"Pegar ar" era o termo usado na escola láááááááááá do interior quando alguém dava pinta demais que odiava algum apelido ou brincadeira. Geralmente, a irritação era o que fazia o apelido pegar.
Na reta final da campanha, o candidato à reeleição em São Paulo, Bruno Covas (PSDB), virou o garoto do colégio que "pegou ar" — ou se "enfezou", a depender do epicentro do bullying — de tanto ter de responder sobre seu candidato a vice-prefeito, Ricardo Nunes (MDB).
Quem percebeu isso foi seu adversário, Guilherme Boulos (PSOL), que acaba de levar para a TV uma inserção em que vários quadros são mostrados e retirados da linha sucessória na maior cidade do país.
O narrador, então, explica um a um: José Serra foi eleito e deixou a prefeitura para Gilberto Kassab; João Doria foi eleito e deixou para o vice, Bruno Covas. E, se Covas mantiver a tradição, deixará a cadeira a uma grande interrogação chamada... Ricardo Nunes. "Quem?? Pois é."
Resultado: as buscas pelo nome do vice de Bruno Covas dispararam e ele se tornou um dos 10 assuntos mais buscados no Google na tarde de hoje.
Se a ideia era irritar o tucano, Boulos conseguiu. Durante uma sabatina realizada pela rádio CBN, o tucano "pegou ar" ao ser questionado pelo jornalista Fernando Andrade sobre um boletim de ocorrência que citava violência doméstica de seu vice contra a mulher.
"É impressionante como vocês são pautados pela propaganda do PSOL", respondeu o prefeito, como se pegasse a bola e ameaçasse deixar o campo.
"Fico horrorizado com isso, como gostam de acabar com a vida do meu vice sem denúncia. Não é possível que você traga isso aqui sem ter investigado", completou Covas, para quem o caso foi uma mera discussão.
Fato é que, de um lado, Boulos tem mostrado sua vice, Luiza Erundina, sempre que pode. Na propaganda de TV, nas redes sociais, nas citações em debates, no café (literalmente) e até numa espécie de "papa móvel" para a aliada de 85 anos desfilar pela cidade sem risco de contrair a covid-19.
E o fato de que ninguém sabe, ninguém viu o vice de Bruno Covas até o momento, virou brecha para seu adversário questionar o que ele está escondendo, afinal.
Ainda que seja inocente tanto na suspeita de agressão quanto em um suposto conflito de interesses relacionado ao aluguel de imóveis de sua família para creches em São Paulo, o sumiço deu margem para levantar suspeitas. Uma bola que qualquer adversário cortaria no ato.
Tanto que Boulos não só o interrogou, em um debate recente, se ele botava a mão no fogo pelo vice como replicou a pergunta com uma montagem no TikTok do adversário com as mãos em chamas.
O tema "vice" não é incômodo ao tucano apenas pelo passado misterioso do aliado. É incômodo porque os dois últimos candidatos do PSDB que venceram na capital paulista deixaram o cargo para seus vices e se candidataram a voos mais altos.
A pecha de legenda que usa a prefeitura como trampolim colou no PSDB graças a José Serra e João Doria, de quem Covas herdou tanto o mandato quanto a fama.
Desde então, o tucano tem respirado fundo para não explodir sempre que questionado sobre a escolha de seu vice — que nem era seu favorito. Covas preferia ter uma mulher em sua chapa. Mas foi Nunes quem, segundo ele, mais bem representou a frente de partidos ao seu redor.
Só que, ao mostrar cada vez mais impaciência com as perguntas que surgiriam naturalmente nos debates, Covas deu a brecha para que o candidato do PSOL explorasse o caso, como na inserção em que lembra o histórico de debandada tucana da prefeitura e sugere aos eleitores que, a exemplo do ET Bilu, busquem conhecimento e procurem saber quem é Ricardo Nunes —como se oferecesse um drinque para o inferno.
A campanha para a prefeitura de São Paulo está prestes a acabar e é provável que poucos saibam quem eram os vices de Celso Russomanno (Republicanos), Márcio França (PSB), Joice Hasselmann (PSL), Arthur do Val - Mamãe Falei (Patriota) e Jilmar Tatto (PT). O mesmo se pode dizer de outras cidades — uma exceção é o Rio, onde Marcelo Crivella (Republicanos) escalou Andrea Firmo para tentar conquistar o eleitorado feminino, seu ponto fraco.
Verdade que o "efeito Temer" — o vice do PMDB, hoje MDB, que foi eleito e conspirou contra Dilma Rousseff (PT) — deveria dar ao coadjuvante da chapa ao menos parte das atenções que os eleitores nos EUA dão a quem vem na sequência da linha sucessória.
Kamala Harris, senadora negra filha de mãe indiana-americana e pai jamaicano, por exemplo, virou estrela da campanha vitoriosa de Joe Biden e uma ponte com um público que o democrata não alcançava.
Por aqui, onde o discreto vice-presidente Marco Maciel chegou a ser retratado em charges como cabide do presidente Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990, justiça seja feita, o vice de Covas não é o primeiro nem será o último a assumir figurino meramente ilustrativo nos santinhos de uma campanha que não explorou a imagem nem de Doria nem de outros caciques aliados.
Faltou combinar com o próprio candidato, que "pegou ar" faltando poucos dias para a votação e passou o recibo em sua propaganda ao dizer que o adversário fala de seu vice e de seu antecessor porque não tem planos para São Paulo.
Era tarde.
Covas poderia ter ao menos escondido a irritação. Agora, vai ter de lidar com o bullying promovido pelos rivais e simpatizantes dos rivais se quiser se livrar do apelido indesejado. Só quem foi aluno um dia sabe que a pecha de fujão, ou apelão, é quase uma pena de prisão perpétua.
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