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Vitoriosos na Tunísia buscam acalmar os temores das mulheres

Heba Saleh

Em Túnis (Tunísia)

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  • Lionel Bonaventure/AFP

    Mulher observa cartazes de candidatos a presidente em Túnis, capital da Tunísia

    Mulher observa cartazes de candidatos a presidente em Túnis, capital da Tunísia

Suad Abd al Rahim, uma mulher tunisiana alta e elegante de 47 anos com cabelos encaracolados tingidos de ruivo, não é a ideia de alguém da aparência de uma política islamita. Mas a empresária, que diz não ter planos de usar o lenço de cabeça islâmico, acabou de ser eleita para a nova Assembleia Constituinte da Tunísia pelo Ennahda, um partido islâmico que despontou como a força política mais forte no país. “A minha escolha como candidata é um compromisso do Ennahda de que ele apoia o modernismo, que não imporá lenço de cabeça às mulheres e que não impedirá que as mulheres tenham empregos”, ela disse. “Eu personifico todos esses compromissos. (...) Se o Nahda recuar deles, eu serei a primeira a me opor.” Após 22 anos de repressão sob o regime de Zein al Abidine Ben Ali, o ex-presidente derrubado por um levante popular neste ano, o Ennahda realizou um retorno poderoso, conquistando 90 das 217 cadeiras segundo os resultados finais da eleição desta semana. Agora como o maior partido na nova assembleia que redigirá a Constituição democrática do país, ele deverá liderar a coalizão de governo. Mas o retorno triunfante dos islamitas incomodou muitas mulheres tunisianas, que temem que o Ennahda tomará delas os direitos legais há muito estabelecidos, alguns não encontrados em nenhum outro lugar no mundo árabe. A forte tradição secular da Tunísia e sua história de relativa igualdade de gênero remonta Habib Bourguiba, o presidente fundador, que transformou os direitos da mulher em lei. Muitos os consideram essenciais para a identidade nacional e eles estão no centro do nervosismo secular com o novo governo. Rachid al Ghannouchi, o líder do Ennahda, tem buscado acalmar os temores. “Todas as tentativas dos países árabes de forçar as mulheres a vestirem o hijab (o lenço de cabeça islâmico) fracassaram e tiveram o resultado oposto”, ele disse. “O Ennahda não mudará o modo de vida. Ele deixará isso aos cuidados das mulheres tunisianas.” “As mulheres sem dúvida farão parte do novo governo, independente de usarem véu ou não.” As leis de igualdade tunisianas diferem de todo o mundo árabe. A poligamia, por exemplo, é permitida no Islã –um homem pode ter até quatro esposas– mas é proibida na Tunísia. As mulheres na Tunísia têm fácil acesso ao divórcio por meio da Justiça e o direito irrestrito do homem de repudiar sua esposa, segundo o Islã, é restringido pela necessidade de obtenção de aprovação por um juiz. “Nosso temor pelos direitos das mulheres é legítimo porque estamos em uma encruzilhada”, disse Maya Jribi, secretária-geral do Partido Democrático Progressivo, que foi eleita para a Assembleia Constituinte. Ela disse que encontrou pessoas que apoiam o Ennahda e que culpam as mulheres pelo desemprego (porque elas ocupam empregos que deveriam ser dos homens). A queda de Ben Ali e o retorno do Ennahda marcam o fim de um capítulo na história tunisiana, no qual o Estado não apenas abraçava o secularismo, mas também atacava os cidadãos que exibiam sinais de religiosidade. Os homens que iam à mesquita para as orações da manhã costumavam ser presos e as mulheres que cobriam seus cabelos enfrentavam discriminação. Apesar das denúncias de defensores dos direitos humanos, as autoridades tunisianas persistiam no que os críticos consideravam como um artifício para passar ao Ocidente a imagem de moderno, e para justificar a repressão à oposição islamita. Dez meses após o fim do regime de Ben Ali, os resultados da eleição revelam o desejo de muitos de recuperar o lado islâmico de sua identidade. Nas ruas de Túnis, as mulheres com lenços de cabeça já parecem mais numerosas do que há um ano. Também perceptíveis são os salafistas, os islamitas ultraconservadores, cujas mulheres cobrem o rosto com véus e os homens deixam crescer barbas longas. Uma força pequena, mas cada vez mais ruidosa, eles também fazem parte do novo mosaico da sociedade, e alguns temem que eles pressionarão os líderes políticos a se afastarem do liberalismo. “O Ennahda está tentando tranquilizar as pessoas e as mulheres em particular”, disse Sana Ben Ashour, uma professora de Direito e integrante da Associação das Mulheres Democráticas. “Mas sempre haverá um teto (de liberdades) que um movimento islamita não poderá ultrapassar. Assim, sem termos medo do futuro, nós dizemos que continuaremos lutando pela igualdade.” Tropas dispararam no ar na sexta-feira para dispersar uma multidão que atacou as repartições do governo em Sidi Bouzid, onde há 10 meses o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo a si mesmo em um protesto que desencadeou as revoltas por todo o mundo árabe, informou a agência de notícias “Reuters”. Os distúrbios de sexta-feira estavam ligados à eliminação da cédula eleitoral de um ex-apoiador de Ben Ali, devido a supostas violações no financiamento da campanha.

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