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OPINIÃO

Modo Tiririca de fazer política começou como piada, mas virou estelionato

Memes com debate na TV Cultura riem de caras, bocas e veia musical de Joice - Reprodução/Twitter
Memes com debate na TV Cultura riem de caras, bocas e veia musical de Joice Imagem: Reprodução/Twitter

Matheus Pichonelli

Colunista do UOL

13/11/2020 15h57Atualizada em 14/11/2020 15h43

E você achou que as eleições municipais de 2020 iriam acabar sem ressaca ou cenas lamentáveis? Achou errado.

Daqui a alguns anos, quando alguém tentar entender como chegamos até aqui, vai ter que procurar nas imagens de um debate ao estilo drive-thru de Porto Alegre a malemolência do espírito do tempo que transformou disputa política numa briga pelo lanche no recreio.

É esse espírito do tempo que levou um candidato do Pros a dedicar sua fala nas considerações finais aos filhos dos concorrentes da disputa.

Fala, não. Apresentação musical.

Do carro, Rodrigo Maroni, com boina e headphone, como se voltasse na balada e parasse na lanchonete pra buscar o lance, resgatou dos porões da primeira infância uma música-mensagem com os versos "eu tenho a força, sou invencível, somos amigos, unidos venceremos a semente do mal".

Isso mesmo, a música-tema de He-Man, clássico do Trem da Alegria, marcou a despedida do candidato rumo ao acostamento da campanha, de onde nunca decolou. Não ganhou um voto para prefeitura com a cena, mas virou hit, ganhou os trends e —arrisco— saiu de lá eleito caso queria disputar uma vaga de deputado daqui a dois anos.

Pouco antes, ele havia levado para o debate as mágoas de seu antigo relacionamento com Manuela D'Ávila (PCdoB), líder nas pesquisas, desfilando misoginia e dizendo, em rede nacional, que só não acabava com a ex ali, na frente de todo mundo, por respeito à sua filha.

Em algum momento da vida o candidato metido a cantor acreditou estar capacitado para gerenciar conflitos da capital gaúcha e seus mais de 1,4 milhão de habitantes. Brizola e Paulo Maluf, que protagonizaram embates mais épicos no passado, ficariam envergonhados.

No mesmo dia, durante o encerramento do primeiro turno da campanha em São Paulo, Joice Hasselmann, dublê de jornalista que virou dublê de escritora, dublê de militante anticorrupção, dublê de deputada e se candidatou a dublê de prefeita pelo PSL até se esforçou para mostrar que no fundo daquela fala caótica tomada de ataques e referências a cultura pop e memes de Twitter habitava alguma maturidade.

Mas a fantasia foi rasgada no debate da TV Cultura, para onde levou um hino dos protestos de rua, copiado por sua vez das arquibancadas de futebol, e ameaçou xingar Bruno Covas (PSDB) com uma dancinha mais constrangedora que a do tio bêbado com gravata na testa em festa de casamento.

"Ei, prefeito, para de aumentar o IPTU. Ei, prefeito, vai tomar vergonha", cantou Joyce, dançando com os dedinhos para cima, como foliã fora de época.

A expressão do adversário diante da cena é daquelas imagens para a posteridade. Mas, caso ele se pergunte como chegamos até ali, poderia fazer uma reflexão, e não precisa nem ser profunda, sobre os anos em que ele e seu partido deram trela e bateram palmas para todo tipo de revoltado online —até serem engolidos em 2018.

O modo Tiririca de ser, aquele que pedia voto e avacalhação porque pior que tava não ficava, iniciou a década como piada e terminou como estelionato. Pior ficou.

Caetano Veloso tinha razão quando associou política e estética à mesma frigideira. Donald Trump e seu beicinho alaranjado diante da derrota estão aí para criar jurisprudência por aqui.

Sim, estamos fritos. E estaremos ainda mais se não mandarmos os engraçadinhos de volta para o jardim da infância.

Errata: este conteúdo foi atualizado
DIferentemente do que informava o texto, Rodrigo Maroni é candidato pelo Pros, não pelo Patriota. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL