Na reta final das eleições, você caiu em alguma mensagem falsa de WhatsApp?

Se você está acompanhando a reta final da campanha eleitoral e tem WhatsApp, Facebook ou Twitter, muito provavelmente se deparou com ao menos uma mentira espalhada através da rede nessas eleições.

A disseminação de desinformação sempre existiu, mas atingiu um patamar ainda maior com as redes sociais. E com a aproximação do 1º turno das eleições, ela se intensifica ainda mais.

"O compartilhamento se intensifica muito em época de eleição", afirma Angela Pimenta, coordenadora-executiva do projeto Credibilidade e coordenadora do Atlas da Notícia. "Mentir no espaço político não é novidade, a diferença da internet é que ela acelera esse processo, aumenta a escala das pessoas atingidas e dificulta a responsabilização."

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A discussão sobre boatos e mentiras atingiu o auge após eleição do presidente americano Donald Trump em 2016, quando houve grande polêmica por causa do seu uso no Facebook para influenciar eleitores durante a campanha.

No Brasil, além das mentiras serem compartilhadas em redes sociais como Facebook e Twitter, um novo fenômeno tem se configurado: a sua disseminação através do WhatsApp.

O cenário de polarização extremada já é ruim o suficiente —mas, para quem cai em notícias falsas, ele parece muito, muito pior. Isso porque, como seu objetivo é manipular a opinião das pessoas, os boatos infundados costumam ser pensados para gerar revolta e emoções extremadas.

Ninguém está isento de cair em notícias falsas —elas afetam desde grupos de baixa renda e pouca escolaridade a executivos do mercado financeiro.

"Pessoas do mercado financeiro são absolutamente suscetíveis", afirma a economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University.

"Acho que as pessoas estão completamente suscetíveis a tudo. Ninguém está parando para pensar e se informar sobre nada. As coisas chegam no Twitter, no WhatsApp, e é muito fácil. Eu acho que essas fantasias, esse transe que o país está vivendo nesse momento, é fruto disso",

A lista de mensagens falsas é enorme: centenas de mentiras estão sendo disseminadas nesta reta final de campanha. A BBC News Brasil escolheu algumas delas para exemplificar as principais características que informações falsas que tentam se passar por notícias têm em comum.

Confira se você caiu em alguma delas.

Conteúdo fabricado

Iniciativas que estudam o fenômeno, como a Sala de Democracia Digital da FGV DAPP (Departamento de Análise de Políticas Publicas da Fundação Getúlio Vargas), apontam que há diversos tipos de desinformação sendo compartilhados.

Um dele é o conteúdo totalmente fabricado: uma informação 100% inverídica que é criada para ludibriar eleitores e prejudicar candidatos.

É o caso do boato que dizia que o PT iria distribuir mamadeiras com bicos em formatos do órgão sexual masculino em creches. A foto usada é de um objeto vendido em sex shops e para uso adulto, que nunca foi distribuído em escolas ou creches, segundo o Ministério da Educação.

O partido nunca propôs esse tipo de distribuição e afirma que não tem a intenção de fazê-lo.

Mesmo que quem tenha produzido tenha intenção de manipulação, muitas pessoas que compartilham esse tipo de conteúdo de foto foram de fato enganadas. Mas, segundo os analistas, também há casos de evidente má fé e tentativa de manipulação inclusive de quem compartilha.

É o caso do compartilhamento, por apoiadores de Jair Bolsonaro, de imagens e textos "Lula17" ou "Haddad17", como se esse fosse o número da chapa do PT. Na verdade, 17 é o número do candidato do PSL.

O número Fernando Haddad, candidato do PT apoiado por Lula, é 13.

Falsa Conexão

Mas esse não é o único tipo de desinformação muito espalhada nessa reta final das eleições.

"É bem comum casos de falsa conexão", diz Luiza Bandeira, pesquisadora do Atlantic Council, que tem parceria com a FGV na Sala de Democracia Digital. "Quando você lê o título é uma coisa, quando abre para ver o conteúdo é completamente diferente".

É o caso de uma informação inverídica que dizia que o General Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, tinha proposto o confisco da poupança. O site "Blog da Cidadania" publicou uma reportagem da "Folha de S. Paulo" cujo título é "Mourão propõe renegociar os juros da dívida do governo" e trocou o título para "Mourão também propõe o confisco da poupança".

A reportagem não fazia nenhuma menção à poupança e não há nenhum registro de que o general tenha dito isso. Sua campanha afirmou ao projeto Comprova, de checagem, que ele nunca disse isso.

São conteúdos que se aproveitam da pressa e ansiedade do leitor, que compartilhar sem ler. "A pressa é uma armadilha a mais. Está todo mundo apressado, ansioso, raivoso. Isso numa sociedade polarizada aumenta ainda mais o risco de embarcar em boatos", afirma Angela Pimenta.

Manipulação do contexto

Manipulação de contexto é quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar.

É o que aconteceu com a candidata a vice-presidente Manuela Dávila (PCdoB), que concorre na mesma chapa de Fernando Haddad (PT). Uma foto em que ela usava uma camiseta escrito "rebele-se" foi alterada para parecer que dizia "Jesus é Travesti".

Pode parecer incrível que as pessoas caiam em manipulações de imagens quando todo mundo sabe o que se pode fazer com editores de imagem como o Photoshop. Mas isso acontece. E o motivo é simples: viés de confirmação.

É o mesmo motivo pelo qual todos os outros tipos de desinformações são compartilhadas: as pessoas querem acreditar.

"O viés de confirmação é algo que todos nós temos", explica Pimenta. "O mundo é muito complicado, e nós temos estratégias cognitivas pra tentar simplificar. Isso faz com que tenhamos uma tendência de distorcer os fatos para que eles confirmem nossas convicções pessoais."

Ou seja, nós temos a tendência a acreditar naquilo que vai 'provar' que nossa opinião está certa - mesmo que seja obviamente falso.

Manipulação de contexto nem sempre acontece para prejudicar alguém - ela pode ser usada também como forma de incentivo e "inspiração" política.

É o caso de das fotos que estão sendo compartilhadas lado a lado: uma foto de mulheres durante o protesto #EleNão e a outra uma imagem histórica da Passeata dos Cem Mil, contra a ditadura militar.

As fotos estão sendo compartilhadas como se fossem as mesmas mulheres, mas não é o caso.

A foto antiga, da Passeada dos Cem Mil, contra a ditadura militar, reúne várias artistas famosas: Tonia Carrero, Eva Wilma, Odete Lara, Leila Diniz e Norma Bengell.

Não é possível que a imagem atual seja das mesmas mulheres, pois quatro das cinco atrizes da foto antiga já morreram. A única que está viva hoje é Eva Wilma (que não está na foto atual).

Falso contexto

Outro tipo de desinformação comum, segundo o Projeto Credibilidade, é o caso de falso contexto: quando um conteúdo genuíno é compartilhado com uma informação contextual falsa, induzindo o leitor ao erro.

Um exemplo disso é uma mensagem de WhatsApp inverídica que acusa militantes de esquerda de atacar uma mulher em um carro com um adesivo de Bolsonaro.

O vídeo do carro na multidão é real, mas foi filmado em 2017, quando a motorista do carro atropelou manifestantes que pediam a denúncia do Presidente Michel Temer em Goiânia.

Outro exemplo é o de um vídeo gravado por Fernando Haddad em 2016, após o fim das eleições, em que reconhece a derrota na disputa pela prefeitura de São Paulo.

O vídeo está sendo compartilhado agora como se o candidato estivesse desistindo da disputa em 2018, em que concorre para presidente da República. Mais um exemplo de compartilhamento enganoso em que o contexto errado induz ao erro.

Compartilhar notícias verdadeiras, porém antigas, como se estivessem acontecendo agora é uma tática bem comum de enganação pelo contexto.

Esse é um dos motivos por que especialistas discordam do uso do termo "notícias falsas".

"É uma expressão imperfeita de cara. Notícias podem conter erros e enganos, mas são produzidas por profissionais, com um método, fonte, espaço para o contraditório. Se algo é deliberadamente falso, então não é notícia", afirma Angela Pimenta.

"Nem sempre a desinformação é causa por uma mentira. Uma informação pode ser enganosa por estar sendo usada fora de contexto, em outra data, ou pode conter um pouco de verdade misturada com mentiras", afirma Bandeira.

Além disso, diz Pimenta, o termo foi apropriado por políticos que tentam se proteger de notícias verdadeiras que os prejudicam.

"O termo foi cooptado por maus políticos para desmerecer o jornalismo tradicional", diz.

Depois de eleito, o presidente Donald Trump passou a se referir genericamente a diversos veículos de imprensa que cobriam problemas em sua gestão como "fake news".

Conteúdo enganoso

Também é possível encontrar conteúdo enganoso que não mente diretamente, mas cita informações verdadeiras de maneira completamente partidária, com adjetivos e apresentação que favorecem ou desfavorecem um candidato.

"O conteúdo é apresentado de maneira parcial, não há a menor tentativa de ser honesto, se usa linguagem carregada e agressiva e não se abre espaço para os envolvidos se manifestarem sobre o assunto", explica Bandeira.

O conteúdo enganoso pode vir também na forma de um pouquinho de verdade misturada com mentiras.

Conteúdos enganosos sobre o material produzido em 2011 pelo Ministério da Educação para combater homofobia nas escolas costumam se encaixar nessa categoria.

O material de fato existiu: foi desenhado por ONGs quando Fernando Haddad era ministro da Educação durante o governo de Dilma Rousseff. No entanto, as cartilhas nunca foram aprovadas nem distribuídas em escolas. O projeto, chamado Escola sem Homofobia, foi apelidado de "kit gay" por críticos.

É bem comum encontrar notícias falsas em que informações verdadeiras sobre o projeto —como o fato de ter sido idealizado durante a gestão de Haddad no ministério— são misturadas com as mais variadas mentiras: desde informações inverídicas sobre a idade do público alvo do projeto até imagens pornográficas que nunca fizeram parte do conteúdo (na foto abaixo), passando por referências a um livro de educação sexual da Cia. das Letras que também não fez parte do material.

O próprio candidato Jair Bolsonaro levou para o Jornal Nacional o livro, chamado "Aparelho Sexual e Cia", dizendo que ele fazia parte do "kit gay".

A informação é falsa: o livro nunca foi comprado pelo Ministério da Educação nem foi incluído no projeto Escola sem Homofobia.

Falsa checagem

O fenômeno das mensagens falsas chegou a um ponto tão grave que está se compartilhando checagens falsas de notícias reais.

A foto do protesto com milhares de mulheres contra Bolsonaro no Largo da Batata, por exemplo, é real. Foi tirada pela fotógrafa Gabriela Biló no dia 29 de setembro e publicada no jornal "O Estado de S. Paulo".

Uma falsa "checagem" (ou seja, uma manipulação) que estava sendo compartilhada após o protesto dizia que a imagem era uma foto do carnaval de 2017 que estava sendo utilizada novamente.

Não é o caso: as fotos são parecidas pois foram tiradas pela mesma fotógrafa, da mesma posição.

A veracidade da foto do protesto contra Bolsonaro foi confirmada por 15 veículos jornalísticos diferentes dentro do projeto Comprova.

Segundo as investigações da agência de checagem, o ponto de onde a foto foi tirada é a casa de uma residente já conhecida e utilizada com frequência pela fotógrafa para fazer imagens do Largo da Batata.

"No sábado (29), enquanto ela entrava no edifício, Miguel Schincariol, autor da foto veiculada pela AFP, a viu entrar e pediu para subir também. Com eles também estava a fotógrafa Carla Carniel", afirma a checagem —essa sim, real— da agência.

Essa técnica de tentar desacreditar uma notícia real dizendo que ela é falsa foi usada mais de uma vez após os protestos #EleNão contra Bolsonaro, no dia 29.

Outras fotos reais foram vítima da mesma manipulação: retratos do protesto no Rio de Janeiro.

Começou a circular em redes sociais uma mentira de que a imagens eram antigas, pois um prédio que teria desabado estaria nas fotos.

No entanto, a verdade é que o prédio nas imagens é o Edifício Capital, que nunca caiu. Um acidente em 2012 afetou três prédios vizinhos, que não aparecem na foto do protesto no Rio.

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