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"Congresso fez um decreto e me deixou sair antes do meu emprego", disse Jango ao filho

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Hanrrikson de Andrade e Taís Vilela

Do UOL, no Rio

28/03/2014 06h00

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de Estado que marcou o início da ditadura militar no país, há 50 anos, diz ainda lembrar dos momentos nos quais esperava poder pescar mais com o pai. Em março de 1964, quando os militares tomaram o poder, Vicente era um menino de sete anos. Na época, ele perguntou ao pai por que ele não era mais presidente. "O Congresso lá fez um decreto e me deixou sair antes do meu emprego", respondeu Jango. Em entrevista ao UOL, Vicente conta que os anos de exílio trouxeram um "pai presente novamente", apesar da perseguição sofrida por Jango, principalmente no Uruguai.

"Tivemos a oportunidade de conviver como uma família comum, uma família que buscava o seu destino", afirmou Vicente. "O exílio nos ensina a ser peregrinos do destino. Muitas vezes, ele te obriga a passar de país em país e você se torna alguém à procura do destino, mas com muita esperança", completou ele.

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A pescaria representava um dos passatempos preferidos de Jango, que era, de acordo com o filho, um pai generoso e "sempre aberto ao diálogo". Criado em uma estância em São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, também gostava de andar a cavalo e cuidar do gado.

Alguns dias depois do golpe, Jango refugiou-se em Montevidéu, no Uruguai, onde passou por uma série de problemas --desde a dificuldade de deslocamento, já que o governo brasileiro não havia lhe concedido passaporte e a segunda via do documento de identificação, até a vigilância da SNI (Serviço Nacional de Informações), o setor de inteligência da ditadura.

Em 1973, com o golpe de Estado no Uruguai, a situação de Jango, da mulher e dos filhos ficou ainda mais complicada. A família passou a residir na Argentina após convite do presidente Juan Perón. Goulart morreu três anos depois, vítima de um enfarte fulminante, de acordo com a versão oficial. Os parentes contestam e levantam a hipótese de que Jango --único presidente brasileiro a morrer no exílio-- pode ter sido envenenado por agentes do regime militar.

Por quase dez anos, entre as décadas de 50 e 60, Jango viveu intensamente a política brasileira. Eleito vice-presidente em 1955, com mais votos do que vencedor do pleito, Juscelino Kubitschek. Foi reeleito para o cargo cinco anos depois, sendo o vice de Jânio Quadros, que viria a renunciar no dia 25 de agosto de 1961.

3 ANOS NO PODER

  • Acervo UH/Folhapress

    Depois da renúncia de Jânio, em 1961, o então vice-presidente foi impedido de tomar posse por conta da oposição dos ministros militares. Após a mobilização que ficou conhecida como "campanha da legalidade", liderada por Leonel Brizola, o Congresso aprovou o parlamentarismo no país, o que possibilitou a posse de Jango, no dia 8 de setembro daquele ano. O mandato iria até 1965

Ao assumir o governo, dedicou-se a implementar reformas de base, que propunham mudanças estruturais na economia agrária, na educação, na infraestrutura urbana, entre outras áreas. Mas não conseguiu concretizar suas ideias porque, na visão dos que apoiaram o golpe, a ideia de Jango era estabelecer uma sociedade comunista no Brasil.

Vicente relatou fatos inéditos no contexto da produção biográfica de João Goulart, a exemplo da relação entre o brasileiro e Perón, que começou com as constantes viagens, na década de 50, do então ministro do Trabalho do governo Vargas a Buenos Aires --Jango era chamado de "Janguito" pelo presidente argentino.

Essa e outras histórias serão contadas em um livro que Vicente está escrevendo sobre o pai. A obra deve ser lançada ainda este ano. "Jango esteve em várias reuniões com Perón e Eva [primeira-dama]. Ele era visto como um filho político do presidente Vargas", afirmou.