PM amarra e agride homem negro suspeito de furtar chocolate; assista
Um homem negro suspeito de furtar três barras de chocolate de um supermercado teve os pés amarrados e foi agredido e xingado por policiais militares em uma rua do Tatuapé, zona leste de São Paulo.
O que aconteceu
O UOL teve acesso ao vídeo gravado no dia 19 de julho pela câmera corporal de um dos PMs. Mesmo algemado com as mãos para trás e colocado na traseira da viatura, os agentes decidem tirá-lo do carro, abrir o porta-malas, jogar o suspeito no chão e iniciar as agressões.
Outro policial que participa da abordagem se posiciona com o joelho sobre o pescoço do homem. Um deles diz: "Você vai fazer o quê? Você é um merda, você é um merda, é macho pra caralho, vai se foder".
Com o rosto pressionado contra o chão, o homem diz que estava machucado. Mas os policiais respondem: "Cala a boca, cala a boca. Você vai para o hospital". Os PMs, então, suspendem o homem pela blusa e o jogam no porta-malas da viatura antes de dizer: "Você não é malandrão; agora você vai se foder".
Homem é preso apesar das agressões . Durante a audiência de custódia, no dia 20 de julho, o suspeito disse que estava com o rosto machucado porque os policiais "já chegaram agredindo com socos na cabeça e nas costelas", diz a Defensoria Pública na ação.
Fotos no processo mostram o preso com ferimentos no rosto e hematoma em um olho. Ele também contou à juíza sobre a agressão "em uma espécie de pau de arara" [mas sem a barra de ferro entre as mãos e pés], mas a juíza plantonista —que não teve acesso ao vídeo— manteve a prisão do homem.
Juíza mandou soltar
O rapaz foi solto na terça (29) depois que a Defensoria, já em posse das imagens, recorreu à Justiça. Ao analisar o vídeo, a desembargadora Jucimara Esther de Lima alegou abuso policial e mandou soltar o homem. Ela cita a Constituição Federal, "a qual prevê que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante".
Nenhum delito, por mais grave que seja, justifica a prática de outro, em especial pelos agentes investidos pelo estado para preservarem a ordem pública.
Jucimara Esther de Lima, juíza
No processo, os policiais dizem que o homem resistiu à prisão e os xingou. Ele teria machucado o dedo de um dos PMs durante a prisão, o que justificou o uso da força.
O UOL procurou a PM, a Corregedoria da PM mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. A Secretaria de Segurança Pública mencionou abertura de inquérito, mas não comentou as agressões nem se os agentes serão punidos.
Já a Ouvdoria da Policia instaurou procedimento em que exigirá "o máximo de rigor na apuração". "Para que se verifique também um crescimento na qualidade das prisões e abordagens em nosso Estado", diz em nota o ouvidor das polícias, o professor Claudio Silva.
Ele afirma que o caso remete ao "triste episódio de junho passado". Na ocasião, outro homem negro foi preso por um furto semelhante, quando, segundo o ouvidor, "sofreu um tratamento que nos remete à tortura dos anos de chumbo da ditadura e aos tempos da escravidão".
Ele diz que sugeriu à SSP, ao Comando Geral da PM e à Delegacia Geral da Polícia Civil a criação de um grupo de trabalho para debater as abordagens policiais em São Paulo.
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Quero receberDo que o homem é suspeito?
Segundo o processo, o homem é suspeito de furto e roubo no dia da prisão. Às 5h30 daquele dia, ele teria simulado a posse de uma arma e roubado uma mochila, uma toalha, duas camisetas, um cartão e um boné de uma mulher em um estacionamento de supermercado.
Por volta das 12h30, ele teria voltado ao mesmo estabelecimento e furtado três barras de chocolate avaliadas em R$ 30,87, momento no qual foi preso.
Acionada depois disso, a polícia teria encontrado os objetos e um homem com as mesmas características físicas relatadas em boletim de ocorrência. Foi quando o homem teria resistido à prisão e sido agredido.
Câmeras contra agressões
"É certo que, neste caso, houve clara violação aos Direitos Humanos", diz a defensora Cristina Emi Yokaichiya. Ela espera que a decisão "deva ser seguida por todos os juízes". A norma está em resolução e no manual de prevenção e combate à tortura do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), diz ela.
Yokaichiya diz que o trabalho "essencial" da PM não pode "extrapolar". "As câmeras policiais nos uniformes dos agentes de segurança pública têm se mostrado essenciais para comprovar as agressões", afirma.
Temos que lutar para a manutenção das audiências de custódia presenciais, que são espaços essenciais para a pessoa presa apresentar suas lesões e sua versão sobre a violência policial aos juízes e promotores.
Cristina Emi Yokaichiya, defensora
A Defensoria encaminhou ofícios para a Corregedoria e Ouvidoria da polícia com o vídeo e fotografias.
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