Refugiados gays fogem de perseguições, mas temem ser "caçados" na Europa

Blaise Gauquelin

  • Getty Images/iStockphoto

Os refugiados não fogem só da guerra. Para mulheres e homens da África ou do Oriente Médio, trata-se também de escapar das perseguições por causa da homossexualidade. Mas estas não terminam quando eles chegam à Europa.

Adeyinka é uma "nigeriana orgulhosa". Ela acha importante dizer isso, apesar de que, como para os outros refugiados entrevistados, modificamos seu nome para não colocá-la em perigo. Em casa não lhe faltava nada. Seu pai tinha muito dinheiro. Ela estudou em escolas excelentes. E ama sua religião, o islamismo. Aos 33, abrigada em um lar para migrantes lésbicas, na periferia de Viena, na Áustria, ela sobrevive agora com algumas dezenas de euros que recebe toda semana de uma entidade beneficente cristã.

"Sou bonita, e isso me causou muitos problemas. Eu estaria morta se não tivesse escapado", afirma em tom determinado, em um bar onde se sente em confiança por estar acompanhada de uma responsável da associação cristã austríaca Queer Base. É uma das poucas na Europa que dão, graças a verbas municipais, um apoio específico aos solicitantes de asilo gays, transexuais e lésbicas.

O trajeto de Adeyinka é parecido com o de milhares de homossexuais que chegaram à Europa entre os sírios, iraquianos e afegãos que fugiram dos conflitos, no momento da onda histórica de migrantes em 2015. Ele é salpicado pela violência particular reservada às minorias sexuais, mas também iluminado por uma solidariedade que parece específica dessa comunidade.

Muitos migrantes pegam a estrada por motivos íntimos. É um fato pouco conhecido pelas sociedades ocidentais, assim como pelos poderes públicos. E com razão: na maioria das vezes, os interesses principais escondem os motivos reais de seu exílio forçado, o que complica o acesso ao asilo.

É difícil fazer contato com eles, ainda mais conquistar sua confiança. Eles têm medo da traição e da morte, pois muitas vezes sua cabeça é posta a prêmio por um clã, uma tribo, um chefe de família ou uma autoridade religiosa.

É o caso de Adeyinka, nossa "bela nigeriana", que ousa pela primeira vez contar a litania de agressões que constituem sua vida. Ela foi casada à força com um empresário "feio e velho". "Ele dizia ser muito religioso, mas isso não o impediu de me violentar e me engravidar várias vezes, enquanto via o nojo que me inspirava o menor de nossos contatos. Seus filhos, os meus filhos, eu os detestei."

Um dia, ela foi surpreendida fazendo amor com sua professora e levou uma surra de cinto. Seu marido a jogou no carro de dois homens. "Eles me trancaram em uma casa onde fui torturada sexualmente durante dias. Consegui fugir, recuperei o dinheiro que eu economizava havia anos em segredo e parti."

Níger, Líbia --a jovem conhecia bem o caminho da Europa e tinha preparado sua fuga. Para atravessar o Mediterrâneo, como centenas de milhares de anônimos, ela pagou aos traficantes temerosos que fazem o destino oscilar. "Para nós, mulheres negras, a cor da pele é uma maldição. Aos olhos dos traficantes, valemos mais que ouro! Eles me venderam à máfia nigeriana na Itália. Eu tinha deixado um inferno para encontrar outro, sem dúvida ainda mais sombrio."

Adeyinka teve de servir a uma rede de prostituição forçada. Mas a rota dos migrantes homossexuais às vezes é semeada de anjos da guarda. Pois vários deles devem sua sobrevivência aos gays e lésbicas que os ajudaram em seu périplo. "Um gay italiano imediatamente compreendeu que eu não era como as outras garotas. Eu me senti em segurança e lhe disse que eu era lésbica. Ele me comprou uma passagem de trem e me disse para ir à Áustria. Se eu ficasse na Itália, os nigerianos teriam me matado. Aqui, sempre que cruzo com uma mulher negra, olho para o outro lado. Sei que a máfia me procura. Na rua, não falo com ninguém. Os homens me assediam sem parar: 'Quanto? Quanto?' Eles ainda querem me possuir."

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"Não atrair problemas"

Adeyinka, que não sabe o que aconteceu com seus filhos e não pensa em revê-los um dia, só se sente à vontade às quintas-feiras, quando cai a noite. Todas as semanas é organizado um encontro dos solicitantes de asilo homossexuais, para quebrar seu isolamento e fazê-los perceber que não estão sós.

O local do encontro é segredo, pois há muitas ameaças. Uma transexual foi encontrada estrangulada em janeiro de 2015 em seu quarto em Viena. E ela vinha de um país geralmente considerado seguro, a Turquia, onde as condições de sobrevivência das pessoas transgênero são na verdade aterrorizantes. É muito difícil para os que deixam o país conseguir a situação de refugiado na Europa. Há pouco tempo, um iraquiano considerado afeminado foi insultado por uma família árabe no metrô. Há também os "skinheads", que adoram "bater em bicha". E depois, é claro, o perigo islamista. "Mas felizmente temos bons contatos com um membro da associação LGBT da polícia, que sensibilizou seus colegas por nosso caso", explica Cécile Balbous, uma francesa que é funcionária da Queer Base. Uma vez lá dentro, os solicitantes de asilo se descontraem.

São cerca de 50 de cada vez. Um pedreiro originário dos territórios conquistados pelo Estado Islâmico no Oriente Médio, um garçom somali, uma estudante afegã --todos confraternizam com austríacos que vieram ajudá-los. Seu medo é que um jihadista se faça passar por gay e participe da reunião. A cada vez os recém-chegados são analisados. E toma-se cuidado com homens viris demais ou que não têm bons códigos de vestimenta: muitas vezes são tomados por espiões. Os preconceitos não poupam ninguém.

Entre os frequentadores da quinta-feira está Mokhran, um eritreu que passou seis meses em um acampamento no Tirol tentando esconder sua homossexualidade para escapar das perguntas insistentes de alguns migrantes. "É preciso fingir nesses campos", conta ele, tragando seu cigarro. "Esconder quem realmente somos: colocar um capuz, andar como os outros refugiados, sobretudo não atrair problemas."

Dessa vez, a noite é organizada por uma associação gay judaica. Os discos que tocam são israelenses ou sírios. E é a descoberta de um novo mundo para Mokhran, que aos 19 anos só conheceu humilhações, angústia e agressões. "É a primeira vez que posso me divertir, dançar, brincar, ser eu mesmo", ele grita para se sobrepor à música das divas orientais.

"Os refugiados vêm de uma zona proibida", comenta Marty Huber, outra funcionária da associação Queer Base. "No início eles não sabem como administrar sua nova liberdade. Para eles, ser homo é às vezes fazer coisas sujas. Tentamos canalizar um pouco essas descobertas que eles fazem, depois de anos de frustração." Os novatos são aconselhados sobre as práticas de risco, sobretudo quando pensam em se tornar trabalhadores do sexo. Recebem sugestões de ser discretos nas redes sociais, já que, por exemplo, o GPS dos aplicativos de paquera em celulares fez que um deles fosse agredido.

Alguns candidatos também devem montar dossiês complexos para receber tratamentos antirretrovirais ou hormonais, ambos muito caros. Outros ameaçam se suicidar, encurralados em lugares distantes onde são maltratados enquanto esperam pela primeira entrevista. Se eles deixarem a comuna onde estão registrados, seu pedido de asilo é suspenso --então eles ficam sem abrigo, sem seguridade social e sem dinheiro--, e os homossexuais nem sempre são considerados parte dos grupos de vulneráveis que podem pedir transferência para Viena.

"Irmãos de destino"

Eles também são aconselhados a nunca mentir às pessoas que estudam seu pedido, enquanto alguns têm medo de revelar o motivo exato de sua fuga, principalmente por causa dos tradutores, alguns dos quais foram considerados ostensivamente homófobos. Às vezes é preciso responder a perguntas intimidantes do funcionário do Ministério do Interior, que se surpreende ao ver lésbicas casadas e mães de família, ou pergunta por que um rapaz simplesmente não esconde suas preferências sexuais para poder voltar ao país de origem.

Os refugiados homossexuais sofrem de solidão. Assim como os outros migrantes, eles deixaram para trás sua cultura, seu país, sua língua de origem, mas também, na maioria das vezes, seu círculo de amigos, do qual sentem falta. Para se reconstruir, eles se agarram a seus "irmãos de destino", que, como eles, tiveram de fugir devido a sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Um grupo do leste da África, por exemplo, tornou-se inseparável. Quatro rapazes de cerca de 20 anos que moram juntos em uma casa oferecida pela Prefeitura. Entre eles, Suleyman, que não sabe ler nem escrever. Ele teve de assistir ao apedrejamento de seu namorado, enterrado até a cabeça. Ele também foi condenado à morte.

Abdelkrim, um menino andrógino de 19 anos que quer ser "top model" e adora se vestir de menina, está especialmente contente: um dentista consertou seus dentes, que lhe haviam quebrado para castigá-lo por "se deixar montar como uma mulher". "Meus problemas surgiram quando eu tinha 12 anos e comecei a me maquiar", conta ele. "A tia que me criava decidiu então me proibir de sair. Na minha terra, se alguém descobre que você é gay deve denunciá-lo, senão também é punido."

Preso depois de um escândalo, Abdelkrim devia ser morto com um tiro na cabeça quando se tornasse maior. Ele conseguiu fugir graças à cumplicidade de um policial que simpatizou com ele. Outro namorado lhe forneceu um passaporte falso e a passagem de avião para Istambul.

Naquela manhã, junto com seus companheiros, ele vai buscar sua mesada na sede de uma ONG. "Vamos em grupo, assim os outros refugiados não ousam nos xingar", murmura. Na rua, os quatro fingem que não se conhecem. Eles escutam Rihanna em seus iPhones.

Esperando o ônibus que demora, Suleyman é interpelado por um homem que vem de seu país. Ele não responde. "Se ele vê que eu falo sua língua, vai nos filmar e postar no YouTube." Páginas inteiras localizam os refugiados homossexuais na Europa e incitam à violência contra eles. Nem mesmo aqui termina a caça aos gays.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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