ambiental, ou advogado ou engenheiro civil."
Lourivaldo Gaia de Freitas, 33

Sobre o irmão, diz não guardar mágoas. Afirma que Leosvaldo errou, mas que a culpa maior é do Estado. "Tem investigador para fazer perícia na assinatura, tem delegado, escrivão e deixa passar?", questiona.

Não conversei com meu irmão depois disso. Ele mora em outro bairro, é afastado da família, a gente não tem contato. Mas, como é sangue da gente, não tem de criar ódio e pagar mal com o mal."
Lourivaldo Gaia de Freitas, 33

Para a defensora pública Júlia Lordelo, "houve diversas falhas do Estado em todo o caso envolvendo o indivíduo injustamente condenado".

"Ele foi exonerado da culpa penal após mais de cinco anos, sendo que o Estado foi provocado em mais de três ações para reparar o indivíduo, que nunca teve sequer investigada sua alegação de que outra pessoa fora presa em flagrante e dado seu nome", diz ela.

Na ação, a defensora também pediu que o Governo do Estado do Amapá seja obrigado a realizar, anualmente, a capacitação antidiscriminatória racial com todo efetivo policial, além do registro em áudio e vídeo dos procedimentos feitos nas delegacias.

Segundo Lordelo, dados de pesquisa do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estimam que cerca de 81% das pessoas reconhecidas erradamente são pessoas pardas, como Lorivaldo, ou negras.

Criado junto com o irmão

Quando foi absolvido, em agosto, Lorivaldo falou com o UOL. Ele contou que perder o emprego foi uma das principais consequências da injustiça que sofreu.

"À época, o oficial de justiça visitou o trabalho algumas vezes para me intimar, e por conta disso os chefes ficaram meio cismados. Terminei perdendo o emprego porque meu nome aparecia como sujo na Justiça", lembra ele, que é casado e pai de quatro filhos.

Lourivaldo e Leosnaldo foram criados juntos, mas tiveram pouca convivência quando adultos. "Como nossos pais se separaram logo, cada um acabou pegando o seu rumo", diz ele, que vive de serviços esporádicos como encanador, carpinteiro e pedreiro.

"Eu espalhei currículos, mas não recebi nenhum convite. Procurei advogados particulares, mas todos queriam dinheiro, e eu não tinha. Foi aí que eu busquei a defensoria. Nesse período eu também fiquei investigando o caso para entender o que tinha ocorrido", lembra ele, que só no dia do julgamento soube que o irmão havia se passado por ele.

Durante todo esse tempo, ele contou com a família a amigos próximos.

"As pessoas que me conheciam sabiam que não era eu, porque sempre trabalhei desde cedo. Moro aqui há mais de 20 anos, trabalhei de gari, no mercado, em distribuidora; sempre corria dinheiro e mercadorias na minha mão, e nunca peguei nada", diz.

Para a Defensoria Pública, o erro deixa uma lição ao judiciário: "Esse caso é paradigmático, pois demonstra como o reconhecimento pessoal pode ser falho e não pode ser a única prova a condenar uma pessoa, sob o risco de se condenar um inocente", diz a defensora Isabelle Mesquita.