RJ: 48% das crianças e adolescentes baleados são atingidos em ação policial

A região metropolitana do Rio de Janeiro registrou ao menos 601 crianças e adolescentes baleados nos últimos sete anos. Desse total, 286 foram atingidos em ações policiais — o que representa 47,5%. Os dados fazem parte de um levantamento do Instituto Fogo Cruzado divulgado hoje.

A história do Rio de Janeiro é marcada por crianças e adolescentes mortos e feridos. A gente sabe que não são casos isolados. Ágatha Félix, Maria Eduarda, João Pedro, Kauã, Alice, Emilly e Rebecca. Todo mundo lembra de um destes nomes.
Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado

O que diz o estudo

O levantamento mostra que 267 crianças e adolescentes foram mortos e 334 ficaram feridos no período analisado — entre 5 de julho de 2016 e 8 de julho de 2023. O estudo leva em consideração as faixas etárias de 0 a 11 anos para crianças e de 12 a 17 anos para adolescentes, conforme o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

As ações e operações policiais foram o principal motivo para vitimar crianças e adolescentes nos últimos sete anos. Entre as 601 vítimas, 286 foram atingidas nestas circunstâncias — resultando na morte de 112 e deixando outras 174 feridas.

315 crianças e adolescentes foram atingidos em disputas entre grupos armados, em execuções, homicídios, tentativas de homicídio, brigas, vítimas de disparos acidentais e ataques a civis.

"Os dados precisam ser levados em conta para o planejamento da segurança pública", afirma Cecília Olliveira, do Fogo Cruzado. "Não podemos deixar essas histórias se perderem. Nosso esforço é também de memória, porque sem ela a sociedade não se mobiliza."

Em nenhum lugar do mundo tantas crianças são baleadas sem que a sociedade se indigne. Aqui não pode ser diferente. As pessoas precisam se importar.
Cecília Olliveira

Algumas das vítimas

Ágatha estava em uma Kombi com o avô e levou um tiro de fuzil. Uma das mortes que mais repercutiu nos últimos anos foi a de Ágatha Vitória Félix, de 8 anos. Em setembro de 2019, a menina levou um tiro de fuzil de um PM em uma operação no Complexo do Alemão.

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Emily e Victória brincavam em frente ao portão de casa quando foram atingidas. Em 2020, duas meninas foram mortas por tiros em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense: Emily Victória Silva dos Santos, 4, e Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos, 7.

João Pedro Mattos Pinto, 14, foi morto em uma operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. O episódio deu origem à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro para casos excepcionais, durante a pandemia. Na casa onde ele morava, ficaram cerca de 70 marcas de tiros.

Thiago é o caso mais recente: estava numa moto e morreu após ser baleado. Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, foi assassinado na Cidade de Deus, na segunda-feira (7). Segundo testemunhas, os disparos partiram de um PM durante uma operação policial. A PM do RJ diz ter ocorrido um confronto.

Rio de Paz soma 100 crianças mortas

A ONG Rio de Paz soma 100 crianças mortas por armas de fogo no estado do Rio de Janeiro desde 2007 — ano em que a entidade começou a monitorar os dados. O levantamento considera vítimas de 0 a 14 anos (e não de 0 a 17 anos, como o estudo do Fogo Cruzado).

Apenas neste ano, são nove óbitos registrados, segundo a Rio de Paz. A ONG acompanha familiares de pessoas mortas em decorrência de ações policiais.

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Thiago é a 100ª vítima de arma de fogo. "Poderia ser qualquer uma dessas crianças de favela, qualquer um poderia ser meu irmão", declarou a irmã do garoto — ela tem 17 anos.

A morte de crianças, como o Thiago Menezes Flausino, é o lado mais hediondo da criminalidade. A indiferença da sociedade, que se recusa a ir às ruas para protestar contra o assassinato desses inocentes, é sintoma de gravíssima patologia social.
Antonio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz

Dos 100 casos contabilizados pela ONG, 43 foram de crianças mortas durante confronto entre policiais e suspeitos de participar de atividades ilícitas.

Percebe-se na cultura das operações policiais do Rio de Janeiro uma histórica obsessão com a prisão e morte de bandidos em detrimento da segurança da população. Como resultado, meninos e meninas pobres morrem de modo banal, e o caos instaurado há dezenas de anos na segurança pública não muda.
Antonio Carlos Costa

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