Leopoldo López, opositor venezuelano: "Estou preso, mas livre de espírito"
Ewald Scharfenberg
Em Caracas (Venezuela)
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Jorge Silva/Reuters
Leopoldo López, opositor do governo da Venezuela, em foto de arquivo de fevereiro de 2014, antes de ser preso
Líder da Vontade Popular está preso há um ano, acusado de instigar distúrbios em 2014. Em resposta a um questionário de "El País", ele conclama à união da oposição
Em uma prisão militar situada a 30 km da capital venezuelana, onde está preso há um ano, Leopoldo López (nascido em Caracas em 1971) faz um apelo à união da oposição, em resposta a um questionário de "El País".
O líder da Vontade Popular, acusado de instigar os distúrbios antigovernamentais na Venezuela em 2014, preenche nove páginas manuscritas, no fim das quais assina, como selo de autenticidade, junto de um lema: "Todos os direitos para todos os venezuelanos!"
A seguir, um extrato editado de suas respostas.
El País: Em que a experiência do cárcere o modificou?
Leopoldo López: É uma experiência dura, especialmente quando se é inocente, e carregada de injustiças e violações de direitos elementares. Estou preso há mais de um ano. Fui vítima, assim como minha família, da privação de direitos básicos. Passei os primeiros seis meses em total isolamento. Não pude receber visitas, a não ser de minha família direta e de meus advogados. As conversas com minha defesa são gravadas. Eles leem e confiscam minha correspondência de maneira arbitrária, fomos vítimas de revistas violentas por parte de comandos da inteligência militar, lançaram excremento humano em nossas celas e a todo momento somos gravados, direta ou clandestinamente. Apesar dessas dificuldades, próprias de minha condição de prisioneiro de consciência, tive tempo para crescer e transformar a adversidade em oportunidade. As vidas e os exemplos de Mandela, Martin Luther King, Vaclav Havel, Aung San Suu Kyi, Sócrates, São Paulo e outros me serviram de inspiração para assumir a realidade de estar preso por causa das ideias. Experimentei um sentimento de liberdade mais profundo do que quando estava em plena liberdade. É a liberdade do espírito. A prisão me permitiu refletir muito sobre por que estou aqui e o compromisso que tenho com a Venezuela. O mais importante é a ideia de construir um país, uma nação unida ao redor do compromisso de que "todos os direitos sejam para todas as pessoas". A democracia no século 21 tem de ir além da formalidade de uma eleição ou da divisão de poderes, inclusive além da ideia republicana do império da lei. Concentra-se em que os direitos de todos sejam respeitados, sem exclusões.
El País: O senhor teme que sua permanência na prisão o tenha isolado da realidade das ruas, a ponto de condicionar sua interpretação do momento político?
López: Procuro manter-me informado do que acontece no país. Certamente passei a maior parte do último ano encerrado em minha cela, quer dizer, preso inclusive dentro da prisão. Mas, longe de isolar-me da realidade, essa experiência me aproximou muito da realidade que vivem os venezuelanos. Aprendi com as vivências dos jovens presos, de seus parentes, das carências do sistema de justiça, da competição em todos os setores. Aprendi a conhecer de perto o mundo militar, porque estou preso em uma prisão militar e meus guardas são militares. Vivi na própria carne a injustiça de juízes e de promotores corruptos, a lentidão da Justiça processual, as condições dos presos.
El País: As pesquisas de opinião mostram de maneira consistente que o senhor é, junto com o governador Henrique Capriles, um dos líderes de oposição mais conhecidos e apoiados. Como interpreta esses resultados?
López: Na minha opinião, o mais relevante nos estudos de opinião que pude ler é a profunda vocação de mudança dos venezuelanos. Sendo essa a realidade, nossa prioridade tem de ser analisada pelo caminho constitucional e democrático. Entretanto, em paralelo, devemos definir as propostas concretas que nos permitirão transformar essa vocação de mudança em uma transformação positiva para todos.
El País: O presidente Nicolás Maduro ofereceu retoricamente libertá-lo se os EUA libertassem simultaneamente um independentista porto-riquenho. Depois desse gesto, o senhor percebe que se transformou em moeda de troca do governo em uma negociação?
López: O comentário no qual insistiu em trocar-me por outros presos é a confirmação pública de minha condição de preso político, preso de Nicolás Maduro.
El País: Pelo menos dois países, Espanha e Colômbia, correram o risco de uma crise diplomática com a Venezuela ao pedir sua libertação. O que diria a seus mandatários para que eles insistam nessa reivindicação?
López: Os pronunciamentos a favor da libertação dos presos políticos na Venezuela foram muito diversos e contundentes. A ONU, o Parlamento Europeu, Colômbia, Espanha, EUA, Canadá, Peru, a OEA (por meio de seu secretário-geral), a Anistia Internacional, a Human Rights Watch, a Internacional Socialista, a ODCA e outros rejeitam a existência de presos políticos e solicitam sua libertação imediata. Isso ratifica nossa inocência e a gravidade de que o governo tenha como prática a prisão de dissidentes.
El País: Em 2014, ficou evidente uma fratura no seio da oposição. Hoje o senhor considera necessária a união? Em caso afirmativo, o que propõe para alcançá-la?
López: A união de todos os fatores democráticos em todos campos. Não pode haver fraturas que nos enfraqueçam. Pedimos união no protesto e união no eleitoral, união na rua e no voto. Não são estratégias excludentes, mas complementares. A chave da união é ter um propósito comum e não fazer disso um fim em si.
El País: Esse cativeiro foi mais longo do que o senhor pensava? Mudaria sua decisão de entregar-se em fevereiro de 2014?
López: Quando me apresentei voluntariamente às autoridades da Justiça injusta, sabia que estava me expondo a um longo cativeiro, a um encarceramento injusto. Maduro havia me ameaçado com a prisão inúmeras vezes em rede nacional. Essas ameaças me permitiram me preparar mentalmente e preparar minha família. Falei muito disso com minha esposa, Lilian. Em retrospectiva, voltaria a tomar a decisão de me entregar. A outra opção, o exílio, o desterro, teria sido muito mais dolorosa e eu me sentiria mais preso. Hoje estou preso, mas sou livre de espírito.
El País: À recente detenção do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, parece que se seguirão as de outros opositores. O senhor acredita que essas prisões desanimarão o protesto?
López: A perseguição e a criminalização da dissidência política vão continuar. Pelo menos esses são os claros sinais que o governo envia com a prisão de Ledezma. Cabe nos mantermos firmes e cheios de esperança e comunicar, como pudermos, que nossa luta a favor de uma Venezuela democrática, livre e soberana vale a pena.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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