Como a NSA espiona a França

Jacques Follorou e Glenn Greenwald

O futuro dirá, talvez, por que a França se manteve tão discreta em comparação com a Alemanha ou o Brasil após as revelações sobre os programas de espionagem eletrônica americana no mundo. Isso porque a França foi igualmente vítima, e hoje dispõe de provas tangíveis de que seus interesses eram vigiados diariamente.

Segundo os documentos da Agência Nacional de Segurança (NSA) obtidos pelo "Le Monde", as comunicações telefônicas dos cidadãos franceses foram, de fato, interceptadas de maneira maciça. Esses documentos, revelados em junho pelo ex-consultor da agência, Edward Snowden, descrevem as técnicas utilizadas para captar ilegalmente os segredos ou simplesmente a vida privada dos franceses. Alguns elementos foram evocados pela publicação semanal "Der Spiegel" e pelo jornal britânico "The Guardian". Os demais são inéditos.

Entre os milhares de documentos subtraídos da NSA por seu ex-funcionário figura um gráfico que descreve a extensão dos monitoramentos telefônicos realizados na França. Constata-se que, em um período de trinta dias, de 10 de dezembro de 2012 a 8 de janeiro de 2013, 70,3 milhões de gravações de dados telefônicos dos franceses foram efetuadas pela NSA.

As três partes

A agência dispõe de diversos modos de coleta. Quando determinados números de telefone são usados na França, eles ativam um sinal que desencadeia automaticamente a gravação de certas conversas. Esse monitoramento também capta os SMS e seus conteúdos de acordo com palavras-chave. Por fim, a NSA armazena de maneira sistemática o histórico das conexões de cada alvo.

Essa espionagem aparece como parte do programa "US-985D". A explicitação exata dessa sigla não foi fornecida, até o momento, nem pelos documentos de Snowden, nem por ex-membros da NSA. A título de comparação, as siglas utilizadas pela NSA para o mesmo tipo de interceptação visando a Alemanha são "US-987LA" e "US-987LB". Essa série de números corresponderia ao círculo classificado pelos Estados Unidos como "terceira parte", à qual pertencem a França, a Alemanha e também a Áustria, a Polônia e ainda a Bélgica. A "segunda parte" diz respeito aos países anglo-saxões historicamente próximos de Washington: o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, conhecidos pelo nome de "Five Eyes" [cinco olhos]. A "primeira parte" diz respeito aos dezesseis serviços secretos americanos.

As técnicas utilizadas para essas interceptações aparecem sob os códigos "DRTBOX" e "WHITEBOX". Suas características não são conhecidas. Mas sabe-se que com o primeiro código, 62,5 milhões de dados telefônicos foram coletados na França entre 10 de dezembro de 2012 e 8 de janeiro de 2013 e que o segundo permitiu gravar no mesmo período 7,8 milhões de elementos. Os documentos dão explicações  suficientes para se pensar que os alvos da NSA são tanto pessoas suspeitas de associações com atividades terroristas quanto indivíduos visados simplesmente por fazerem parte do mundo dos negócios, da política ou do governo francês.

O gráfico da NSA mostra uma média de interceptações de 3 milhões de dados por dia com picos de até quase 7 milhões nos dias 24 de dezembro de 2012 e 7 de janeiro de 2013. Mas de 28 a 31 de dezembro, nenhuma interceptação parece ter sido operada. Essa aparente interrupção de atividade poderia ser explicada, entre outros motivos, pelo prazo necessário à renovação da seção 702 da lei que trata da espionagem eletrônica no exterior, pelo Congresso americano no final de dezembro de 2012. Da mesma forma, nada aparece nos dias 3, 5 e 6 de janeiro de 2013 sem que se consiga dar uma razão plausível, nesse caso. Ainda restam inúmeras dúvidas, a começar pela identidade precisa dos alvos e as justificativas para uma coleta tão maciça de dados em um território estrangeiro, soberano e aliado.

As autoridades americanas não quiseram comentar sobre esses documentos que elas consideram "confidenciais". No entanto, elas remetem à declaração feita no dia 8 de junho pelo diretor nacional da inteligência americana: "As pessoas fora de nossas fronteiras não podem ser monitoradas sem motivos legalmente fundamentados, tais como ameaça terrorista, informática ou de proliferação nuclear."

"Informante sem limites"

A França não é o país onde a NSA mais intercepta conexões digitais ou telefônicas. O sistema "Boundless Informant" (informante sem limites, em tradução livre), revelado em junho por Edward Snowden ao "The Guardian", permitiu que se tivesse uma visão do todo e em tempo real das informações captadas no mundo inteiro graças aos diferentes sistemas de escuta da NSA. O "Boundless Informant" coleta não somente os dados telefônicos (DNR), mas também aqueles ligados ao universo digital (DNI).

Um dos documentos que o "Le Monde" conseguiu consultar revela que entre 8 de fevereiro e 8 de março a NSA coletou 124,8 bilhões de DNR e 97,1 bilhões de DNI no mundo, evidentemente incluindo zonas de guerra como o Afeganistão, bem como a Rússia e a China. Na Europa, somente a Alemanha e o Reino Unido superam a França em termos de número de interceptações. Mas no caso dos britânicos isso é feito com o consentimento do governo deles.

Tradução: UOL

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos