Quem são os soldados "fantasmas" de Putin na Síria?

Isabelle Mandraud

Em Moscou

  • Alexei Druzhinin, RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo/AP

No último ano, a intervenção russa envolveu de forma extremamente sigilosa tropas em solo e mercenários privados

"Eles são militares, mas suas missões não são militares", proclamava no Twitter, em meados de setembro, um site do Ministério da Defesa da Rússia, com fotos de soldados de uniforme cercados por crianças e distribuindo sacos de alimentos.

Um ano após o início da intervenção militar na Síria decidida por Vladimir Putin em apoio ao regime de Bashar al-Assad, o Exército russo tem cuidado de sua imagem. Além dos ataques aéreos que bombardeiam sem parar posições jihadistas e rebeldes, sem poupar centenas de civis, estão sendo feitas diversas operações midiáticas de um contingente que se diz "pacificador".

Mas a mesma falta de transparência continua a cercar a primeira intervenção militar russa longe de suas fronteiras desde a guerra do Afeganistão. Nenhuma informação sobre o número de soldados enviados jamais foi comunicada. Contudo, as eleições legislativas que foram realizadas na Rússia no dia 18 de setembro forneceram um indício: segundo a comissão eleitoral central, 4.571 cidadãos russos participaram da votação na Síria, sendo 4.378 através de urnas móveis, e, portanto, possivelmente fora da capital Damasco.

Nenhum balanço fornecido

Tampouco foi fornecido qualquer tipo de balanço das ações terrestres conduzidas pelas tropas russas. Durante muito tempo Moscou negou sua presença em solo sírio, antes que a realidade ficasse evidente. A confirmação veio com a morte de Alexandre Prokhorenko, membro das forças especiais, morto no dia 17 de março durante o ataque sírio-russo conduzido em Palmira, cidade então ocupada pela organização Estado Islâmico (EI). "Não vou esconder que, no território da Síria, nossas forças especiais estão agindo", admitiu a contragosto o general Alexandre Dvornikov.

Depois teve o soldado de artilharia Mikhail Chirokopoias, morto dois meses depois, após o ataque contra seu comboio, e todos aqueles que não se sabem. Foi no Instagram que Yuri Kokov, líder da região autônoma de Kabardino-Balkarie, no Cáucaso, publicou o anúncio sobre o soldado Asker Bichoiev: "A luta contra o terrorismo internacional conduzida heroicamente por nosso país não pode induzir a perdas", escreveu, no dia 12 de agosto, o dirigente dessa região do Cáucaso russo. Ninguém havia ouvido falar sobre essa morte. As famílias se dobram às ordens das autoridades e se calam.

Pode haver ainda outro segredo por trás. Oficialmente, o major Serguei Tchupov, 51, não fazia parte dos efetivos militares enviados à Síria. Veterano da guerra do Afeganistão e de guerras russo-tchetchenas, transferido para a 46ª brigada do Ministério do Interior, ele teria sido morto na Síria em janeiro, segundo testemunhos de seus amigos nas redes sociais. Mas seu túmulo, situado em Balashikha, no subúrbio de Moscou, coberto de homenagens de seus colegas, indica o dia 8 de fevereiro.

Eles estão na linha de frente do resgate na Síria: os Capacetes Brancos

No mesmo mês, o cossaco Maxime Bogdanov morreu em circunstâncias misteriosas. Mas também nesse caso parentes seus publicaram fotos dele, atestando que ele se encontrava em Latakia, reduto do regime sírio na costa. Seriam mercenários, de acordo com jornais russos que por diversas vezes falaram na existência de um Exército privado, como os Blackwaters americanos que invadiram o Iraque, mas que é ilegal na legislação russa.

Já no mês de março, o site Fontanka.ru relatava a existência de um grupo militar que, depois de ter participado da anexação da Crimeia em 2014, "levou seus esforços para a Síria a partir do outono de 2015". Esses profissionais, liderados por ex-soldados em sua maior parte na ativa, teriam sido treinados na base de Molkino, um território militar que pertence ao GRU, a inteligência militar, e situado na região de Krasnodar. No local, de fato aparece um acampamento novinho em folha nos mapas de satélite. Ele não existia nos arquivos do Google Earth em 2014.

Em um extenso artigo publicado no dia 25 de agosto, intitulado "Fantasmas de guerra: como surgiu um Exército russo privado na Síria", o jornal "RBK Daily" afirma que mil homens que trabalhavam para empresas de segurança russas participaram dos combates na Síria. Citando uma fonte anônima do Ministério da Defesa, o jornal relata que 27 "soldados privados" teriam sido mortos na Síria, e uma centena segundo o oficial de uma dessas companhias.

Projeto de lei

Essas empresas, registradas em paraísos fiscais, assim como a Corps Slave, uma empresa de segurança russa registrada em Hong Kong, atuam na África, sobretudo para proteger navios na costa da Somália. Elas foram utilizadas na Síria para vigiar instalações petroleiras, na região de Homs e de Deir ez-Zor.

Nesse domínio, existe um nome recorrente: "Wagner". Esse grupo, que adotou o pseudônimo de seu diretor, Dmitri Utikine, ex-oficial da GRU, conta com 400 homens e teria participado dos combates no leste da Ucrânia antes de se dirigir para a Síria em 2015 e de participar da batalha de Palmira, "libertada" pelo Exército sírio da influência do EI em março. Segundo o "RBK", Serguei Tchupov fazia parte dele. O Ministério da Defesa russo não respondeu ao pedido de comentários feito por escrito pelo "Le Monde".

No entanto, o debate sobre o uso de profissionais foi levantado publicamente por um deputado da Duma, a câmara baixa do Parlamento russo. Por três vezes, Guennadi Nossovko, membro da comissão de Defesa, submeteu a seus pares um projeto de lei sobre o tema. Entregue no mês de março, o último até o momento relativo à "atividade militar e à segurança privadas", foi retirado no dia 22 de junho. "É um grande mercado que existe na Bélgica, na França e nos Estados Unidos, e estou convicto de que uma lei seja necessária, mas não recebi apoio de meus colegas", ele explica. "Acho que ainda não deram um sinal verde lá de cima."

No entanto, em seu texto, o parlamentar repetia quase palavra por palavra as declarações de Vladimir Putin, que em 2012 era favorável a esse projeto. "É uma verdadeira ferramenta", afirmava então o chefe do governo, "para a implantação de interesses nacionais sem a participação direta do Estado". Derrotado nas eleições legislativas de 18 de setembro, Nossovko, que prometia voltar à carga em caso de vitória, deverá passar o bastão.
 

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Tradutor: UOL

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