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Arquivos secretos da Venezuela apresentam relação de confidente de Maduro com o tráfico de drogas

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (à dir.), cumprimenta o então vice-presidente, Tareck El Aissami, durante encontro com governadores em Caracas - Divulgação/Governo da Venezuela/The New York Times - 14.fev.2017
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (à dir.), cumprimenta o então vice-presidente, Tareck El Aissami, durante encontro com governadores em Caracas Imagem: Divulgação/Governo da Venezuela/The New York Times - 14.fev.2017

Nicholas Casey

03/05/2019 09h38

Ele é um dos líderes mais poderosos do governo venezuelano, um linha-dura que reprimiu protestos, confrontou rebeldes e tem sido uma presença constante ao lado de Nicolás Maduro, o presidente autoritário do país.

Mas por anos, Tareck El Aissami, um dos principais confidentes de Maduro, tem sido alvo de investigações pela agência de inteligência de seu próprio país por seus laços com o submundo do crime.

Segundo um dossiê secreto compilado por agentes venezuelanos, El Aissami e sua família ajudaram a trazer clandestinamente militantes do Hizbollah para o país, manteve negócios com um chefão do narcotráfico e protegeu 140 toneladas de substâncias químicas para uso na produção de cocaína, o que o ajudou a se tornar um homem rico enquanto o país mergulhava no caos.

Com sua economia em farrapos e seu povo passando fome, a Venezuela está em meio a uma luta desesperada pelo controle do país. Os líderes de oposição estão pedindo por um levante, enquanto as autoridades civis e militares do país se recusam a abrir mão do poder, exibindo uma demonstração unida de força contra os protestos nas ruas.

Mas os documentos da inteligência oferecem uma janela incomum para quão fraturados e nervosos se tornaram os serviços de segurança do país, particularmente para a corrupção nos mais altos escalões do governo.

El Aissami, um ex-vice-presidente que agora é ministro da Indústria de Maduro, há muito está na mira dos investigadores americanos. Ele foi indiciado em março em um tribunal federal de Nova York e há dois anos teve sanções impostas pelo Departamento do Tesouro americano, acusado de trabalhar com o narcotráfico.

Ele e Maduro criticaram as acusações como parte de uma guerra de propaganda promovida pelo governo Trump para derrubada do governo esquerdista da Venezuela.

Mas a própria agência de inteligência da Venezuela, que El Aissami já controlou, levantou ainda mais alarmes a respeito dele e de sua família ao longo de mais de uma década, colocando suas preocupações em um dossiê de documentos, resultados de investigações e transcrições de entrevistas com narcotraficantes.

O dossiê, fornecido ao "New York Times" por uma ex-autoridade da inteligência venezuelana e confirmado de forma independente por uma segunda, narra o depoimento de informantes acusando El Aissami e seu pai de recrutarem membros do Hizbollah para ajudarem a expandir as redes de espionagem e narcotráfico na região.

O Hizbollah é considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e autoridades americanas dizem que o grupo há muito tem presença na América do Sul, onde ajuda a lavar dinheiro das drogas. Em 2008, o Departamento do Tesouro impôs sanções a outro diplomata venezuelano, o acusando de levantar dinheiro para o Hizbollah e de ajudar seus membros a viajarem para o país.

Mas El Aissami e seu pai, Carlos Zaidan El Aissami, um imigrante sírio que trabalhou com o Hizbollah em visitas ao seu país natal, também pressionaram para trazer o Hizbollah para a Venezuela, segundo o dossiê.

Informantes disseram a agentes da inteligência que o pai de El Aissami esteve envolvido em um plano para treinamento de membros do Hizbollah na Venezuela, "visando expandir as redes de inteligência por toda a América Latina e ao mesmo tempo trabalhar no tráfico de drogas", dizem os documentos.

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El Aissami contribuiu para o plano, acrescenta o dossiê, usando sua autoridade sobre os vistos de residência para emitir documentos oficiais para os militantes do Hizbollah, permitindo a permanência deles no país.

Se o Hizbollah implantou sua rede de inteligência ou rotas de drogas na Venezuela não é tratado no dossiê. Mas ele afirma que os militantes do Hizbollah se estabeleceram no país com a ajuda de El Aissami.

El Aissami agiu como facilitador para o submundo também de outras formas. Os documentos dizem que seu irmão, Feraz, manteve negócios com o mais notório chefão das drogas da Venezuela, Walid Makled, e manteve quase US$ 45 milhões em contas bancárias na Suíça.

O próprio El Aissami manteve ligações com o chefão das drogas, dizem os documentos, notando que ele concedeu grandes contratos do governo para uma empresa ligada a Makled.

E enquanto o país caminhava para o colapso econômico, forçando milhões a fugirem da Venezuela e de sua escassez perigosa de alimentos e medicamentos, El Aissami se tornou um homem rico, diz o dossiê.

Usando um laranja atualmente sob sanções americanas, El Aissami comprou um banco americano, partes de uma construtora, uma participação acionária em um shopping center panamenho, terras para um resort de luxo e numerosos projetos imobiliários venezuelanos, incluindo uma "mansão de milionário" para seus pais, segundo os documentos.

El Aissami não respondeu a um pedido por escrito de entrevista e nenhuma acusação foi impetrada contra ele na Venezuela por tráfico de drogas ou corrupção.

Mas em 8 de março, os Estados Unidos retiraram a confidencialidade de seu indiciamento contra El Aissami, o tornando o segundo membro do Gabinete de Maduro a ser indiciado por tráfico de drogas.

Néstor Reverol, o atual ministro do Interior do país, também foi indiciado. E em 2017, dois sobrinhos da esposa de Maduro, Cilia Flores, foram sentenciados a 18 anos em uma prisão americana, após tentarem traficar 800 quilos de cocaína.

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O governo americano disse que El Aissami estava profundamente envolvido no narcotráfico quando sanções foram impostas a ele em 2017, congelando seus ativos juntamente com os de Samark López, o acusado de ser seu laranja. Ele disse que El Aissami supervisionou ou foi dono em parte de cargas de narcóticos pesando mais de uma tonelada, administradas por uma rede internacional de empresas para ajudar a lavar os lucros, e de estabelecer uma aliança com Makled, o narcotraficante.

Mas os promotores americanos nunca revelaram as evidências no caso.

Os memorandos de inteligência venezuelanos examinados pelo "Times" oferecem alguns dos detalhes mais concretos sobre como uma das famílias mais poderosas do país construiu seu império, esboçando uma saga familiar que se estendia da Síria à Venezuela, do narcotráfico ao círculo interno do presidente.

Uma das trilhas levou a uma estrada isolada próxima da fronteira da Venezuela com o Brasil.

Um oficial da guarda nacional entrevistado em uma batida em 2004 disse aos promotores sobre um conjunto de "depósitos que estavam decrépitos, parecendo abandonados".

Mas o local não estava vazio. Estava sendo usado para armazenar substâncias químicas, incluindo 140 toneladas de ureia, uma substância precursora usada para produção de cocaína, segundo documentos da inteligência venezuelana.

A ureia era uma substância controlada na Venezuela e os donos inicialmente não puderam apresentar licenças para as substâncias químicas suspeitas, disseram os documentos. Um investigador da polícia disse aos promotores que apesar de que a ureia supostamente seria vendida como fertilizante, a explicação era suspeita pois não há agricultura na região.

E então havia o dono das substâncias químicas: Makled, o narcotraficante.

A batida foi o início do fim do chefão das drogas venezuelano, que é procurado para extradição para os Estados Unidos. A DEA, a agência de combate às drogas americana, começou a construir casos contra ele por tráfico de drogas com a ajuda de altas autoridades. Makled foi capturado seis anos depois e sentenciado em 2015 a 14 anos de prisão na Venezuela por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Mas outro homem no centro do caso foi aparentemente ignorado: Haisam Alaisami, outro parente de El Aissami, que disse aos promotores que era o representante legal da Makled Investments, a empresa de Makled. Duas pessoas com conhecimento da família o identificaram como primo de primeiro grau de El Aissami.

Ele não pôde oferecer nenhuma informação sobre quem eram os compradores potenciais da ureia e os investigadores acabaram encaminhando o caso para a divisão de narcóticos da agência criminal e forense da Venezuela por "suspeita de contrabando", segundo documentos da polícia incluídos no dossiê da inteligência.

Nem Makled e nem Alaisami responderam aos pedidos por escrito por comentários.

Mas Alaisami contava com um parente poderoso em El Aissami, que foi criado com ele na Venezuela juntamente com outros membros do clã que chegaram da Síria.

Enquanto as investigações prosseguiam nas agências do Estado, a estrela da El Aissani ascendia nos círculos políticos esquerdistas. Ele passou de confidente do irmão do presidente Hugo Chávez para legislador pelo Partido Socialista do governo e depois a ministro do Interior em 2008.

Foi naquele ano que uma empresa de propriedade da companhia estatal de petróleo, Petróleos de Venezuela, interveio: ela escreveu uma carta dizendo ser responsável pelas substâncias químicas.

Nenhuma acusação foi impetrada contra Makled ou Alaisami no caso. Documentos dos promotores parecem mostrar que a carga de ureia até mesmo foi devolvida para Makled, que intensificou seu negócio de tráfico de drogas na Venezuela e na Colômbia.

Outras pessoas da família El Aissami também buscavam fazer negócios com Makled.

Em algum momento antes de 2010, Makled foi abordado pelo irmão de El Aissami, Feraz, para fornecimento de uma grande soma de dinheiro a uma importadora baseada no Panamá, segundo um briefing de inteligência no dossiê. O dinheiro do chefão das drogas serviria para compra de um navio petroleiro para ser usado em um contrato com a companhia estatal de petróleo.

Ambos os irmãos El Aissami pareciam profundamente envolvidos no negócio, segundo o documento. Feraz e um sócio eram os rostos públicos da empresa, enquanto Tareck, de seu posto como ministro do Interior do país, conseguia contratos lucrativos do governo para eles, sem licitação, para fornecimento de provisões para as prisões da Venezuela, segundo o relatório da inteligência.

Uma terceira figura ligada ao negócio adicionava suspeita à importadora: López, o homem que as autoridades americanas disseram auxiliar a rede de narcotráfico de El Aissami e que servia como seu laranja.

O relatório da inteligência também inclui extratos de contas do banco HSBC ligadas ao irmão de El Aissami, Feraz, totalizando quase US$ 45 milhões, dinheiro que ele diz estar ligado a Makled, o narcotraficante.

O HSBC encerrou as contas de Feraz após a prisão de Makled por acusações de tráfico de drogas, segundo documentos da inteligência.

O dossiê conclui com depoimentos de informantes sobre os laços da família com o Hizbollah, delineando o esforço para recrutar militantes capazes de estabelecer uma rede de drogas e informações por toda a América Latina.

Uma das fontes da informação era o chefão das drogas, Makled, que descreveu o envolvimento de El Aissami no esquema, segundo o memorando da inteligência.

Não foi a única vez que El Aissami foi acusado de auxiliar o Hizbollah e Makled. Autoridades americanas, e algumas venezuelanas, fizeram alegações semelhantes, apesar de El Aissami ter negado envolvimento com grupos militantes no passado, mesmo após reportagens na mídia de notícias.

Mas autoridades da inteligência venezuelana acreditam ter evidência do contrário. O dossiê termina com referências a fotos de pessoas que "pertencem ao grupo terrorista acima mencionado".