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Viajando (literalmente) pela trilha da maconha no Colorado, nos EUA

O "turista da maconha" Jode Montiel, de Miami, fuma cigarro durante tour em Denver, no Colorado (EUA) - Ryan David Brown/The New York Times
O "turista da maconha" Jode Montiel, de Miami, fuma cigarro durante tour em Denver, no Colorado (EUA) Imagem: Ryan David Brown/The New York Times

Alan Feuer

18/04/2016 06h02

Estávamos em algum lugar ao norte de Denver, no Colorado (EUA), não longe da fazenda de maconha, quando meu vizinho no ônibus fretado tragou fundo em seu cachimbo e disse: "Sabe o que eu amo neste país? Que todo mundo se chapa".

Era um sujeito grande e barbudo que tinha vindo de sua fazenda de gado no Kansas, e embora não parecesse o tipo habitual para uma excursão de amantes de cannabis eu achei que ele tinha razão. Afinal, naquela tarde estavam conosco no ônibus um conjunto de americanos chapados dignos de Walter Whitman.

Lá estavam eles, dando baforadas em baseados sob as luzes vermelhas piscantes: um casal gay de Rhode Island, alguns profissionais de tecnologia multiétnicos de Atlanta, um grupo barulhento de homens brancos que acabara de chegar de Houston para uma festa de despedida de solteiro e uma mãe de 60 anos de Boston que tinha uma casa de praia nos Hamptons. Todo mundo se chapa.

Por motivos puramente profissionais, eu estava naquela altura um pouquinho menos que totalmente sóbrio e não deveria ter-me surpreendido que nosso passeio naquele dia --da fazenda à loja de suprimentos para fumar à refeição de guloseimas pós-fumo-- tivesse atraído um sortimento tão variado de maconheiros. Bem, mas realmente não é muito surpreendente o sucesso do turismo da cannabis no Colorado.

Imagine visitar o Vale do Napa, mas com erva em vez de vinho. A "corrida verde" do Estado, como todo mundo diz, é um empreendimento de US$ 1 bilhão (R$ 3,5 bilhões) de laboratórios de cultivo hidropônico e dispensários artesanais, mas a infraestrutura turística que surgiu para nos instigar e levar para ver tudo funciona segundo um princípio bastante simples: tudo é melhor quando você está chapado.

Ao iniciar minha exploração do setor turístico maconheiro do Colorado, pensei que uma certa quantidade de letargia estava incluída na ideia desde o início. Por isso passei a procurar algo mais extenso que um passeio de ônibus de duas horas com cervejas e baseados, mas nada tão completo quanto um retiro imersivo de Ganja Yoga.

Achei as opções estonteantes: nos dois anos desde que o Estado permitira a venda de erva para usuários recreativos, uma complexa economia havia brotado rapidamente. Amantes de esqui e maconha podem chegar às pistas nas montanhas em peruas fretadas que permitem o fumo, e os maconheiros que chegam podem agendar carros para apanhá-los no aeroporto por meio de serviços como THC Limo.

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Propaganda vende o Colorado com a ideia de que "tudo fica melhor se você estiver chapado"
Imagem: Tim Robinson/The New York Times

Há aulas de pintura chapada, trilhas chapadas na montanha e chefs chapados que preparam jantares de maconha com quatro pratos. Os visitantes podem usar apps de celular como Leafly e Weedmaps para encontrar vendedores próximos ou agendar seus cafés da manhã com baseados em sites como TravelTHC.

Afinal, escolhi um tour-amostra de três dias em Denver, oferecido pelo preço de US$ 1.295 (R$ 4.580), sem a passagem aérea, de uma das mais populares firmas de turismo maconheiro do Colorado, a My 420 Tours. Um atendente me ajudou a planejar o fim de semana, insistindo no tour gastronômico e na massagem particular com óleo medicinal de maconha.

Depois que marquei a viagem, passei algumas horas folheando na internet o Colorado Pot Guide (cursos de fumo em cachimbo d'água, aluguel de vaporizadores) e lendo os regulamentos relevantes. (Fumar em público? Não. Em um veículo comercial licenciado? Pode acender.) Mas então, durante semanas, não ouvi uma palavra da My 420. Quando eu começava a me perguntar se a coisa toda era real, chegou um e-mail com meu itinerário. "Chapou, Alan", começava a mensagem --e nesse ponto fiquei totalmente tranquilo.

Devo comentar desde o início que não sou um grande fumante. Enquanto o bourbon não dura muito na minha prateleira, eu fumo maconha no máximo algumas vezes por ano. Foi por isso que apreciei o primeiro evento do fim de semana: uma orientação com um "sommelier" de cannabis. Então eu já tinha feito o check-in no hotel no centro, o Crowne Plaza Denver, onde um atendente piscante me entregou um grande vaporizador metálico, chamado de unidade "in-room". Sozinho, lá em cima, eu o peguei para experimentar. Eram só 9h.

Assim, depois de alcançar o estado de espírito adequado, desci para encontrar um homem chamado Mike Metoyer, que, como me haviam dito, serviria durante o fim de semana como meu guia espiritual da cannabis. Metoyer estava no saguão, esperando-me com uma camiseta da My 420 com um logotipo de folhas de erva e montanhas. Ele se apresentou e me entregou uma sacola de pano. Vi que esta continha um pequeno vaporizador para uso fora do quarto, um exemplar recente da "Dope Magazine" e --por causa da poderosa erva cultivada em Denver-- um vidro de óleo de lavanda destinado a me acalmar caso eu tivesse um acesso de pânico.

Como quase todo mundo que encontrei no negócio local de maconha, Metoyer, que tem 22 anos e foi criado na Igreja Pentecostal, havia chegado à erva recentemente. Alguns anos antes, disse-me ele enquanto seguíamos para o salão de baile, trabalhava como guia em uma mina de prata nas montanhas quando J.J. Walker, o fundador da My 420, esteve lá em uma de suas viagens. Parece que Walker ficou impressionado e ofereceu um emprego a Metoyer. 

"Eu não acreditei de início que 'guia de turismo da erva' fosse um cargo de verdade, você sabe...", disse ele. "Mas, como pode ver, evidentemente é."

À nossa espera no salão de baile estava nosso "sommelier", Michael Pyatt, diretor de treinamento na Native Roots --"a Gucci dos dispensários", sussurrou Metoyer enquanto nos sentávamos a uma mesa. Pyatt é um homem alto e magro de 27 anos, ex-vendedor da Best Buy. Seu conhecimento do produto, acumulado ao longo de anos de pesquisa pessoal, era exaustivo, e em poucos minutos ele tinha coberto nossa mesa de pequenos recipientes plásticos com erva.

Ele encontrou um pacote de sua marca favorita, a Jellybean, e disse-me com uma ligeira lambida nos lábios: "Esta dá um grande barato --é a erva perfeita para o dia". A My 420 não tem licença para vender maconha e não pode dar amostras a seus clientes, mas um esquema foi rapidamente arranjado. Metoyer perguntou se eu tivera a oportunidade de provar o pequeno vaporizador na minha pequena sacola.

Quando eu lhe disse que não, Pyatt pegou um broto florido de Jellybean e se ofereceu para ajudar: "Eu poderia, hum... demonstrar para você, se quiser".

maconha salteada - Ryan David Brown for The New York Times - Ryan David Brown for The New York Times
Maconha é salteada em frigideira em aula de culinária
Imagem: Ryan David Brown for The New York Times

Uma vantagem de um pacote de cannabis com tudo incluído da My 420 era um carro fretado com motorista. Na véspera, quando cheguei ao Aeroporto Internacional de Denver, um enorme Chevrolet Suburban me esperava junto à calçada. Ao subir, encontrei bancos de couro, um odor de erva "skunk" e, atrás do volante, um homem chamado Tariq Williams. Ele se tornou meu acompanhante no fim de semana, levando-me a vários eventos, como o seguinte: uma aula de cozinha com cannabis.

Percebi um fenômeno semelhante na Escola de Culinária Stir, na área de Highlands, um lugar de aparência muito Martha Stewart --paredes de tijolos à vista, assoalhos de tábuas largas-- que tinha embarcado recentemente na onda de ensinar turistas a cozinhar com óleo de maconha. Nossa aula naquela manhã era dada por um formado na Escola de Culinária Johnson & Wales, Travis French, que nos instruiu no preparo de tacos de frango com erva, guacamole com erva e jicama, uma espécie de nabo, ralado com tempero de erva.

Os alunos eram outra turma eclética --de um modo chique, gourmet: um casal dono de um dispensário de erva na Califórnia, um casal de lésbicas amantes de maconha de Fort Lauderdale e alguns acadêmicos casados em férias secretas de sua pequena faculdade católica no centro-oeste.

Eu me vi em uma estação de trabalho com dois casais: Jason Lewis, um chef de 43 anos, e Holly Gulbranson, 36, uma cabeleireira que veio de Atlanta comemorar seu aniversário; e Scottie e Lauren Long, um jovem músico casado com uma vendedora de seguros de Orlando que estavam em lua-de-mel. Todos disseram ter vindo ao Colorado por causa da maconha.

"Scottie não bebe, por isso quisemos ir a um lugar onde os dois pudéssemos nos divertir", disse-me Long. "O casamento foi para todo mundo, mas a lua-de-mel é nossa."

Neste inverno, um estudo encomendado pelo Escritório de Turismo do Colorado descobriu que quase a metade de todos os pesquisados disse que as leis frouxas sobre maconha do Estado tinham influenciado sua decisão de visitá-lo. Enquanto autoridades afirmaram que a pesquisa era enganosa --ela não perguntou se a influência era positiva ou negativa--, a julgar pela aula de cozinha a erva já se somou ao esqui e às microcervejarias como uma das atrações turísticas do Colorado.

Lewis e Gulbranson já tinham feito o tour por vários restaurantes de Denver e pretendiam viajar a Pagosa Springs, mas o denominador comum em sua movimentação pelo Estado era a maconha. Lewis, um antigo entusiasta da erva, disse-me que era simplesmente bom estar em um lugar onde não precisava esconder seu hábito.

"Nós moramos na Geórgia", explicou Gulbranson.

selfie - Ryan David Brown/The New York Times - Ryan David Brown/The New York Times
Makeisha Bickley, de Terre Haute (Indiana), faz uma selfie diante de plantação de maconha
Imagem: Ryan David Brown/The New York Times

Foi a mesma coisa com os Long. Na Flórida, disseram eles, preocupavam-se o tempo todo em fumar na rua ou ser apanhados com um baseado no porta-luvas, mas em Denver podiam se sentar no quintal em seu condomínio "amigo da erva" e fumar um baseado à vista dos vizinhos.

"No início foi um pouco estranho, porque estávamos tão acostumados a nos esconder", continuou Long. "Mas quando saímos do aeroporto eles nos deixaram fumar no carro. Os dois ficamos espantados: 'Puxa vida, no carro!'"

Talvez eu simplesmente goste de bebida, mas devo dizer que não entendi. Quer dizer, entendi: era bacana se chapar sem o medo de ser perturbado pela polícia. Mas era realmente algo em torno do qual planejar suas férias? Entendo que as pessoas façam excursões para tomar vinho, mas falando de modo geral elas não abrem garrafas no minuto em que saem da recepção de bagagens.

Quando pensei nisso depois, ocorreu-me que talvez eu estivesse reagindo à venda forçada que o pessoal da maconha de Denver estava impondo a esses pobres forasteiros reprimidos, o modo como seu desejo sufocado por maconha estava sendo transformado em mercadoria.

Quanto mais tempo passei em Denver, mais notei isso. Para todo lugar que você olhasse havia pequenas promoções espertas: gaste US$ 20 no dispensário A e ganhe um cupom para uma bebida grátis no restaurante B; gaste US$ 20 no restaurante B e ganhe um cupom para um baseado de US$ 1 no dispensário A. Na internet era ainda mais onipresente. Clique em CannaSaver.com e as ofertas o agarram pelo pescoço: 50% de desconto nos produtos Red Dot Edibles! Compre dois cartuchos de óleo de maconha para vaporizador e ganhe uma bateria grátis!

A certa altura, comecei a desconfiar que os magnatas da indústria do barato na cidade estavam chapando seus clientes principalmente com o objetivo de aliviá-los de seu dinheiro. "Fiquem à vontade para encher esses cachimbos, pessoal... alguém aí, enrole um petardo!", nosso guia no ônibus nos encorajava enquanto embarcávamos para o passeio. Isso foi algumas horas depois da aula de culinária, e os que participaram dos dois eventos já estavam exaustos. Mas a exortação para fumar mais maconha --a caminho de um laboratório da erva-- era simplesmente instigante demais para não ceder.

Quando chegamos ao laboratório, meus colegas de tour saíram tropeçando do ônibus e ficaram por um instante no estacionamento olhando para o prédio de 40 mil m2 como se fosse o Vaticano. "Puxa, cara!", murmurou o pecuarista com um lento balanço da cabeça enquanto entrávamos. Lá, encontramos Meg Sanders, executiva-chefe da Mindful, a companhia que opera o laboratório. Conhecendo seu público, Sanders nos disse que o local abrigava 8 mil plantas de 50 variedades diferentes. Isto provocou um silêncio assombrado dos maconheiros, no qual ela acrescentou, acenando para nós: "Tudo bem, vamos voltar à Disneylândia".

Na manhã seguinte, depois de visitar a academia do hotel, tomei um "brunch" com Danny Schaefer, executivo-chefe das Pioneer Industries, matriz da My 420. Querendo que eu tivesse "a experiência completa", Schaefer me aconselhou a "consumir" antes da refeição --se eu perdesse algum detalhe técnico, ele me passaria depois.

Isso foi simpático, mas eu me ative ao cardápio do restaurante, escutando enquanto ele falava sobre o crescimento dos negócios da My 420. Em 2015, seu segundo ano de operação, a empresa recebia de 300 a 600 clientes por semana, disse ele, com um valor médio de bilhete a US$ 650 (R$ 2.300). Neste ano as vendas de bilhetes tinham aumentado 35%, disse ele.

Schaefer continuou dizendo que o "turismo do tabu" era apenas uma parte da economia local da maconha, que, acrescentou, incluía empresas de embalagem, rotulagem e iluminação, para não falar em firmas de advocacia, consultorias e --como a indústria só usa dinheiro vivo-- firmas de segurança com armamento pesado. Foi então que ele me disse que o objetivo final das Pioneer Industries era unir esses negócios em um único lobby e assim transformar o Colorado no principal destino de férias para maconheiros do país.

"Nós temos esqui, trilhas, microcervejarias", disse ele, "e já somos a Cidade do Grande Barato."

Mas conquistar esse trono vai exigir uma competição com Estados como Washington, que legalizou a erva recreativa em 2012, e Oregon, que fez o mesmo em uma base ligeiramente mais restritiva em 2014. Também exigirá a cooperação das autoridades estaduais de turismo, que pelo menos até agora não adotaram a visão do Colorado como a Terra Prometida da maconha.

"Para a maioria dos viajantes, a maconha é uma questão entediante", disse Cathy Ritter, diretora do Escritório de Turismo do Colorado. "É um segmento muito pequeno de nossa população turística."

Quando falei com ela ao telefone, Ritter admitiu que não tinha usado verbas do Estado para promover o turismo da maconha porque a maior parte dos fundos seria usada fora do Colorado, e, como ela explicou, "isso seria claramente uma infração federal".