Eles precisam limpar a casa deles antes de falar do planeta, reclama moradora do Rio
Quinhentos metros separam o Riocentro, quartel-general das negociações mundiais sobre o desenvolvimento sustentável, da pequena favela da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro. Mas para seus moradores, essa reunião "para ricos" parece bem distante
Ela prepara um chá com as pétalas de rosa que colheu no jardim de sua casa. Com um tom calmo, Inalva Mendes Brito fala sobre as lembranças desse passado feliz, nos anos 1980, quando ela veio para a Vila Autódromo, uma pequena favela situada à beira do lago Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, construir sua casa com um grupo de amigos.
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Uma época em que, por vários anos, ela conseguiu viver da pesca e da troca de frutas e legumes. "Desde então, tudo foi destruído pela poluição, as águas foram infestadas pelas indústrias químicas dos arredores, e os peixes foram exterminados", ela suspira.
Aos 65 anos de idade, essa professora de português se tornou uma das líderes da comunidade, uma das que entraram na batalha contra as imobiliárias e indústrias pouco escrupulosas em relação ao meio ambiente. "Imagine só", ela diz, com uma ponta de ironia, "hoje temos ali em frente à nossa casa a cúpula Rio+20, que pretende debater sobre o desenvolvimento sustentável".
Cerca de 500 metros separam a Vila Autódromo do moderno complexo do Riocentro, principal polo da conferência da ONU. Dois mundos tão próximos e tão distantes, separados pela avenida Salvador Allende e pelo braço fétido de um rio esbranquiçado que desemboca no lago. Com esse cheiro infecto que Inalva, assim como Robson, já nem sente mais.
Esse jovem de 29 anos, que trabalha como vendedor em um supermercado por R$ 600 reais ao mês e ocasionalmente como jardineiro, diz querer contribuir para a melhoria do meio ambiente. "Mas não tenho meios para isso", diz. Robson, que vive só com sua mãe, não possui fossa séptica, somente uma conexão bamba com os dutos de águas municipais para a torneira e para a ducha.
"O desenvolvimento sustentável é uma ideia bonita, mas ela me parece ser somente para os ricos. Para eles, não passamos de um obstáculo ao seu desenvolvimento econômico. A ecologia é só um pretexto".
Na Vila Autódromo, assim como na maioria das comunidades, as reivindicações são defendidas pela associação de moradores.
Desde os anos 1990, ela vem lutando para evitar as tentativas de despejo que se tornaram cada vez mais frequentes em razão da especulação imobiliária. A pressão subiu um pouco mais, pois o Rio receberá os Jogos Olímpicos em 2016. As autoridades previram a criação do parque olímpico no lugar do antigo circuito do Grande Prêmio automobilístico situado à beira da favela. "Eles alegaram que não estávamos respeitando as normas ambientais ou ainda que era necessário um espaço de segurança para as personalidades esportivas... Todos os argumentos passaram por ali, sendo que metade das 700 famílias da comunidade possui certidões de propriedade", ressalta Inalva.
A Vila Autódromo, que é um mosaico de casas de tijolos e de chapa ondulada, mas também de moradias de alvenaria, à beira do lago, onde a classe média acabou indo morar, possui quase 4.000 habitantes. Eles divulgaram sua luta na internet, através de vídeos de seus encontros tensos com as autoridades.
Apoiados por associações, advogados e professores universitários, por diversas vezes eles apelaram a instâncias judiciárias para suspender os processos de despejo. Em vão, até o momento. Um projeto divulgado em dezembro de 2011, idealizado por urbanistas e que prevê um sistema de saneamento de águas, não teve continuidade. "Como vocês querem que a gente se identifique com a Rio+20? O que precisamos é de um teto e sobreviver", diz Leonardo, 25, que está desempregado. Ailda, sentada diante da entrada de uma das sete igrejas evangélicas locais, concorda: "Seria melhor se eles limpassem a casa deles antes de falar do planeta".
Extinção total dos peixes
Mais adiante, perto da entrada do bairro onde os muros exaltavam a glória do Partido dos Trabalhadores (PT), no poder desde 2003, Altair Guimarães, presidente da associação dos moradores, reúne os dossiês em sua escrivaninha, em plena decomposição. "Como falar em desenvolvimento sustentável quando na região não temos nem mesmo redes de esgoto? Até as construções recentes, esses condomínios gigantes instalados em torno do lago, não respeitam as novas regulamentações ambientais".
Atrás, o campo de futebol cercado por grades está totalmente vazio. A esta hora da tarde, os mais jovens preferem jogar em seus computadores colocados do lado de fora, em frente ao lago. Somente a pequena padaria do bairro se anima com um grupo de motoristas da Rio+20 que vem buscar algo mais barato para comer. No canto, Josefa Oliveira, de 50 e poucos anos, cuida de seus dois clientes. Essa ex-pescadora, filha de pescador, que virou dona de bar, conta que faz dez anos que os peixes foram completamente extintos do lago. Um período, segundo ela, em que todos os pescadores ficaram doentes do fígado ou do estômago.
"Nunca tive tempo nem coragem para me engajar contra os poluidores", ela diz. "Isso é trabalho para os políticos!". Nesta quarta-feira (20), uma marcha de apoio deverá ocorrer na Vila Autódromo. Josefa Oliveira não sabe se vai comparecer. Ela se sente cansada.
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