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Sem embaixadores e pelo Twitter: qual é a política externa de Trump?

Macron em visita de Estado a Donald Trump - Jonathan Ernst/Reuters
Macron em visita de Estado a Donald Trump Imagem: Jonathan Ernst/Reuters

Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo

25/04/2018 04h02

"Imprevisível" e "descolada da tradição diplomática norte-americana". Quatorze meses após assumir a Casa Branca, essas são as marcas que Donald Trump vem imprimindo à política externa dos Estados Unidos, na opinião de dois especialistas ouvidos pelo UOL.

Apesar das recentes demonstrações de afeto ao presidente francês Emmanuel Macron, que desde a última segunda-feira (23) é recebido na primeira visita de Estado da Era Trump, o estilo do magnata norte-americano nas relações internacionais é, na verdade, bastante insólito.

Trump foi o primeiro presidente dos Estados Unidos desde 1920 a encerrar o primeiro ano de mandato sem sediar uma visita de Estado. Nas embaixadas e representações internacionais, mantém cerca de 30 cadeiras vazias, incluindo posições em países estratégicos. Somam-se a esses aspectos as mudanças bruscas de comportamento do mandatário e o excesso de informações (algumas, precipitadas) divulgadas por ele via redes sociais.

Segundo os especialistas, o cenário que se desenha é instável, mas não surpreende, dado o perfil errático de Trump como um todo. E ainda assim, preocupa.

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“Esse tipo de comportamento impulsivo e contraditório solapa sua credibilidade como líder e torna difícil para outros países entenderem como os EUA de fato se posicionam em questões centrais”, explica James Cameron, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Rodger A. Payne, professor e chefe do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Louisville, vai além: para ele, a política de Trump não só se descola de posicionamentos tradicionais norte-americanos mas, também, de seu próprio gabinete

“A medida que a política externa dos EUA diverge das palavras de Trump, pode-se dizer que é culpa do presidente por falhar em operar de acordo com normas estabelecidas há tempos”, diz.

Abaixo, os dois especialistas das relações internacionais comentam esses e outros aspectos da política de Donald Trump em nível global:

Ausência de embaixadores

Assim que chegou ao Salão Oval, Trump ordenou que todos os embaixadores indicados por seu antecessor, Barack Obama, voltassem aos EUA. E ainda não nomeou substitutos para diversos desses postos, incluindo em países estratégicos para as relações diplomáticas norte-americanas, como Coreia do Sul, Arábia Saudita e Turquia. 

“Embaixadores são olhos e ouvidos de Washington em um país estrangeiro”, explica Cameron, da FGV. Segundo ele, embora as embaixadas americanas tenham funcionários que apoiem os interesses norte-americanos no exterior, essas instituições são menos eficientes sem um embaixador. “Como resultado, a política externa americana será menos efetiva”, conclui.

Para Payne, da Universidade de Louisville, a incapacidade de preencher essas cadeiras reflete “a indiferença da administração Trump para uma missão diplomática central do departamento de Estado dos EUA [o equivalente ao ministério das Relações Exteriores brasileiro].”

“A administração parece acreditar que pode conduzir todas as relações diplomáticas de forma centralizada e não precisa de representação em muitas embaixadas pelo mundo. Para mim, isso parece um grande erro”, diz o professor. 

Diplomacia do Twitter

Em vez do telefonema entre líderes, como é praxe nos círculos diplomáticos, Trump tem recorrido ao que já se chama de "diplomacia no Twitter" - despertando críticas por parte da imprensa e de especialistas.

“Homem-foguete”, “meu botão nuclear é muito maior”, “cuidado que os mísseis estão chegando” são algumas das expressões utilizadas pelo presidente norte-americano no trato com autoridades de outras nações.

Em diversos episódios, o presidente pareceu agir de forma impulsiva, contradizendo o próprio governo norte-americano e usando um tom distante da formalidade e do cuidado que regem as relações entre países - em particular, entre aqueles que já têm essas relações estremecidas.

“O uso que Trump faz do Twitter é extremamente preocupante”, diz Cameron, citando como o exemplo o tuíte sobre um ataque norte-americano à Síria, em 11 de abril.

“Se prepare, Rússia, porque eles [os mísseis] estão chegando, bons e novos e inteligentes!”, escreveu Donald Trump. Na ocasião, o Ocidente acusava o governo de Damasco, apoiado pelo Kremlin, de conduzir um ataque químico no reduto rebelde de Guta. Síria e Rússia negam a responsabilidade.

“Até onde podemos dizer, Trump escreveu esse tuíte por contra própria, pela manhã, sem consultar sua equipe de segurança nacional. No curto prazo, a retórica belicosa de Trump gerou pânico sobre um ataque norte-americano eminente. Após um tempo, ele voltou atrás na linguagem e ficou claro que ele havia tuitado sem pensar direito nas opções militares”, diz o professor.

Payne concorda que o uso atípico da rede social beira o perigo, além de mostrar que o presidente está desinformado sobre alguns assuntos da política norte-americana. “Me lembra daquele velho ditado [americano]: ‘é melhor ficar em silêncio e acharem que você é tonto do que falar e dar a certeza’”, diz.

19.jul.17 - Putin (esq) e Trump se cumprimentam durante encontro na cúpula do G20, em Hamburgo, Alemanha - Carlos Barria/ Reuters - Carlos Barria/ Reuters
19.jul.17 - Putin (esq) e Trump se cumprimentam durante encontro na cúpula do G20, em Hamburgo, Alemanha
Imagem: Carlos Barria/ Reuters

Relações com a Rússia

Quando assumiu a presidência, Trump esperava tornar-se uma espécie de “melhor amigo” de Putin, na contramão da história entre os dois países. Nos últimos tempos, no entanto, o cenário parece ser outro, e o próprio presidente norte-americano, novamente via Twitter, reconheceu ser esse um dos piores momentos na relação entre as nações. 

A situação se degradou após o suposto ataque químico conduzido em Duma, na Síria. A troca de acusações e ameaças entre EUA, que acusava os russos de conivência, e o Kremlin, que negava interferência, fez o secretário geral da ONU, Antonio Gutierrez, associar o momento atual à Guerra Fria. 

“Não está claro se Putin e Trump entendem quais ações podem despertar uma resposta militar do outro, pois eles não têm o hábito de pensar da mesma forma que políticos pensavam na época da Guerra Fria e também porque a geopolítica mudou e a ‘linha vermelha’ para cada lado é confusa”, diz o professor Cameron.

Já para Payne, a comparação com os tempos da Guerra Fria é exagerada. “Hoje, os Estados Unidos são muito mais influentes globalmente em comparação com a Rússia. Embora as ações russas sejam ameaçadoras e preocupantes, há muitas outras ameaças e preocupações para os EUA nos últimos tempos.”

Além disso, aponta, o comportamento errático de Donald Trump parece estar restrito aos campos econômicos e diplomáticos, sendo improvável medidas mais drásticas como uso de força militar contra Estados poderosos, tais quais Rússia, Coreia do Norte e Irã.

E a América Latina?

Recentemente, Trump cancelou sua participação na Cúpula das Américas, no Peru, na que seria sua primeira visita à América Latina.

“O mapa político de Trump para a América Latina não vai muito além da fronteira México-EUA”, diz Cameron. “A América Latina como um todo é uma prioridade baixa para ele”, completa.

Segundo Cameron, Trump novamente diverge de seu antecessor nesse aspecto, ainda que, em termos práticos, as aspirações e as tentativas de Obama de se aproximar dos países latinos não tenham sido muito frutíferas.