Egolatria ou justiça histórica? Conheça o museu que Evo Morales criou em homenagem a si mesmo
O presidente da Bolívia, Evo Morales, viveu um momento de forte emoção neste mês. Em visita ao distrito de Orinoca, onde nasceu, o líder inaugurou o Museu da Revolução Democrática e Cultural, o maior do país, tributo aos heróis indígenas da Bolívia desde o período pré-colombiano. Entre os diversos personagens da história do país, o que recebe o maior destaque nos 10 mil m² da obra é o próprio presidente, que tem uma seção inteira do museu em sua homenagem.
Mas, se para o presidente e sua base aliada o edifício é motivo de comemoração, para a oposição e parte da opinião pública local, a obra é um exemplo de mau uso do dinheiro público e de utilização do Estado para propaganda política.
Inaugurado em 2 de fevereiro, o museu custou aos cofres públicos US$ 7 milhões (o equivalente a R$ 21,65 milhões) e foi encomendado pelo próprio governo de Morales em 2006, seu primeiro ano de governo.
No acervo, constam mais de 13 mil presentes que o presidente ganhou em seus três mandatos. Ao todo, segundo o jornal boliviano "La Razón", o acervo do local seria composto por 100 mil peças.
Em uma das salas, por exemplo, o visitante é apresentado a uma linha do tempo que enumera os heróis da Bolívia “de Túpac Katari [líder de uma das principais revoltas contra a colonização espanhola na Bolívia, no século 18] a Evo Morales”, sem fazer menção a presidentes anteriores.
Morales ainda tem uma seção inteira do museu dedicada a apresentar aos visitantes a história de sua vida.
Entre as atrações do local também estão ao menos duas esculturas do presidente (uma delas em tamanho natural), uma sala de retratos de Evo pintadas por diferentes artistas e um espaço com fotos dele com outros líderes mundiais, como Cristina Kirchner, Fidel Castro, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Pepe Mujica e Lula.
Há, ainda, um mapa-múndi - que ocupa uma parede inteira - ilustrando a origem dos presentes recebidos por Morales em 11 anos de governo por país.
Para a oposição boliviana, a obra é tida como um projeto faraônico de culto à personalidade do presidente. O senador Oscar Ortiz Antelo, secretário-geral do principal partido de oposição a Morales, o Democratas (de centro-direita), afirma que o local é “o museu ao ego, só se explica pelo fomento do culto ao caudilho. É um tipo de adoração à personalidade que só se encontra em regimes autoritários”.
Segundo Ortiz, o acervo do espaço carece de valor histórico real. “Em 11 anos no poder, Morales só construiu esse museu, sendo que temos na Bolívia exemplos de patrimônios históricos e culturais muito ricos que não têm um espaço com essas características."
Ele menciona, como exemplo, o sítio arqueológico do forte de Samaipata, declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1998.
O senador critica, ainda, o valor gasto na obra em Orinoca, uma localidade de 3 mil habitantes. "Com US$ 7 milhões era possível construir uma casa popular para cada família dali”, afirma.
Na visão do analista político Gustavo Pedraza, ex-ministro do Desenvolvimento Sustentável da Bolívia entre 2004 e 2005 (no governo de Calos Mesa, antecessor e opositor de Morales), a construção não é o único caso em que a veneração ao presidente atual é promovida pelo Estado.
Como exemplo, ele cita o fato de a casa em que Evo nasceu, também localizada em Orinoca, ter sido declarada como monumento histórico do país por seu governo em 2006.
“Há também casos de livros escolares que contêm elogios ao presidente, e o Ministério das Comunicações também produziu uma radionovela sobre a vida dele”, conta.
Segundo Pedraza, o fato de iniciativas desse tipo serem promovidas pelo próprio presidente são um agravante e debilitam a institucionalidade do país. “Enquanto em outros países há leis proibindo esse tipo de homenagens aos presidentes, aqui é o próprio mandatário que as induz."
A voz mais radical contra a construção do espaço em Orinoca foi a do deputado Bernard Gutiérrez, do partido opositor Unidade Democrática. Em declarações à imprensa boliviana, ele defendeu o fechamento do museu em um eventual futuro governo da oposição.
Defesa da construção
Evo Morales tem respondido às críticas ao espaço afirmando que seus opositores “querem apagar nossa memória e nossas lutas e queimar nossa história”.
O vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, também defendeu a construção do museu. Em entrevista à Agência Boliviana de Informação, afirmou que “nunca antes se retratou em um museu a história do povo. (...) Este museu é a história própria e viva do povo da Bolívia.”, afirmou à imprensa.
Segundo o deputado David Ramos Mamani, líder da bancada do partido de Morales na Câmara de Deputados, as críticas da oposição são típicas “de quem não conhece a história da Bolívia”.
Para o parlamentar, Evo Morales tem uma importância histórica por ser o primeiro presidente indígena do país. Nesse sentido, o museu “não está dedicado a Evo como pessoa, mas o presidente é a firme evidência da luta de indígenas e camponeses por justiça social”, afirma.
Ao ser questionado pelo UOL sobre por quê presidentes anteriores não tiveram seus acervos expostos no museu, David Ramos defendeu que o local também representa “a revolução cultural e democrática do socialismo comunitário” de Morales e que outros governantes “jamais desenvolveram políticas para os pobres da Bolívia” e, por isso, não mereceram espaço ou menção no local.
Para o cientista político e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Luis Fernando Ayerbe, embora haja excessos de culto a personalidade no governo boliviano, como o tombamento da casa onde nasceu o presidente, as críticas da oposição à construção do museu são infundadas.
“Ele não é um depósito de acervos presidenciais, a parte dos presentes não ocupa todo o acervo”. Para ele, o papel do local seria “resgatar toda a trajetória dos movimentos sociais indígenas antes da colonização”. Nesse sentido, defende, o papel de Morales como primeiro presidente de origem indígena é relevante.
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