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Baratas mudam sabor de açúcar para amargo para evitar iscas venenosas

A cabeça de uma barata macho mostra os pelos que sentem "gosto". Eles se estendem por sua face, antenas e boca e contêm detectores de doces e amargos, o que ajuda algumas baratas a evitar armadilhas com glicose - Ayako Wada-Katsumata e Andrew Ernst
A cabeça de uma barata macho mostra os pelos que sentem "gosto". Eles se estendem por sua face, antenas e boca e contêm detectores de doces e amargos, o que ajuda algumas baratas a evitar armadilhas com glicose Imagem: Ayako Wada-Katsumata e Andrew Ernst

James Gorman

Do New York Times

24/05/2013 06h00

Todo mundo sabe que as baratas são as sobreviventes supremas, com truques evolutivos suficientes sob suas carapaças para prosperarem por 350 milhões de anos e terem se adaptado completamente à espécie humana.

Mas a natureza da adaptação que os pesquisadores na Carolina do Norte descreveram na quinta-feira, na revista "Science", é impressionante até mesmo para uma linhagem ancestral impossível de erradicar, disseram os especialistas. Algumas populações de baratas desenvolveram uma defesa simples e altamente eficaz contra iscas venenosas doces: elas mudaram sua química interna para que a glicose, que é um chamariz doce para inúmeras formas de vida, tenha sabor amargo.

A forma como os sentidos das baratas mudaram, dizem os especialistas, é um exemplo elegante de rápida mudança evolutiva no comportamento, e oferece para a indústria multibilionária de controle de pragas um entendimento dos segredos do inimigo, talvez até revelando algumas pistas para a luta contra os mosquitos transmissores da malária, que são muito mais perigosos para a saúde humana que as baratas.

"Esta é uma descoberta fantástica", disse Walter S. Leal, chefe do departamento de entomologia da Faculdade de Ciências Agrícolas e Ambientais da Universidade da Califórnia, em Davis. (Leal não participou da pesquisa.)

"Às vezes a ciência é linda, mas você não sabe se haverá alguma aplicação daqui cinco, 10 ou mesmo 100 anos", ele disse. Neste caso, ele disse, o impacto é tanto fundamental quanto prático.

Ayako Wada-Katsumata, Jules Silverman e Coby Schal, todos da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que escreveram o artigo para a "Science", buscaram explicar um fenômeno bem conhecido: algumas populações de baratas alemãs (aquelas que os moradores de apartamento veem correndo pela cozinha à noite) evitam as iscas venenosas envoltas em glicose, que deveriam atraí-las.

Esse comportamento, descoberto por Silverman, "começou a surgir no início dos anos 90", disse Jim Fredericks, entomologista chefe da Associação Nacional de Gestão de Pragas, logo após exterminadores –que agora preferem ser chamados de profissionais de gestão de pragas– começaram a usar iscas venenosas em vez de borrifação como principal método de combate às baratas. Para contornar o problema, o setor desenvolveu novas iscas, mas a mudança no comportamento das baratas era um enigma.

Grzegorz Buczkowski, um entomologista da Universidade Purdue que não esteve envolvido na pesquisa, disse que o setor sempre desenvolve novos venenos, porque as baratas e outras pragas se tornam resistentes aos seus efeitos, assim como as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos.

"Nós perdemos iscas o tempo todo", ele disse.

Neste caso, entretanto, o problema não foi o veneno ter perdido o efeito. As baratas apenas passaram a evitar qualquer isca contendo glicose.

Silverman mostrou que esse comportamento foi herdado, não algo que uma barata individual aprendeu durante sua breve vida. E poucos anos atrás, os pesquisadores da Carolina do Norte decidiram investigar o que causou a mudança.

Em vez de botões gustativos, as baratas têm pelos gustativos em muitas partes do seus corpos. Os três pesquisadores da Carolina do Norte se concentraram nos situados ao redor da área da boca e em dois tipos de células nervosas que sentem sabores e respondem disparando sinais elétricos ao cérebro. Um responde apenas aos açúcares e outras substâncias doces; o outro responde apenas a substâncias amargas. Sempre que uma molécula de algo doce se liga a um detector doce, ele dispara impulsos elétricos e o cérebro da barata sente doçura, que faz com que queira comer o que está sentindo o sabor. Sempre que uma molécula de algo amargo se liga ao detector amargo, essa célula dispara e o cérebro sente o amargor, o que faz com que a barata evite a substância.

Mas de algum modo as baratas mudaram, de modo que a glicose fez o detector de amargo disparar.

"Basicamente", disse Buczkowski, "quando as baratas experimentam glicose, elas são repelidas por ela porque passou a ter gosto amargo".

Schal disse que o próximo passo é descobrir os detalhes da mutação genética que ocorreu. Talvez uma mutação tenha mudado as moléculas que detectam as substâncias amargas, para que também passassem a ser sensíveis à glicose. Ou algum tipo diferente de mutação fez com que os neurônios dedicados ao amargo passassem a ter detectores normais de glicose, que antes não existiam nesses neurônios –uma mudança que também faria os insetos registrarem a glicose doce como amarga.

A pesquisa pode ser relevante muito além do controle de baratas, talvez ajudando a explicar o comportamento dos mosquitos responsáveis pela malária, disse Schal.

"O mosquito mudou seu comportamento", ele disse, "não mais descansando nas paredes tratadas com inseticida. Em vez disso, ele passou a descansar no teto, ou tende a descansar nas paredes externas, que não são tratadas com inseticida.

"Nós ainda não entendemos o mecanismo celular, neural, responsável por essa mudança de comportamento do mosquito", ele disse, de modo que a abordagem que produziu resultados com a barata pode oferecer entendimentos úteis.