Irã prepara a sucessão do aiatolá Khamenei
Louis Imbert
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Reprodução/vosizneias
Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã
Há 27 anos Ali Khamenei vem exercendo o cargo de maior autoridade do país
Ali Khamenei, o Líder Supremo da República Islâmica do Irã, trabalha em uma sala quase vazia. Cerca de 30 pessoas cabem ali, apertadas sobre um carpete industrial sem nenhum tapete. Com dez pessoas a mais, é necessário ficar em pé atrás da porta aberta.
Khamenei trabalha em uma humilde poltrona de couro, à frente de cortinas que ficam fechadas na maior parte do tempo e escondem uma janela que dá vista para algumas árvores e prédios administrativos que abrigam o "gabinete" do líder, a mais poderosa administração do Irã, que o ajuda na definição da política a ser seguida quanto a todas as grandes questões internas e externas.
Este gabinete poderá em breve ter um novo chefe, um terceiro líder depois de Khamenei e do fundador da República Islâmica, Ruhollah Khomeini, morto em 1989.
Mas quem? Essa pergunta vem atravessando a campanha para as eleições do dia 26 de fevereiro, em que deverão ser renovados o Parlamento e a Assembleia de Especialistas. Esse discreto corpo de 88 clérigos, eleitos por oito anos, é encarregado de nomear o sucessor do Líder. Seu presidente, Mohammad Yazdi, relatou no início de fevereiro que Khamenei, com seus 76 anos de idade, quis que ele "se preparasse" para tal eventualidade.
Ali Khamenei é um dos mais antigos dirigentes em exercício do planeta e o ponto de equilíbrio da vida política iraniana. Durante 27 anos, soube exercer um papel de árbitro entre as correntes políticas e as instituições eleitas e não eleitas, através dos anos de reconstrução que se seguiram à guerra contra o Iraque (1980-1988), as reivindicações de reforma social durante a presidência de Mohammad Khatami (1997-2005) e, depois, durante a crise nuclear.
Como um líder ambivalente, Khamenei foi o primeiro apoiador do presidente Mahmoud Ahmadinejad em seu confronto com o Ocidente sobre a questão nuclear, tendo apoiado a repressão que se seguiu à sua controversa reeleição em 2009, mas também foi Ali Khamenei quem decidiu retomar as negociações bilaterais secretas com os Estados Unidos sobre a questão nuclear a partir de 2011.
Foi ele ainda quem teve a última palavra sobre a assinatura do acordo de Viena em julho de 2015, abrindo o caminho para uma pacificação do espaço político iraniano que vem se esboçando nessas eleições parlamentares.
Calibre
"Durante o reinado do imame Khomeini, vários observadores ocidentais previam que a República Islâmica acabaria junto com ele. Essa crise nunca aconteceu", lembra Hamid Reza Taraghi, representante do Líder junto à instituição de caridade Imame Khomeini. "O mesmo acontecerá depois de Ali Khamenei", ele prevê.
O imame Khomeini morreu alguns meses depois de ter renegado seu herdeiro declarado, o aiatolá Ali Montazeri. Ali Khamenei, que então era presidente da República, acabou se impondo como candidato por falta de outra opção, ao final de arbitragens conduzidas entre a cúpula do Estado, e não unicamente entre a Assembleia.
Clérigos de alto escalão criticaram sua falta de qualificação religiosa. O imame Khomeini sempre o chamara de "hodjatoleslam", um escalão clerical elevado, mas comum a milhares de pessoas no Irã. Ele foi mostrando seu calibre ao longo dos anos: foi mais político, próximo dos círculos militares sobre os quais tem total autoridade, mais presente na vida secular, viajando regularmente pelas províncias, e casou centenas de casais.
Já seu sucessor corre o risco de sofrer de uma falta de notoriedade popular.
"A nova geração de clérigos integrados no regime não pôde se distinguir durante os anos de resistência contra o xá, e depois durante a guerra. É difícil isolar um candidato entre muitos outros", lembra Saeid Rahaei, vice-presidente da universidade Mofid de Qom, a "capital" do clero iraniano.
Vários nomes têm circulado nos corredores dos seminários de Qom, que são pura especulação. Chegaram a cogitar o nome de Hassan Khomeini, neto do líder. Mas sua candidatura, associada à corrente reformista, foi rejeitada ao final de um processo de seleção que garante a eleição de uma assembleia nitidamente conservadora.
De 800 candidatos, somente 166 foram recebidos por um conselho de juristas nomeados pelo líder e pelo chefe da autoridade judiciária, Sadegh Larijani, cujo nome também foi cogitado.
Quando lhe perguntam sobre o assunto, Hamid Reza Taraghi levanta as mãos para o céu. Ele lembra que o gabinete do Líder tornou-se grande o suficiente para garantir a continuidade do exercício do poder, independentemente de quem vá assumir sua liderança.
"O imame Khomeini delegava o controle das forças armadas. Já Khamenei o integrou a seu gabinete, ao mesmo tempo em que desenvolvia os departamentos encarregados da economia, das questões sociais e das orientações políticas gerais. Passamos de uma estrutura de 200 pessoas para cerca de 1000", ele acredita.
Essa centralização foi criticada sobretudo pelo ex-presidente Rafsanjani, candidato à Assembleia dos Especialistas, encabeçando uma lista moderada ao lado do presidente Hassan Rouhani.
O aiatolá Saanei, figura reformista que encontramos em Qom, acredita que a Assembleia poderá exercer no futuro um controle sobre as ações do Líder, uma prerrogativa que ela nunca exerceu.
Os candidatos "conhecem os deveres da Assembleia, que é examinar todas as questões que dependem do Líder. Só que este se encontra hoje em uma posição acima das leis", ele diz. Sadegh Larijani denunciou na semana passada esse projeto, por considerá-lo "ilegal e sem nenhuma base constitucional".
Em Teerã, reformistas têm feito um apelo para que os eleitores da classe média, mais abstencionistas que os das províncias, votem para conter os candidatos mais "conservadores". O principal alvo deles, o aiatolá Mezbah Yazdi alertava desde janeiro contra uma tentativa conduzida por "inimigos" de transformar a eleição em "um referendo para destituir o líder supremo".
Tradutor: UOL
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