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Cunha quer, mas será que o parlamentarismo faria bem ao Brasil?

Rayder Bragon*

Do UOL, em Belo Horizonte

01/07/2015 06h00

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defende colocar em discussão a adoção do parlamentarismo no Brasil.

Ele diz que quer votar o tema antes de 2017, quando termina seu mandato, e afirmou já ter estabelecido conversas com quase todos os partidos políticos. A ideia dele é implantar o sistema a partir da administração de quem venha a suceder a presidente Dilma Rousseff.

Essa proposta não é nova e já foi rejeitada pelos brasileiros em 1993 por meio de um plebiscito. Na época, 55% dos eleitores votaram a favor da manutenção do sistema presidencialista, enquanto 24% optaram pelo parlamentarismo.

Cientistas políticos ouvidos pelo UOL veem grandes barreiras para a mudança de sistema eleitoral. Todos apontam como positiva a alteração do primeiro-ministro rapidamente, quando o governo perde o apoio do Parlamento ou em uma situação de crise. Mas não acham que o Brasil vá abrir mão de eleger o presidente.

Carlos Ranulfo, cientista político e professor titular do departamento de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que “o parlamentarismo dá menos opção para o eleitor, que só tem um voto, o voto para o Congresso”. “O presidencialismo é um sistema mais aberto para a sociedade. A sociedade pode pressionar o Congresso, pode pressionar o Executivo.”

Para ele, “o parlamentarismo funciona bem quando temos sistemas partidários mais estruturados e fortes, com poucos partidos”. “No caso do Brasil, existe essa fragmentação partidária. Não adianta você mudar o sistema de governo com 28 partidos no Congresso. Não existe parlamentarismo com essa miscelânea [de partidos] que nós temos.”

Malco Camargos, cientista político e professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), afirma que, no parlamentarismo, “a base de sustentação do governo é construída naturalmente. Só chega a primeiro-ministro quem é indicado pelo Parlamento (Congresso)”. “Mas tira o direito do cidadão da escolha daquele que é o principal responsável pela gestão da economia do país.”

Ranulfo acha que Eduardo Cunha está “jogando para a plateia” ao defender a proposta. “É um tema que já foi derrotado em plebiscito. Nós acabamos de sair de uma reforma politica, que, na verdade, não mudou nada. Agora ele quer uma mudança ainda mais drástica, isso é querer manchete apenas.”

O professor Fernando Limongi, chefe do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, disse que o assunto “está enterrado” e a ideia de trazer o assunto à tona “cheira muito a golpismo”.

“Houve uma manifestação grande pelo parlamentarismo no passado e ele foi derrotado. Depois conseguiram uma repescagem, foi derrotado pelo plebiscito. É uma matéria que está meio enterrada. Cheira muito a golpismo”, avaliou.

Já para o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ideia do parlamentarismo não seria “vendida” facilmente ao eleitorado em razão da recente conquista do voto direto após o termino da ditadura no país. “Eu acho que dificilmente isso teria apoio popular”, afirmou.

Ele disse, no entanto, que o sistema, na teoria, é uma boa prática de governo. “Há razões que justificam a defesa do parlamentarismo, a princípio, pelo fato de que se pode criar um governo forte por definição. Você tem a liderança do Executivo brotando por meio do Parlamento e tendo condições de apoio parlamentar. Isso torna o país mais governável. No nosso chamado presidencialismo de coalizão, o presidente, para criar condições de governar, tem que estar envolvido permanentemente em barganhas.”

 

Brasil já viveu sob o parlamentarismo

O sistema de governo parlamentarista já foi adotado por duas vezes em épocas distintas da vida política brasileira.

A primeira vez se deu no Império, de 1847 a 1889, sob o reinado de dom Pedro 2º. Em 1847, um decreto estabeleceu o cargo de presidente do conselho de ministros, que era indicado pessoalmente pelo imperador. Muitos historiadores creditam a essa época o início desse sistema no Brasil.

Ainda segundo os especialistas, o monarca teria tido a ideia de copiar o modelo inglês, mas o usado no país era o inverso daquele sistema, ficando conhecido como “parlamentarismo às avessas”.

Na Inglaterra, eram feitas, em primeiro lugar, as eleições para a Câmara. O partido que obtivesse a maioria escolhia o primeiro-ministro, sendo este responsável pela formação do gabinete de ministros, passando a exercer o Poder Executivo.

No Brasil, o presidente do conselho era escolhido por dom Pedro 2º, que exercia o Poder Moderador. A partir daí, o escolhido indicava os demais ministros. O ministério deveria ser submetido à aprovação da Câmara. Em caso de divergência entre os dois Poderes, era prerrogativa do imperador decidir se dissolvia a Câmara ou demitia o ministério.

Já na República, o sistema parlamentarista vigorou no período entre setembro de 1961 e janeiro de 1963. A medida foi viabilizada para resolver impasse criado pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961. O Congresso, por meio de emenda constitucional, instaurou o modelo e neutralizou assim as tentativas de impeachment e de golpe militar contra o vice João Goulart, tido como político ligado ao sindicalismo e com posições de esquerda.

A posse de Goulart foi acatada sob a condição de o Congresso instituir o parlamentarismo, reduzindo as prerrogativas do presidente da República, permitindo que o governo fosse exercido pelo gabinete ministerial. Goulart mobilizou suas forças políticas e, após submeter a questão a um plebiscito, conseguiu restabelecer o sistema presidencialista no país.

* Colaborou Paula Bianchi, em São Paulo