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População mundial alcança a marca de 7 bilhões em 2011 e preocupa especialistas

Serge Schmemann

21/12/2011 06h00

Em 1910 a população mundial era de 1,6 bilhão. Em outubro passado chegou a 7 bilhões, e um recente relatório da ONU projetou que alcançará 9,3 bilhões na metade deste século e mais de 10 bilhões no final dele. Há muita discussão sobre o número limite, mas é difícil negar que a maioria dos grandes desafios que nós e nosso planeta enfrentamos - aquecimento global, biodiversidade, energia, alimento e água, migração, desenvolvimento, guerra, paz - derivam todos em certa medida do enorme crescimento populacional ocorrido no último século.

Serge Schmemann, editor da página de editoriais do "International Herald Tribune", convidou três pessoas que pensaram e escreveram extensamente sobre essa questão para conversar a esse respeito: Hania Zlotnik, cidadã do México, é diretora da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU; Chandran Nair é fundador do Instituto Global para o Amanhã, um grupo de pensadores independente com fins lucrativos baseado em Hong Kong, e autor de "Consumptionomics: Asia’s Role in Reshaping Capitalism and Saving the Planet" [Consumonomia: O papel da Ásia em reformular o capitalismo e salvar o planeta]; Fred Pearce é um escritor científico britânico, autor de "Peoplequake: Mass Migration, Ageing Nations and the Coming Population Crash" [Terremoto populacional: Migração em massa, envelhecimento das nações e o próximo choque populacional].

Leia abaixo a conversa dos três.

Serge Schmemann:Hania, como alguém que passa todo o tempo estudando números de população, quanto nós realmente sabemos? O quanto podemos realmente dizer sobre como será o mundo em 2100? Quão temerosos devemos ser?

  • Chandran Nair é fundador do Instituto Global para o Amanhã

Hania Zlotnik: Certamente não temos muita certeza sobre o que acontecerá em 2100. O motivo pelo qual fazemos projeções para o final do século é que os pesquisadores que estudam o possível impacto do crescimento populacional sobre outras questões usam cenários e simulações que exigem a inserção de dados até 2100, e porque queremos alertar as comunidades científicas e política de que para que o tamanho da população continue dentro de âmbitos razoáveis ainda há muito a ser feito.

Hoje há uma probabilidade razoável de que a população em 2100 seja ainda maior que os 10 bilhões projetados na variante média das projeções da ONU. As projeções da ONU se baseiam em uma suposição chave: que a fertilidade declinará na maior parte das regiões do mundo. Na década de 1970 previmos que a fertilidade declinaria primeiramente e de modo significativo na Ásia e na América Latina, mas que diminuiria mais tarde na África. Essas previsões geralmente se realizaram. A questão que temos hoje é se a África experimentará em breve o declínio razoavelmente rápido de fertilidade que as outras regiões experimentaram. Caso contrário, os futuros aumentos de população poderão acabar sendo maiores que as projeções citadas.

Schmemann: Chandran, em seus artigos e seu livro você diz que em 2050 a Ásia terá 60% da população global, enquanto o Ocidente terá menos de 10%. Mas você parece ver isto principalmente como uma questão econômica: os asiáticos podem ou devem querer consumir como os americanos? Sua resposta foi um retumbante, não? Mas em qualquer lugar que se olhe na Ásia parece que os asiáticos desejam consumir como americanos e que ninguém está lhes dizendo que não devem fazer isso. É realista pensar que se pode mudar o comportamento das pessoas através de um governo forte ou quaisquer outros meios que você propõe?

  • Hania Zlotnik é diretora da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU

Chandran Nair: A população vai atingir 9 ou 10 bilhões em 2050, apesar dos melhores esforços do mundo. E ouvimos pessoas dizerem que não haverá o suficiente para viver. Não, não haverá o suficiente para viver - se a Ásia continuar adotando o atual modelo econômico voltado para o consumo. É um modelo que precisa de três grandes ajustes: primeiro, deve aceitar limites para o crescimento devido a restrições de recursos; segundo, os recursos precisam ter preços que reflitam seu verdadeiro custo; e terceiro, a economia precisa ser subserviente à manutenção da vitalidade da base de recursos, e não o contrário, como acontece hoje.

Cinco bilhões de asiáticos consumindo como americanos não é apenas uma ideia muito ruim, seria catastrófico. Se a China, a Índia e outros países em desenvolvimento alcançarem os níveis americanos de propriedade de carros, em quatro décadas poderá haver 3 bilhões de carros no mundo - quatro vezes mais que o total hoje! O que faremos a esse respeito? Vamos precisar de regras draconianas para restringir certos tipos de consumo. Essa narrativa não é aceita no Ocidente, porque exige uma grande intervenção política, que se choca com o capitalismo liberal e os sistemas democráticos ocidentais.

Estou tentando defender uma ideia que foi tabu, de que nesta parte do mundo, que terá 60% da população mundial, teremos de rejeitar os modelos econômicos ocidentais voltados para o consumo. Isso é possível? É a única maneira de avançar do ponto em que estamos.

Schmemann: Fred, você parece ir ainda mais longe ao rejeitar o pensamento mais comum sobre o crescimento populacional. Você disse que é um mito que esse crescimento é uma força propulsora que levará à ruína do planeta. Não há nada a temer exceto o excesso de consumo e a hipocrisia ocidental? Com 7 bilhões já não estamos em uma zona de perigo?

 

  • Fred Pearce é um escritor científico britânico, autor de "Peoplequake: Mass Migration, Ageing Nations and the Coming Population Crash"

Fred Pearce: Estamos em uma zona de perigo, dados nossos padrões de consumo e o modo como produzimos o que consumimos. Nas décadas de 1960 e 70, quando Paul Ehrlich escreveu seu célebre livro "A Bomba Populacional", podíamos racionalmente dizer que o aumento da população humana estava diretamente conduzindo a maior parte das ameaças ambientais ao planeta. Isso não é realmente verdadeiro hoje, e podemos ver um pico na população como uma perspectiva - não uma certeza, mas uma perspectiva realista - dentro de algumas décadas, diante das quedas muito rápidas das taxas de fertilidade que temos visto em todo o mundo.

 

Mas nossa discussão sobre a população realmente não mudou. Com frequência falamos em termos apocalípticos sobre o crescimento da população. Na realidade, nos últimos 40 ou 50 anos as taxas de fertilidade em todo o mundo caíram pela metade. A taxa de fertilidade média é de 2,5 filhos por mulher, o que está chegando muito perto do nível de substituição que, na média global, é de cerca de 2,3.

Reduzimos pela metade a taxa de fertilidade em pouco mais de uma geração. Esta é uma conquista extraordinária, e as taxas continuam caindo. Em grande parte da Ásia hoje elas estão bem abaixo dos níveis de substituição. Se a África - que tem níveis muito mais altos hoje - seguir esse caminho, podemos esperar que a população atinja o pico em cerca de 9 bilhões. Mas em última instância realmente não sabemos.

Ehrlich concluiu na década de 1960 que bilhões de pessoas morreriam de fome até os anos 80. Bem, isso não aconteceu, e o motivo é que duplicamos a produção de alimentos. Assim, podemos sobreviver a mudanças demográficas maciças. Se hoje podemos ver se aproximar o pico da população, acho que teremos uma chance razoável de encontrar uma maneira de superar nossos problemas ambientais e de recursos realmente grandes.

Acho que estamos desativando a bomba populacional, mas não começamos realmente a desativar a bomba do consumo, e é essa que afinal nos ameaça.

Nair: Muitas vezes me perguntam: como você vai dizer às populações asiáticas para restringir seu consumo? Bem, existe um imperativo muito importante para que os governos asiáticos façam isso rapidamente. Se não o fizerem, teremos lacunas muito maiores entre os ricos e os despossuídos, e então grandes distúrbios sociais, porque os despossuídos serão a vasta maioria enquanto a base de recursos se esgota.

Zlotnik: Concordo que os principais problemas de hoje têm a ver com como estamos produzindo e como consumimos, porque, como esses dois senhores comentaram, o "problema" populacional já está solucionado mais que pela metade.

Mas não está totalmente resolvido. Pensamos 20 anos atrás que os países da África, e também vários países da Ásia e alguns da América Latina - que ainda têm alta fertilidade - veriam suas taxas cair tão rapidamente quanto em outros países. Mas o declínio que eles experimentaram até agora é mais lento do que se esperava.

Mais que isso, estamos ouvindo com maior frequência dos governos de países de alta fertilidade, especialmente da África, que seus países precisam de uma população maior para ter o mercado de tamanho necessário para incentivar o desenvolvimento. Nesses países ainda há pouco reconhecimento de que o maior crescimento populacional está associado a rendas per capita menores, e que os mercados também podem crescer aumentando as rendas e os padrões de vida, uma tarefa que é mais fácil quando o ritmo do crescimento populacional diminui.

 

É verdade, não se pode ser tão alarmista quanto foi Paul Ehrlich nos anos 60 quando ele falou sobre a "bomba populacional". No entanto, devemos reconhecer que o aumento da população mundial foi muito marcado. Ela quase triplicou desde 1950. E, como há uma considerável incerteza ao redor dos futuros níveis de fertilidade, o crescimento da população rápido e continuado ainda não está totalmente fora do reino das possibilidades.

Schmemann:O fato de você se concentrar na África, de a África ser identificada como a região com problemas não resolvidos, não alimenta a impressão no mundo em desenvolvimento de que qualquer discussão sobre excesso de população é injusta e até racista? Ou, se a discussão é sobre consumo, por que os asiáticos, africanos ou latino-americanos deveriam reduzir seus anseios se o Ocidente desenvolvido não o faz?

Zlotnik: Não é apenas o "Ocidente" pregando sobre números de pessoas. Um argumento crucial para reduzir o crescimento da população é que o declínio da fertilidade tem grandes vantagens para as mulheres e crianças. É melhor para as mulheres terem menos filhos, porque os riscos de morrer ou sofrer sérios efeitos colaterais da gravidez são reduzidos. Também é bom para as mulheres e seus filhos aumentar o intervalo entre as gestações. Existe forte evidência de que quando as crianças nascem muito seguidamente, seus riscos de morrer são maiores. Quando as pessoas têm menos filhos podem investir mais em cada um deles.

Deixe-me notar que não me considero "ocidental". Venho de um país em desenvolvimento, o México, e não vejo a ONU como parte do Ocidente. Nossa tarefa na ONU é fornecer aos governos informação idônea e objetiva para orientar suas políticas. Além disso, o Ocidente não manteve uma posição coerente com relação à população. Por exemplo, os EUA sob alguns governos reduziram o apoio multilateral ao planejamento familiar e favoreceram a abstinência aos métodos modernos de contracepção em países que recebem sua ajuda.

Nair: Eu acho que precisamos ir além dos debates politicamente corretos, que sugerem que porque algumas agências de ajuda ocidentais estão dizendo aos africanos sobre a necessidade de controle populacional devem ser racistas. Isso tudo é uma posição pós-colonial do século 20 e não é muito construtivo. Eu não acho que alguém na Ásia pense que se há uma discussão na Índia, por exemplo, sobre reduzir o tamanho das famílias, alguém vai acusá-lo de ser racista.

Eu quero voltar ao ponto que você defendeu sobre o Ocidente reduzir seu consumo. Eu acredito que o Ocidente não pode reduzir seu nível de consumo porque seus sistemas políticos são fracos, e porque a experiência ocidental do último século foi de emancipação. Espero que o Ocidente possa, mas o resto do mundo não deveria segurar a respiração. Aí está o dilema. Os sistemas democráticos ocidentais podem moldar as duras decisões políticas em longo prazo? Eu não acho que podem.

Nesta parte do mundo, na Ásia, os governos precisam rejeitar a ideia promovida pelo capitalismo ocidental de que podemos aspirar a ter tudo, porque a maioria é despossuída e isso simplesmente não é possível. Não se trata do direito a ter um carro, mas do direito básico a viver, e os governos nessa parte do mundo deveriam fazer dessas formas de consumo uma prioridade - garantir alimentação, água e saneamento seguros, habitação, saúde pública, educação - a que a maioria não tem acesso.

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Schmemann: Fred, qual é o papel do Ocidente? Estamos presos em um sistema de consumo? Estamos em posição de ensinar a alguém?

Pearce: Parte do problema nesse debate é que o Ocidente parece despreparado para aceitar que seus padrões de consumo são o grande problema. Ainda está muito inclinado a apontar o dedo aos africanos ou ao Oriente Médio, quando o problema está muito mais perto dele. Esse é um problema que os ocidentais - e aqui eu falo muito como um ocidental - precisam enfrentar.

É bem verdade que em partes da África, particularmente na África rural, o tamanho das famílias ainda é muito grande. As pessoas ainda têm cinco ou seis filhos; elas fazem isso porque se você é um agricultor africano os filhos são extremamente úteis desde tenra idade. Eles também são uma espécie de plano de aposentadoria para os velhos.

Mas veja o que acontece quando as pessoas se mudam para as cidades. Muitas vezes pensamos nas megacidades como símbolos da superpopulação mundial, mas na verdade a urbanização faz parte da solução do problema, porque assim que as pessoas se mudam para as cidades os filhos deixam de ser um ativo econômico. Tornam-se uma obrigação econômica - ou de qualquer modo um problema. Eles precisam ser educados, o que pode ser caro, antes que possam ter um trabalho remunerado.

Penso que conforme a África se urbanizar as taxas de fertilidade começarão a cair. Por isso talvez eu seja mais esperançoso que Hania sobre como a África vai atuar. As economias da África começaram a crescer muito depressa - algumas delas, pelo menos. A urbanização certamente está acontecendo bastante depressa. Isso cria seus próprios problemas, mas não significa que os índices de fertilidade vão começar a baixar na África tão depressa nas próximas décadas.

Schmemann: Quando eu leio sobre a população global, tenho a sensação de que há muitas boas análises; nós compreendemos os problemas e até sabemos as soluções. Ao mesmo tempo, assim como com a mudança climática, na realidade se faz muito pouco.

Talvez o tão malfalado Malthus estivesse certo de que existe um processo de autonivelamento em ação - se houver excesso de população, ela passará fome. Na África, nesta etapa, as pessoas precisam de mais filhos, e terão mais filhos. Quando elas se mudarem para as cidades, terão menos filhos. E esse não é um processo que pode ser gerido ou regulado. Você pode acrescentar uma dose de educação. Pode dar conselhos sobre contracepção, a menos que os americanos o impeçam, mas afinal todo o processo é autocontrolado, realmente há pouco que se possa fazer de fora.

Nair: Eu me recuso a aceitar que não podemos fazer nada sobre a população. Devemos fazer tudo o que pudermos, e muito está sendo feito. Mas apesar de nossos esforços os números ainda vão chegar a 9 ou 10 bilhões, talvez até mais. Precisamos construir instituições ao redor do que será o século 21, diante das restrições de recursos. É aí que estamos falhando, e não acho que qualquer direito humano esteja sendo infringido se a propriedade de carros, por exemplo, for restringida para permitir que a energia e outros recursos sejam usados para suprir necessidades básicas.

Zlotnik: Chandran está afirmando que é importante mudar as instituições para conseguir mais equidade. Eu acho que a principal linha de ataque é começar a pensar na produção de alimentos, que são a base da vida. Neste momento há muito alimento produzido que não é necessariamente usado para alimentar pessoas. Uma das ações mais imediatas que um governo poderia tomar é distribuir melhor o alimento disponível.

Um problema que enfrentamos, por exemplo, é que quando as pessoas enriquecem podem comprar mais carne. Mas criar gado para carne não é um uso mais eficiente ou equitativo - ou necessariamente saudável - dos cereais e outros recursos agrícolas. Precisamos começar a pensar em termos do que precisa mudar para que as pessoas aumentem seu bem-estar, consumam o que devem consumir e não consumam em excesso, e conseguir uma distribuição mais equitativa do alimento disponível. Esta é uma das intervenções mais imediatas que um governo pode fazer para um futuro melhor.

Pearce: Eu concordo totalmente. Em termos simples, hoje já produzimos no mundo alimento suficiente para 10 bilhões de pessoas - a população que poderíamos esperar até o final do século. O problema é que quase a metade dos grãos que produzimos não é usada para alimentar pessoas. Ou ela vai para o gado - que é uma maneira muito ineficiente de alimentar pessoas - ou para produzir biocombustíveis. Nós também desperdiçamos uma quantidade enorme de comida. E também usamos muita terra agrícola para plantar colheitas não alimentares, como algodão, borracha e várias outras coisas.

Por isso, em certo sentido alimentar 10 bilhões de pessoas no planeta em um nível razoável de nutrição não é extremamente difícil. Já estamos produzindo alimento suficiente, mas temos problemas com o desperdício, jogando fora os restos da mesa, ou o desperdício em armazéns em partes do mundo onde eles simplesmente apodrecem antes de chegar ao mercado. Em vez de criticar outros países que ainda estão aumentando sua população, parece-me que a melhor maneira de avançar é dar alguns passos realmente práticos para utilizar melhor os recursos que temos.

Schmemann: Eu gostaria de mergulhar mais fundo na ideia de que os governos devem tomar medidas fortes, na Ásia ou em outros lugares. Quando a China tinha um governo todo-poderoso lançou a campanha do filho único, que todo mundo hoje parece pensar que foi um desastre de direitos humanos. Ou lemos que na Índia e também em outros lugares a tecnologia moderna levou à matança generalizada de fetos femininos.

Pearce: Sim, existem essas questões. Na verdade, em seus próprios termos - não em termos de direitos humanos -, a política chinesa de filho único foi mais bem-sucedida do que o próprio governo chinês afirma. Todas as evidências do censo são de que as taxas de fertilidade na China realmente caíram hoje para cerca de 1,2 ou 1,3 - quase o nível desejado. Foi quase bem-sucedida demais, porque a população chinesa vai atingir o pico muito em breve e está envelhecendo muito depressa, e o envelhecimento será um grande problema nas próximas décadas.

Quanto aos abortos seletivos de sexo, é um grande problema na China e na Índia, e também em outras partes da Ásia, embora não necessariamente ligado às restrições do Estado quanto ao tamanho das famílias. A mulher média na Índia hoje tem cerca de 2,8 filhos; isso é a metade do que sua mãe tinha 30 anos atrás, e os números continuam caindo. No entanto, minha compreensão é que em grande parte da Ásia ainda há um desejo muito forte de garantir que se tenha um filho homem. E se você ainda não tem um, há uma tentação muito grande - na verdade nas classes médias que têm acesso a serviços particulares de ultrassom - de praticar abortos seletivos quanto ao sexo.

Mas isso não vai necessariamente continuar. A Coreia do Sul é um exemplo interessante, onde essa foi uma grande questão 20 ou 30 anos atrás, mas com as mudanças culturais a pressão para ter um filho homem parece estar desaparecendo, de modo que o aborto seletivo diminuiu muito. Eu concordaria com você que é uma consequência imprevista da diminuição do tamanho das famílias, mas podemos esperar que seja uma fase transitória.

Nair: Podemos discutir se a China teve sucesso ou não no controle de sua população e suas consequências, mas é o único país que experimentou isso. Nenhum outro pode. Os governos não precisam intervir diretamente no tamanho das famílias, mas devem intervir no que as pessoas podem e não podem consumir, especialmente nas áreas urbanas, a começar por coisas como a propriedade de carros, o uso da energia e o desperdício de alimentos. O governo chinês já começou a intervir na propriedade de carros em Pequim.

Schmemann: Fred disse que a China também é um exemplo potencial de uma população que declina com demasiada precipitação. Esse pode ser um perigo também em outros lugares?

Pearce: Sim, estamos começando a pensar nessas questões na Europa hoje. Os índices de dependência estão mudando muito depressa - mais notadamente na Itália, mas também em outros lugares. Algumas pessoas acreditam que o envelhecimento muito em breve vai encerrar a revolução econômica na China, simplesmente porque, conforme a população envelhece, diminui o dinamismo de uma população predominantemente adulta e jovem.

Em todas as economias tigres da Ásia, do Japão à Coreia passando por Taiwan, Tailândia e hoje a China, e talvez a Índia no futuro, os grandes surtos econômicos aconteceram quando elas tinham uma proporção muito grande da população de jovens adultos, combinada com uma porcentagem muito pequena de velhos e um número muito pequeno de pessoas muito jovens. Por isso se pode esperar que conforme as sociedades envelhecem elas percam esse dinamismo econômico.

Quando dou palestras, muitas vezes termino com um slide que diz apenas "mais velho, mais sábio, mais verde". Esse é o meu resumo de onde, em uma visão otimista, penso que poderemos terminar o século 21. Se pudermos usar a sabedoria das pessoas mais velhas para também nos tornarmos mais verdes, então teremos alguma esperança de solucionar alguns desses problemas.

Schmemann: Bem, eu estou a um terço do caminho. Eu apenas preciso trabalhar nas partes "mais sábio" e "mais verde". Hania, você acha que existe um risco de que a população possa despencar precipitadamente demais?

Zlotnik: Eu não considero esse risco muito provável neste momento, embora exista uma variante de projeção (a variante baixa) que produz uma população em 2100 de tamanho semelhante à do início deste século. O problema é que se uma população mantém a baixa fertilidade por muito tempo o declínio exponencial da população acaba se acelerando.

Um grande componente do atual crescimento populacional é resultado do momento da população - isto é, deriva do fato de que há um número relativamente grande de pais ou pais potenciais. Para frear esse momento, é necessário que a fertilidade caia abaixo dos níveis de substituição em todo lugar, e, como diz Fred, o declínio da fertilidade para um nível abaixo do de substituição nos países em desenvolvimento foi e deve continuar sendo mais rápido do que foi no mundo desenvolvido.

Essas tendências implicam que a população do mundo em desenvolvimento vai envelhecer muito mais depressa que ocorreu com a população do mundo desenvolvido e, consequentemente, os países em desenvolvimento terão de se adaptar a uma população mais velha durante um período mais curto. Os países desenvolvidos tiveram cerca de 130 anos, com um "baby boom" no meio do período, para se adaptar a uma população mais velha. Os países em desenvolvimento terão de se adaptar durante a metade desse tempo.

Nair: Os próximos 30 anos serão críticos, e é por isso que essa questão do consumo e do crescente senso global de direito e privilégio precisa ser abordado de maneira muito decisiva e crítica pelos governos. Bilhões de pessoas na Ásia não podem pretender ter mais, porque não temos tempo para que isso se corrija. Voltamos à questão de como planejamos viver em uma base de recursos restrita, e isso vai exigir que instituições estatais muito fortes comecem a ditar - eu uso essa palavra de forma muito deliberada - como criamos uma nova sociedade em torno de proteger esses recursos contendo o consumo excessivo.

Pearce: Em minha visão otimista, penso que enquanto envelhecemos como sociedade podemos nos tornar menos consumistas, menos preocupados com o crescimento econômico, mais preocupados com o bem-estar e a felicidade e em viver de modo ambientalmente sustentável. Acho que o fim do crescimento populacional nos dará a chance de solucionar os problemas ambientais, os problemas de recursos, sem o constante temor de que qualquer coisa que façamos será superada pelo crescimento populacional. Temos a oportunidade de pensar: "Vejam, essas coisas estão em nossas mãos". Com boa governança, do tipo de que Chandran fala com muita convicção, podemos acertar, mesmo hoje.

Zlotnick: Eu concordo. A probabilidade de atingirmos uma população estável é muito maior hoje do que 50 anos atrás. As populações cresceram enormemente e, no entanto, o mundo não desmoronou, embora, como diz Chandran, não pagamos por tudo o que usamos. O pagamento terá de ser feito pelas futuras gerações, e é importante que as mudanças no crescimento populacional alcançadas até agora continuem na mesma direção para que os jovens de hoje e do futuro tenham mais graus de liberdade para abordar os problemas que vão enfrentar.

Schmemann: Obrigado a todos.