Na comissão do impeachment, procurador e auditor atribuem crise econômica a pedaladas
Como testemunhas de acusação ouvidas nesta quarta-feira (9) na comissão do impeachment no Senado, o procurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Júlio Marcelo de Oliveira, e o auditor do TCU, Antônio Carlos D'Ávila Carvalho, afirmaram que as chamadas pedaladas fiscais praticadas pelo governo durante a gestão de Dilma Rousseff foram responsáveis pelo agravamento de crise econômica no país.
Já os servidores de carreira do Tesouro Nacional, o coordenador-geral de Operações de Crédito, Adriano Pereira de Paula, e o secretário-adjunto, Otávio Ladeira de Medeiros, disseram que a quitação do passivo de 2015 foi feita até 28 de dezembro, ou seja, dentro do exercício e em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os depoimentos foram vistos de forma positiva pelos aliados de Dilma, que elogiaram os servidores, apesar de terem sido listados como testemunhas de acusação.
A reunião da comissão foi encerrada pelo senador Raimundo Lira (PMDB-PB) às 2h10, depois de quase 15 horas de duração. Por conta do horário, a sessão de oitiva de testemunhas do processo que seria realizada nesta quinta-feira (9) foi cancelada e adiada para a próxima segunda-feira (13).
A sessão foi marcada mais uma vez por bate-boca entre aliados de Dilma e senadores pró-impeachment, por causa das regras do interrogatório das testemunhas e pela divergência de opiniões sobre a conduta de Dilma.
A estratégia dos congressistas que defendem a presidente Dilma Rousseff é demonstrar que ela não cometeu crimes de responsabilidade porque não tinha ciência de que tais atos eram ilegais, já que o TCU teria mudado o entendimento sobre eles posteriormente, levando o próprio governo a quitar as dívidas com os bancos.
Primeira testemunha
O procurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Júlio Marcelo de Oliveira, primeira testemunha indicada pela acusação ouvida na comissão especial do impeachment no Senado, afirmou nesta quarta-feira (8) "não ter dúvidas" de que há uma relação direta entre a maquiagem nas contas públicas e a crise econômica no País. Responsável pelas representações que levaram o TCU a condenar as pedaladas fiscais e a edição de decretos irregulares, Júlio considera que esses artifícios implicaram no aumento da dívida pública e na perda de confiança.
"Danos aos alicerces da economia brasileira que podem levar anos para serem recuperados", disse.
Para o procurador, Dilma cometeu uma "fraude democrática", realizando feitos que não conseguiria manter com a arrecadação do período. "Tudo isso leva a uma dúvida sobre o compromisso do governo em manter uma postura coerente e correta para sustentação da dívida, porque se ela perde o controle os agentes econômicos serão penalizados, sofrerão em algum momento um prejuízo seja por uma reestruturação da dívida, seja por uma inflação fora de controle, algum ajuste acaba sendo feito, então o artifício das pedaladas que levou a uma expansão insustentável do gasto público está na raiz da profunda crise", declarou.
Durante a sua oitiva, Júlio afirmou ainda que após a auditoria do TCU concluiu que o governo da presidente Dilma Rousseff utilizava instituições financeiras (BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica) como um "cheque especial" e uma "linha de financiamento" para gastos e despesas primárias do Executivo.
Ele enfatizou diversas vezes durante as suas respostas aos questionamentos dos senadores que a presidente Dilma Rousseff sabia que cometia irregularidades. "A presidente tinha consciência disso (que violava a Lei Orçamentária)? Sim, porque ela mesma enviou o Projeto de Lei nº 5, para alterar a meta. E, na exposição de motivos, ela mesma disse que não teria mais condições de cumprir a meta vigente", afirmou.
"É obrigação da presidente ter consciência disso, quer dizer, não podemos construir a teoria da irresponsabilidade do Presidente em que o Tesouro fica devendo bilhões aos bancos federais, e o Presidente da República ou a Presidente da República se declara inconsciente do que está acontecendo."
Nos questionamentos, a estratégia dos aliados de Dilma é defender que a presidente não estava ciente de que cometia irregularidades ao emitir decretos e que o TCU mudou o seu entendimento sem alertar o Executivo. Júlio, por outro lado, nega a versão e disse que os próprios funcionários do governo alertaram a presidente.
Para ele, a representação do Ministério Público de Contas, em agosto de 2014, foi um aviso. Depois, em abril de 2015, quando houve o julgamento do TCU, ele avalia que "não tinha como a instituição ter sido mais clara".
O procurador rechaçou a tese da defesa de que houve uma mudança de entendimento no TCU entre 2014 e 2015. Ele considera que a instituição não precisava ter feito alertas prévios ao Executivo.
"O que a lei prevê sobre alertas são alertas para limites de pessoal, que estão próximos de serem descumpridos, não é para fraudes que estão sendo descobertas naquele momento. Quando se descobre uma fraude, se faz um julgamento, se diz: 'Essa fraude está acontecendo e não pode acontecer. Corrija-se'. Foi o que aconteceu", afirmou o procurador.
Júlio reafirmou diversas vezes que não houve mudanças no TCU. "O entendimento do TCU de dezembro é o mesmo que ele apresentou em abril, quando ele identificou a fraude. O TCU, quando identificou as fraudes fiscais, chamadas pedalas, imediatamente rechaçou, não houve entendimento para ser modificado. Muito mais eficaz do que emitir um alerta é fazer um julgamento categórico. Esse entendimento, todas as vezes que o Tribunal se pronunciou, ele confirmou sua repulsa, o seu rechaçar por essa conduta adotada ilegalmente pelo governo."
Júlio é a primeira testemunha de acusação ouvida na segunda fase do processo de impeachment.
Antônio Carlos D'Ávila Carvalho, auditor fiscal do TCU, foi a segunda testemunha a ser ouvida nesta quarta-feira pela comissão do impeachment. Ele defendeu o trabalho de auditoria feita pelo órgão nas contas de Dilma, na questão da abertura de créditos suplementares. Questiona por senadores sobre a manifestação do TCU apenas em 2014, e não em relação aos anos anteriores, afirmou que "não houve mudança de entendimento do tribunal". Ele afirmou ser "gravíssimo" editar crédito suplementar sem autorização do Poder Legislativo.
Carvalho citou especificamente para justificar a posição do órgão a Lei de Responsabilidade Fiscal, como está inscrito no artigo 33 da lei: "A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a operação atende às condições e limites estabelecidos". Ele disse que a lei é clara e que o governo Dilma a contrariou.
O auditor atribuiu às manobras do governo a crise que o país enfrenta, a exemplo do que fizera a outra testemunha ouvida, Júlio Marcelo de Oliveira. "É o principal fator que nos levou à crise econômica." Ele relatou que, quando se debruçou sobre as contas de Dilma, se perguntava se o que ele estava encontrando de desvio era fato ou não e chegou a duvidar de si mesmo. "Infelizmente, o que estava vendo era o cometimento de atos contrários aos fundamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal".
O auditor fez ainda uma analogia do caso com sua situação doméstica, dizendo ser ele o Executivo e a mulher dele, o Legislativo e o Judiciário. E que se ele tivesse feito gastos sem autorização dela, a mulher certamente teria pedido seu impeachment.
Carvalho detalhou que a auditoria de 2014 foi feita por dois auditores, por ele mesmo e por Charles Santana de Castro. Na análise das contrarrazões apresentadas pelo governo, segundo ele, foram no total 14 auditores empregados, todos eles concursados. Segundo ele, o que foi encontrado em 2014 não se compara aos atos semelhantes dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e de Fernando Henrique Cardoso, embora ela lembre que não pertencia ao TCU à época do TCU. Ele confirmou o que chamou de "falseamento" das contas.
Carvalho também foi indicado pelos autores da denúncia contra Dilma, os juristas Miguel Reale Jr., Janaína Paschoal e Hélio Bicudo.
Servidores do Tesouro Nacional
Adriano Pereira de Paula, coordenador-geral de Operações de Crédito do Tesouro Nacional, foi a terceira testemunha a ser ouvida. Pereira de Paula afirmou que as orientações para atrasos nos pagamentos para o custeio de políticas públicas, inclusive os repasses de recursos ao Banco do Brasil para subsidiar os empréstimos do Plano Safra, vieram de autoridades da área econômica do governo da presidente afastada Dilma Rousseff.
O coordenador explicou que a partir de 2015 os técnicos do Tesouro Nacional foram chamados pela equipe econômica para que mostrassem em que pé estavam as transferências de verbas ao Banco do Brasil. Os servidores, como ele informou, propuseram a quitação dos débitos o que ocorreu até o final de dezembro do ano passado.
O servidor afirmou ser plausível dizer que o valor do Plano Safra não seja definido por um único integrante do governo federal, ou seja, retirando a autoria da presidente afastada Dilma Rousseff da operação de crédito chamada de pedalada fiscal.
Pereira de Paula disse que toda a quitação do passivo de 2015 foi feita até 28 de dezembro, ou seja, dentro do exercício e em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O funcionário do Tesouro disse que houve restos a pagar em 2016, mas que eram tecnicamente possíveis.
As declarações do servidor do Tesouro foram tão satisfatórias para a defesa que o ex-advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, parabenizou a testemunha da acusação e não quis fazer a ele nenhuma outra pergunta.
Quarta testemunha a ser ouvida, o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira de Medeiros, confirmou o que já havia sido dito por Adriano Pereira de Paula, que os atrasos do governo federal nos repasses para subsidiar os empréstimos do Plano Safra foram regularizados até o final de 2015. "Os fluxos do Plano Safra foram regularizados o mais rápido possível. Ao longo de 2015 foram feitos os pagamentos referente àquele ano. Quanto ao estoque da dívida esperou-se a decisão do Tribunal de Contas da União para que pudéssemos fazer o pagamento", informou o servidor.
Ele confirmou que, em 2013, a equipe do órgão identificou problemas fiscais, mas não fez nenhum encaminhamento especial para a presidente Dilma.
O servidor afirmou ainda que, em 2015, ano que é analisado no processo de impeachment, houve "inflexão" em relação aos anos anteriores, no sentido de que o governo se esforçou em fazer pagamentos atrasados e quitar débitos. Dessa forma, "todos os pagamentos foram realizados até dezembro", inclusive as pedaladas. (Com informações do Estadão Conteúdo e Agência Senado)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.