Le Monde: Protestos no Brasil acentuaram a desilusão da geração Lula

Paulo A. Paranaguá

Enviado especial a São Paulo e Rio de Janeiro

Manifestantes saem às ruas em protestos pelo Brasil
Manifestantes saem às ruas em protestos pelo Brasil

Os protestos sociais de junho mostraram a desafeição da juventude brasileira em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda, situação), o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 67, e da atual chefe do Estado, Dilma Rousseff, 65. Mas a geração de esquerda que combateu a ditadura (1964-1985) também está se distanciando.

"O PT não me representa mais", conta Maria Regina Pilla, 67, que trabalhava no gabinete do prefeito de Porto Alegre, do PT, na época do Fórum Social Mundial. Para ela e para muitos o chamado escândalo do "mensalão", revelado em 2005 e julgado em 2012, foi "um choque". "O mensalão tirou do PT suas bandeiras mais preciosas, que são a honestidade e a integridade", ela diz.

"O PT deveria ter feito seu mea culpa: não votamos no PT para que ele fizesse a mesma coisa que os outros partidos", reforça Cynara Menezes, 46, repórter na revista semanal "Carta Capital" e blogueira. "Depois de substituir o Partido Comunista como força central da esquerda, Lula transformou o PT em cabide de empregos públicos", se indigna o cineasta Nelson Pereira dos Santos, 84.

"Engrenagem do poder"

Seriam inevitáveis o clientelismo e a troca de favores com os aliados? "Há muito tempo o PT e o Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB, oposição) disputam o eleitorado, sobretudo no Estado de São Paulo, principal circunscrição do país," explica Ismail Xavier, 67, professor de cinema na Universidade de São Paulo (USP). "Em vez de somar esforços, esses dois partidos reformistas fizeram alianças com a direita."

E ainda: "Lula imitou seu antecessor, o presidente socialdemocrata Fernando Henrique Cardoso, para garantir uma maioria no Congresso e evitar um conflito entre o Executivo e o Legislativo, o pesadelo da história brasileira."

A esquerda continua sendo minoritária, em um Brasil que tende a mais conservador. "Há um paradoxo: o pragmatismo de Lula permitiu que ele fosse eleito à presidência duas vezes, mas descaracterizou o PT, que se tornou uma engrenagem do poder", observa a psicanalista Maria Rita Kehl, 61, membro da Comissão da Verdade sobre a ditadura.

"Com Dilma, a virada para a direita se acentuou", afirma Cynara Menezes. O contraste entre a presidente Rousseff e seu mentor é mencionado com frequência. Elogia-se a capacidade de negociação de Lula ao mesmo tempo em que se critica sua recusa em encarar o mercado financeiro e o agronegócio. E lamenta-se a pouca aptidão de sua sucessora para o diálogo, inclusive com os movimentos sociais de esquerda.

A nostalgia já se sente. "O PT teve dois grandes momentos: quando nasceu, nos anos 1980, ele soube unir a esquerda; depois, a eleição de Lula em 2002 representou a volta do reprimido, a alegria, após os anos de chumbo e de crise", afirma Maria Rita Kehl.

"Discurso de desconfiança contra as manifestações espontâneas"

No entanto, o PT se tornou uma máquina eleitoral, em estado de imponderabilidade entre cada eleição. "A Central Única dos Trabalhadores e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foram cooptadas, subvencionadas para não fazerem nada", acusa Wagner Cardoso, 63, ex-jornalista da RFI.

Os sindicalistas tiveram dificuldade para se mobilizar, em 11 de julho, em um dia nacional de luta. E a UNE pela primeira vez em sua história esteve totalmente ausente das manifestações no mês de junho. "O último sinal de vida da UNE foi nos grandes protestos contra a corrupção do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992", observa Jean-Marc von der Weid, 67, presidente da UNE de 1969 até quando foi preso, dois anos mais tarde. "Agora, uma parte da esquerda, dogmática, mantém um discurso de desconfiança contra as manifestações espontâneas", conta o ex-líder estudantil.

Especialista em agricultura alternativa, Jean-Marc von der Weid lamenta a estagnação da reforma agrária, que explica a desilusão do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra em relação ao governo. "Lula era indiferente à ecologia, mas ele considerava o prestígio de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao passo que Dilma não hesitava em menosprezá-la", ele conta.

De acordo com as pesquisas, Marina Silva está se beneficiando com a queda de popularidade da presidente, depois de ter surpreendido em 2010, ao conquistar 20 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial. Todavia, sua fé evangélica suscita resistências. "Não me agrada a mistura entre religião e política", conta Cynara Menezes. A ausência de estrutura da candidata ambientalista e a fragilidade de seu círculo despertam objeções. "O programa econômico de Marina é opaco", observa Vladimir Safatle, 40, professor de filosofia na USP.

 

"O Partido dos Trabalhadores não tem mais criatividade"

As dúvidas suscitadas por Dilma Rousseff revelam a dificuldade que existe em garantir a substituição do carismático Lula. "O PT não tem mais criatividade, ele não é mais um laboratório de ideias e não atrai mais os intelectuais", afirma Vladimir Safatle. "O desvirtuamento que os partidos europeus sofreram em quarenta anos, o PT viveu em dez."

E diz ainda: "A conquista de Lula – a ascensão social através do auxílio 'Bolsa-família', o aumento do salário real e a criação de empregos – não permitiu resolver os problemas estruturais. A exigência de serviços públicos universais e de qualidade, pedidos pelos manifestantes de junho, pressupõe uma reforma fiscal de esquerda. Isso implica enfrentar conflitos, em vez de tentar neutralizá-los através de uma coalizão heterogênea."

Sendo assim, a revolta social de junho deixou otimista esse discípulo do filósofo Alain Badiou: "A política voltou ao seu espaço natural, a rua. Os manifestantes não aspiravam à revolução, mas a reformas sobre o modelo da socialdemocracia do pós-guerra, uma opção menos radical e utópica do que a proposta pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre. O movimento provavelmente terá altos e baixos, mas não vai parar." E conclui: "Uma reconfiguração da esquerda e da direita é inevitável."
 

Tradutor: UOL

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