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Pesadelos de veteranos do Vietnã podem desvendar ligação com Alzheimer

Foto tirada por Don McCullin em 1968 de um soldado da Marinha que teve traumas após a Guerra do Vietnã - Don McCullin
Foto tirada por Don McCullin em 1968 de um soldado da Marinha que teve traumas após a Guerra do Vietnã Imagem: Don McCullin

Jason Gale

Da Bloomberg

11/05/2015 12h13

David Hay estava quase sem munição quando uma granada-foguete explodiu na torre de seu tanque Centurion no seringal da aldeia de Binh Ba, no Vietnã, espalhando estilhaços pelo corpo do operador de rádio de 21 anos.

Isso foi há 46 anos e, embora as feridas na carne tenham fechado semanas depois, Hay teve pesadelos e crises de depressão durante décadas. Agora, ele e centenas de outros veteranos da Guerra do Vietnã estão ajudando os médicos a tentarem traçar caminhos no cérebro que possam conectar o trauma que eles sofreram ao desenvolvimento, no fim da vida, de uma das doenças mais debilitantes e de mais rápido crescimento no mundo: o mal de Alzheimer.

Durante décadas, as condições que provocam algum tipo de demência, como o Alzheimer, foram um mistério e essas doenças podiam ser diagnosticadas com segurança somente após a morte. Com o desenvolvimento de avançados escâneres para tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês), combinado a novos corantes traçantes, os médicos podem, agora, seguir rotas biológicas sutis no cérebro e no fluido espinhal. Isso pode explicar como e por que traumas físicos e psicológicos de guerra podem dobrar o risco dessas condições.

"Os veteranos do Vietnã estão chegando a uma idade, agora, em que deveríamos estar encontrando mudanças nas pessoas que desenvolverão o Alzheimer", disse Christopher Rowe, diretor de pesquisa de imagem molecular no Hospital Austin, em Melbourne, que dirige o braço australiano da pesquisa.

Lesões no futebol americano

As descobertas oferecerão pistas a respeito do que provoca a demência, uma doença cujo número de casos dobrará a cada 20 anos, segundo projeções. Essas descobertas podem lançar luz sobre efeitos de longo prazo de agressões no cérebro — sejam causadas por uma batalha, por um acidente de carro ou sofridas em uma partida de futebol americano, disse Michael Weiner, professor de Radiologia da Faculdade de Medicina de San Francisco, da Universidade da Califórnia, que lidera o estudo.

"Sabe-se há muito tempo que existe uma associação entre lesões na cabeça e o mal de Alzheimer", disse Weiner. "Mas não foi feito nenhum estudo com biomarcadores para estabelecer o risco."

Cerca de 2% dos americanos vivem com deficiências causadas por uma lesão cerebral traumática, o que totaliza US$ 77 bilhões em custos, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. O fator foi associado a cerca de 2,5 milhões de visitas a departamentos de emergência, hospitalizações ou mortes nos EUA em 2010.

O novo estudo, financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA, está buscando sinais precoces da doença em veteranos saudáveis que, como Hay, experimentaram transtorno de estresse pós-traumático e também naqueles que sofreram uma lesão cerebral física. As informações são comparadas com os resultados de veteranos que não tiveram nenhuma forma de lesão. Cerca de 125 homens se inscreveram até agora — aproximadamente um quarto do número procurado nos EUA, no Canadá e na Austrália.

Ferramentas de diagnóstico

Os testes são um sinal da crescente demanda nos países desenvolvidos por equipamentos e técnicas médicas avançadas que possam diagnosticar enfermidades antes que elas se tornem difíceis de tratar. O negócio da saúde é o segundo mais lucrativo das oito divisões industriais da Siemens AG, com sede em Munique, uma das três principais fabricantes mundiais dos escâneres de PET.

O estudo é, também, uma nova avenida para os líquidos radioativos produzidos pela General Electric Co., pela Eli Lilly Co. e pela Piramal Enterprises Ltd. que são injetados nas veias e viajam pela corrente sanguínea até o cérebro. Esses líquidos ajudam a iluminar, no escâner, os depósitos de uma proteína chamada beta-amiloide, que pode alertar os médicos décadas antes de a demência ocorrer.

Ao entender a gênese da doença, os médicos esperam poder preveni-la ou pelo menos desacelerar seu avanço. Os resultados anunciados em março a respeito da droga experimental da Biogen Inc. contra o Alzheimer oferecem a melhor evidência, até o momento, de que a doença que provoca a perda de memória é provocada pela beta-amiloide.

Estudos em curso com candidatos a medicamentos produzidos pela Eli Lilly e pela Roche Holding AG estão testando se é possível interromper a demência em pessoas saudáveis com uma mutação genética herdada que cause o Alzheimer e cujos escaneamentos com PET revelem sinais precoces da doença.