São Paulo passa por revolução contra domínio do automóvel nas ruas

Claire Gatinois

A megalópole brasileira, maior cidade do país, foi desfigurada pela infraestrutura viária

Nesse domingo de outubro, assim como em quase todos os domingos em São Paulo, maior cidade do Brasil com seus 11 milhões de habitantes, Ezra Teter subiu em sua bicicleta para andar no Minhocão.

Essa serpente de concreto com 3,5 km de extensão, uma verdadeira autoestrada que paira sobre o centro da cidade ligando as zonas oeste e leste da megalópole, aos finais de semana se torna ponto de encontro de corredores de domingo, skatistas, artistas e jovens casais de estudantes.

Desde o mês de julho, o fechamento do Minhocão para os carros a partir das tardes de sábado e aos domingos passou a trazer um pouco de tranquilidade e de poesia para o centro de São Paulo. Os moradores estão se reapropriando de uma cidade cuja única prioridade por muito tempo foi o automóvel.

Para Ezra, o Minhocão é só o início de uma revolução em andamento. Esse professor de inglês de porte atlético é cicloativista, e foi de bicicleta que ele chegou de Austin, cidade do Texas, à megalópole brasileira, seis anos atrás. Desde então, ele só circula de bicicleta. Outros paulistanos, cansados dos engarrafamentos, passaram a fazer o mesmo, com a ajuda da expansão das ciclovias. "Aos poucos as coisas estão mudando", ele afirma.

"O Minhocão é representativo desse período da onipotência do carro. O fato de os cidadãos estarem se apropriando dele de maneira tão natural é algo muito forte", concorda o arquiteto Marcio Kogan. Levado por seu amigo Athos Comolatti, Kogan se engajou na "batalha do Minhocão", com o objetivo de transformá-lo em um parque suspenso seguindo o modelo do High Line em Nova York, ou da passarela verde do 12º distrito de Paris.

Inaugurado em 1971, durante a ditadura, sem que nenhum habitante pudesse se opor a ele, o viaduto destruiu o centro histórico da cidade. Desvalorizado, este aos poucos foi se transformando em uma cracolândia, local de encontro de indigentes e dependentes químicos. O odiado Minhocão a cada eleição municipal é alvo de um ritual no qual os candidatos ouvem a fatídica pergunta: o que você vai fazer com o Minhocão? Sucessivos prefeitos se destacaram por ideias ambiciosas, mas o Minhocão sempre acabou ficando.

"Cicatriz"

O prefeito Fernando Haddad (PT), em janeiro de 2013, não tinha nenhum destino para essa faixa de concreto, só um pesar: "Ele nunca deveria ter sido construído". Ressentido com a esquiva, Athos Comolatti, próximo do meio artístico, agora briga para transformar o Minhocão em parque.

Mas Athos Comolatti tem à sua frente Francisco Machado, que lidera o movimento "Desmonte do Minhocão", pleiteando a demolição daquilo que ele considera como a "cicatriz" de São Paulo.

As janelas de seu apartamento são separadas por pouco mais de cinco metros desse elevado. Desgastado pelo ruído e sujo da poluição, ele sonha em tirá-lo de uma vez por todas de seu campo de visão e menciona, com brilho nos olhos, o "grande boulevard" que poderia substitui-lo. "Toda semana preciso lavar minhas cortinas pretas de sujeira. Mas meus pulmões não posso levar para a tinturaria", ele diz. Para ele, transformá-lo em um parque é um capricho. "Para onde iriam esses 70 mil carros que circulam todos os dias sobre o Minhocão?"

O prefeito Fernando Haddad não tem a resposta, mas está esboçando soluções, e radicais. Ele programou a "desativação" do Minhocão e, em uma cidade onde a cada dia transita da zona leste para o centro de São Paulo o equivalente à população do Uruguai, ele vem reduzindo os espaços concedidos aos carros, limitando sua velocidade, multiplicando os corredores de ônibus e criando ciclovias.

Até o momento, mais de 350 km de pistas foram construídas. Desde então, os acidentes de trânsito diminuíram e a circulação se fluidificou. São Paulo chega a se orgulhar de ter um congestionamento menor que o de Paris, segundo o ranking TomTom das cidades mais engarrafadas. Mas as reações dos paulistas continuam sendo diversas. Há menos de um mês Haddad foi hostilizado durante a inauguração de uma de suas ciclovias.

"Temos em São Paulo as pessoas mais cosmopolitas do mundo e as mais 'provincianas'. Uma elite progressista coabita com uma outra, conservadora", ele lamenta.

São Paulo é o retrato do Brasil, enorme e desigual. O carro é símbolo de poder, marca de status social. Somente as classes populares circulam de transporte coletivo, que é desconfortável e lento. No bairro chique de Higienópolis, os moradores chegaram a brigar pela proibição da construção de uma estação de metrô, com medo de que delinquentes da periferia desembarcassem em suas terras.

"São Paulo é uma cidade agressiva, que foi construída de maneira 'orgânica', totalmente desorganizada", comenta Marcio Kogan. A falta de um plano urbanístico e o desprezo por arquitetos durante e após a ditadura fizeram da cidade uma caricatura dos erros de uma megalópole, feia, poluída, barulhenta e congestionada. Com 11 milhões de habitantes, ela já ultrapassou os limites do suportável.

Segundo a ONG Saúde e Sustentabilidade, a poluição por partículas finas PM 2,5 (de diâmetro inferior a 2,5 mícrons), estimada em média anual entre 20 e 25 microgramas por metro cúbico de ar (2,5 vezes o limite aceitável estabelecido pela Organização Mundial de Saúde), estaria matando 4.700 pessoas por ano. "Existe uma cultura do carro em São Paulo. O transporte público é ruim, não há trens e metrô suficientes", acredita Evangelina Vormittag, diretora da ONG.

De acordo com Clodoaldo Pelissioni, secretário de Transportes do Estado de São Paulo, responsável pelo metrô, as pessoas só precisam ter um pouco de paciência. Há dez projetos em andamento para melhorar e ampliar a rede do metrô. Em 2018, no mais tardar 2020, as obras terão terminado, ele afirma.

Mas o envolvimento das construtoras encarregadas das obras no escândalo de corrupção da Petrobras, bem como o tratamento de austeridade infligido ao país, poderão estender esse cronograma. E apesar das manifestações de junho de 2013, provocadas pelo aumento de alguns centavos no preço da passagem do ônibus, Clodoaldo Pelissioni não cogita por um único segundo reduzir o preço do bilhete, hoje de R$ 3,50.

Ezra Teter, com sua bicicleta, não perde o otimismo. Para ele, os habitantes de São Paulo aos poucos estão se conscientizando dos danos da poluição e largarão seus carros. "Isso vai acontecer, estando eles prontos ou não."

Tradutor: UOL

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