Doria e França trocam ofensas em debate quente com clima de torcida

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

DORIA E FRANÇA BATEM BOCA COM MICROFONE DESLIGADO

O tom bélico com troca de acusações, tendo como pano de fundo os apoios na disputa presidencial, e um clima de torcida organizada, por parte da plateia, marcaram, na noite desta quinta-feira (18), o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos ao governo de São Paulo, o ex-prefeito João Doria (PSDB) e o governador Márcio França (PSB), realizado pela TV Bandeirantes. O cenário presidencial, disputado entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), serviu para que os candidatos à sucessão paulista se atacassem com acusações de mentira, traição e um ríspido "Me escute enquanto eu estiver falando", disparado pelo tucano.

O tucano repetiu a estratégia feita no horário eleitoral, em que tenta colar a sua imagem à de Bolsonaro, reforçou o discurso antipetista e chamou várias vezes o adversário de "socialista" durante o encontro. Já o pessebista tratou Doria como "traidor", rótulo sugerido por Geraldo Alckmin (PSDB) ao ex-prefeito de São Paulo durante reunião da Executiva do partido no último dia 9, e ainda acusou de o adversário de ser "um aproveitador" por se aproximar de Bolsonaro e usar os nomes dos filhos em vão na promessa que ficaria por quatro anos na prefeitura da capital. Doria deixou o cargo após um ano e três meses.

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Foi comum também durante o debate os candidatos se chamarem de "mentirosos" e falarem que o "adversário precisa estudar" ou "falar a verdade". Ambos também deram informações que lhe interessavam sobre as pesquisas recentes. O tucano reforçava que estava na frente de todas as pesquisas (ele lidera no Datafolha por 53% a 47% dos votos válidos, mas o Ibope aponta empate técnico com Doria tendo 52% e França com 48%), e o pessebista enaltecia o fato de vencer na cidade de São Paulo (o Ibope apontou vantagem de 63% a 37% para França)

PT vira motivo de discussão

Em um dos principais embates, Doria mencionou o apoio do partido de França ao PT em ocasiões como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e durante a eleição de Haddad à prefeitura, em 2012, quando era secretário do governo anterior de Geraldo Alckmin (PSDB) – de quem o pessebista se tornaria vice no mandato posterior. O tucano recordou ainda apoios do oponente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem mencionou como "presidiário" (o petista cumpre condenação de 12 anos no âmbito da Operação Lava Jato), e questionou o candidato sobre que conselhos daria a quem já se aliou no passado.

A resposta de França veio com a primeira acusação que marcou o debate. "Se eu tivesse que dar um conselho para ele, eu diria o seguinte: 'Não empresta mais dinheiro para o João Dória.' Ele emprestou para você R$ 44 milhões do BNDES para você comprar um jatinho. Você acha que as pessoas precisam disso?", retrucou França. "Eu não apoiei o Haddad, eu apoiei você, eu fui uma das pessoas que te ajudou a eleger você", complementou o candidato à reeleição, lembrando da eleição de 2016 de Doria, em que ajudou a costurar a coligação que o elegeria em primeiro turno.

França também mencionou aporte de recursos que Doria teria feito a candidatos da esquerda, como a hoje vice de Haddad e atual deputada estadual Manuela D'Ávila (PCdoB) e o ex-deputado federal e ex-ministro José Eduardo Cardozo (PT), em ocasiões passadas. "Você não tem vergonha de falar tudo isso na frente de todo mundo, e depois você mesmo falar que você mesmo ajudou as pessoas, João?", questionou França.

Os embates entre os adversários acabaram tirando gritos da plateia, composta, essencialmente, por assessores e aliados políticos. As sequenciais interrupções geraram restituições de tempo e irritaram, em mais de uma ocasião, o mediador do debate, o jornalista Fabio  Pannunzio. "Por favor. Vamos deixar os candidatos falarem, vamos?", pediu. "Eu espero que os dois cheguem vivos ao final do programa", completou, em outra ocasião. No segundo bloco, as manifestações continuaram e levaram Pannunzio a ameaçar os convidados de expulsão, caso o comportamento não melhorasse.

Bolsodoria e Lava Jato

A associação de Doria a Bolsonaro também ganhou relevância no debate –pelos dois adversários. O tucano, que reforçou a marca "Bolsodoria", que vem enfatizando desde o início do segundo turno, disse que seu plano econômico ia ao encontro das "propostas liberais" feitas pelo economista Paulo Guedes, guru econômico de Bolsonaro e que já foi apontado pelo presidenciável como eventual ministro da Economia, caso seja eleito.

A tática foi rebatida por França, que viu na estratégia uma forma de o rival aproveitar-se da popularidade do candidato do PSL. "Eu já disse, você não é Bolsonaro, você é o 'bolso seu', tudo o que interessa a você, do seu jeito, você acha que dá para fazer. Se for agora, se o Lula sair da cadeia amanhã, ficar na frente das pesquisas, você se agarra nesse Lula também. Você se agarrou no Bolsonaro, você falou mal desse Bolsonaro, xingou o Bolsonaro, disse que ele era um extremo, que ia ser um desastre para o Brasil -- nem acabou a eleição, você se agarrou nesse Bolsonaro, não é?", apontou França. "E esse coitado fugindo de você lá no Rio de Janeiro, não é?", citou, sobre a tentativa de encontro, semana passada, no Rio, entre Doria e Bolsonaro.

"Minha história é diferente da sua, eu construí a minha história no setor privado trabalhando duro, nunca dependi de partido, nunca dependi de dinheiro público, nunca fiz carreirismo, nunca assinei campanha junto com o José Dirceu, nunca elogiei o Lula, nunca exaltei o Lula, nunca defendi a Dilma Rousseff", devolveu Doria.

Doria ainda mencionou uma suposta participação de França em investigações envolvendo a empreiteira Odebrecht por meio do apelido "Paris". "Eu quero saber por que você na lista da Odebrecht era conhecido por Paris", disse. "João, Odebrecht é seu amigo (...). "Eu desafio você: encontra lá um depoimento que tenha o meu nome, que eu renuncio o meu mandato, eu renuncio", retrucou França.

FRANÇA IRONIZA PROPOSTA DE DORIA

Jô Soares é usado na discussão

Outra troca de farpas entre os candidatos que passou do horário eleitoral para esse primeiro debate foi o fato de Doria ter deixado a Prefeitura de São Paulo com pouco mais de um ano e três meses de mandato. O argumento é usado por França para afirmar que o tucano "não tem palavra", já que Doria, em diversas ocasiões, afirmara que cumpriria os quatro anos de mandato. Doria, por sua vez, justifica ter administrado com "eficiência" oriunda de sua experiência na iniciativa privada.

O tucano usou por várias vezes no debate que França "está na vida pública há mais de 30 anos" e também questionou o que considerou "muito pouco para três anos e meio como vice-governador" de França no período em que foi vice de Alckmin e criticou o número de 300 creches citado por França na campanha eleitoral. "Por que você não fala a verdade que as obras foram do Geraldo Alckmin e das creches, por exemplo, você apenas entregou cinco e não 300?", atacou. "Quando eu falo entregamos, evidentemente, que é entregamos. É que você não está acostumado a trabalhar em conjunto, não é?", devolveu França.

A pergunta também deu a deixa para que o pessebista pusesse em xeque o voto de Doria em Alckmin. "O governo de São Paulo é um governo composto pelo governador, pelo vice-governador -- aliás, eu tive o seu voto, não é? Ou você também não votou no Geraldo Alckmin?", sugeriu, ao que Doria respondeu afirmativamente. "Então, você votou em mim. Porque, naquela eleição [presidencial de 1989] que você prometeu votar para o [Mario] Covas, você votou para o [Fernando] Collor, está lembrado? Quem contou foi o Jô Soares", mencionou, sobre vídeo em que o ex-apresentador da TV Globo narra, em entrevistas, episódio em que Doria o teria adesivado, pelas costas, com material de Color --ainda que Covas fosse o candidato tucano à Presidência.

Se França lembrou a história contada pelo ex-apresentador da Globo para atacar o adversário, Doria tratou de destacar um site que reúne uma espécie de dossiê sobre França – com um "pode desconfiar" no endereço eletrônico e o material listado sob o título "Conheça Márcio França de verdade", com informações que associam o partido de França e ele próprio ao PT e a políticos petistas. A assessoria de campanha do tucano já divulgou o site à imprensa e disse que haverá atualização diária de conteúdo.

"Me escute enquanto eu estiver falando"

Um tom mais ríspido também selou o embate quando Doria mencionou afirmação de França, ao longo da campanha, de que o tucano, se eleito, alteraria o sistema de Previdência dos servidores estaduais, a exemplo do que tentara, sem sucesso, implementar com servidores municipais da educação. Outro ponto destacado, e rebatido pelo tucano, foi sobre suposta promessa de privatização da Sabesp caso Doria chegue ao governo.

"Não vamos mexer na aposentadoria, nem em programas de previdência...Falei que nós vamos capitalizar a Sabesp na bolsa de Nova York para que ela possa cumprir ainda mais tarefas com recursos privados, sem usar dinheiro público, inclusive, para o beneficiamento do lixo. A Sabesp vai ampliar o seu campo de atuação", declarou Doria. A resposta de França irritou o tucano: "Olhe, eu compreendo a sua forma de pensar, você diz: 'enxuga esse estado, diminui todos os funcionários, abaixa o salário deles, não é? Controla o salário. Controla. E, se possível, abaixa também a aposentadoria'".

"É melhorar a eficiência, melhorar o gerenciamento. Nunca falei essas asneiras", retrucou o tucano. "Falou em São Paulo", complementou França. "Defendo um estado moderno, um programa liberal de economia para o estado de São Paulo, aliás, o mesmo programa que o Paulo Guedes com o Jair Bolsonaro defende para a economia brasileira (...) Me escute enquanto eu estiver falando", ordenou Doria, enquanto França tentava contra-argumentar.

Os dois candidatos, aliás, realizaram várias intervenções enquanto o adversário falava. A cada intervenção, eles cobravam um tempo maior de resposta, gerando reações da plateia e broncas do apresentador. Nesta sexta-feira (19), Doria e França voltam a participar de um debate, agora na Rede Record, a partir das 13h30 (horário de Brasília).

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