Delação aponta que Odebrecht agiu por MPs que deram R$ 140 bi em benefícios a empresas
A Odebrecht pagou propinas a deputados e senadores para a aprovação de medidas provisórias que concederam cerca de R$ 140 bilhões em descontos em impostos e outros benefícios a companhias nacionais, incluindo a própria empreiteira e suas subsidiárias, segundo a delação premiada do ex-diretor da empresa Cláudio Melo Filho. O depoimento dele cita mais de 20 políticos, entre eles a cúpula do PMDB.
O valor é o resultado da soma das renúncias fiscais de quatro MPs citadas pelo ex-executivo e que, mais tarde, acabaram virando leis ainda vigentes. Para calcular o montante, o UOL utilizou dados disponibilizados pela Receita Federal e estimativas de renúncias fiscais enviadas pelo governo ao Congresso na época da edição das medidas. A renúncia total leva em conta a correção monetária baseada na inflação oficial (IPCA) em cada ano em que as MPs surtiram efeito.
A título de comparação, os R$ 140 bilhões superam o orçamento anual do Ministério da Saúde, que em 2017 deve chegar aos R$ 115,4 bilhões.
Melo Filho afirmou ao MPF (Ministério Público Federal) que a Odebrecht agiu para influenciar na tramitação de sete medidas provisórias entre 2005 e 2014. Dessas, quatro ainda estão valendo e beneficiaram diretamente companhias nacionais: MP 449/08, MP 472/09, MP 563/2012, MP 651/2014 (leia mais sobre cada caso abaixo).
De acordo com a delação, na tramitação de todas elas, a Odebrecht pagou congressistas ou fez doações a campanhas eleitorais para garantir que as quatro MPs fossem aprovadas ou que emendas do interesse da empresa fossem incluídas nas propostas.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Fazenda afirmou que "há investigação em andamento, conduzida pelas autoridades competentes e o ministério vai atuar, de acordo com o que determina a lei, para o esclarecimento de fatos e identificação das pessoas responsáveis por eventuais irregularidades apontadas".
Uma quinta MP, a 460/09, também foi citada por Cláudio Melo Filho e concedia renúncia fiscal de R$ 288 bilhões, segundo a Receita Federal. Ela, contudo, teve sua vigência derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Por isso, não foi incluída no cálculo feito pelo UOL sobre os benefícios concedidos com ajuda da ação da Odebrecht.
Ainda sobre esta MP, a suposta atuação do ex-ministro e ex-deputado federal Antonio Palocci (PT) em benefício da Odebrecht, durante a aprovação da medida, foi um dos motivos elencados para sua prisão preventiva, durante a 35ª fase da Operação Lava Jato.
Empresa monitorava propostas e agia por emendas
Em 2012, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff (PT) editou a MP 563 para oficializar descontos em impostos e vantagens para empresas exportadoras anunciadas na segunda fase do Plano Brasil Maior, programa que visava fortalecer a indústria nacional com desonerações e financiamentos. Só com essa MP, o governo abriu mão de R$ 41,2 bilhões (valor corrigido).
Esse benefício foi concedido após ação da Odebrecht. Segundo Melo Filho, a empresa acionou o senador Romero Jucá (PMDB-RR) para que ele agisse para garantir a aprovação de uma emenda favorável a empresa incluída na MP.
“Solicitei ao senador Romero Jucá, como sempre, seu empenho na defesa desse pleito, incorporando a emenda como uma das inovações do texto, sustentando e garantindo a sua aprovação pelo Congresso Nacional”, descreveu Melo Filho. “É certo que o empenho do senador Romero Jucá sustentava-se no fato de que receberia pagamento a título de suposta contribuição de campanha durante o período eleitoral.”
Procurado pelo UOL, Jucá afirmou, por meio de sua assessoria, receber apenas demandas relacionadas a MPs de setores da economia, do governo e de outros segmentos quando foi líder do governo ou relator de propostas. Disse que, a partir daí, discute as medidas com todos os órgãos. Ele declarou que “somente se leva adiante, em forma de emendas, o que é aprovado pela equipe econômica, pois, se não há aprovação dos governos, as mesmas são vetadas”.
Jucá não especificou nem comentou sua atuação durante as votações de cada uma das Medidas Provisórias.
A reportagem também procurou, por e-mail e telefonemas, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal desde segunda-feira (12) para que eles avaliassem as medidas provisórias aprovadas com a ajuda da ação da Odebrecht junto a congressistas, segundo o ex-diretor da empresa. Os órgãos divulgaram dados sobre as renúncias fiscais concedidas com as MPs. Não comentaram o teor dos textos.
A Odebrecht também não se manifestou sobre as declarações de seu ex-executivo. Em nota, reafirmou somente “seu compromisso de colaborar com a Justiça”. “A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade”, declarou.
Confira as MPs aprovadas com ajuda da Odebrecht, segundo Melo Filho:
MP 449/08 - R$ 9,5 bilhões
Convertida em lei em maio de 2009, durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a MP 449/08 perdoou dívidas fiscais com o governo federal de valor inferior a R$ 10 mil e permitiu parcelar débitos superiores em até 180 meses.
A anistia resultante da medida era estimada em R$ 9,5 bilhões (valor corrigido), de acordo com documento assinado em outubro de 2008 pelos ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento) e pelo advogado-geral da União, Dias Toffoli, atual ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
O valor do perdão das dívidas fiscais foi obtido pela reportagem no documento nas justificativas para a edição da MP publicadas no dia 3 de outubro de 2008 e disponível no site do Palácio do Planalto. Ele ainda foi corrigido pela inflação.
À época de sua aprovação pelo Congresso, esta MP chegou a ser apelidada de "árvore de Natal" por causa das mais de 40 emendas incluídas por deputados e senadores e que tinham pouca ou nenhuma relação com seu objeto inicial.
Em sua delação, Cláudio Melo Filho incluiu essa MP na lista daquelas em que a Odebrecht atuou para que os seus interesses fossem preservados, por meio da atuação do senador Romero Jucá (PMDB-RR).
MP 472/09 - R$ 31,7 bilhões
Segundo a delação, outra medida que previa renúncia fiscal e teve atuação forte da Odebrecht nos bastidores do Congresso foi a 472/09, também convertida em lei durante o governo Lula.
A medida tratava de diversos temas, entre eles: o regime especial de incentivos para o desenvolvimento de infraestrutura da indústria petrolífera nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e a dedução ou isenção de pagamentos de impostos.
O total de renúncia estimada chegava R$ 31,7 bilhões. O montante da renúncia fiscal foi obtido pela reportagem na "exposição de motivos" da MP, publicado no dia 11 de dezembro de 2009 e disponível no site do Palácio do Planalto. Também foi corrigido pela inflação.
A aprovação desta MP foi mais um caso em que a Odebrecht contou com o senador Romero Jucá, em troca de contribuições financeiras, de acordo com Melo Filho. "No extenso período de sua posição de líder do governo (2006 a 2012), os temas afetos à Odebrecht foram tratados por ele nas diversas discussões técnicas com a empresa e, sobretudo, na defesa de nossos pleitos perante o Poder Executivo", contou o ex-executivo em sua delação.
MP 563/2012 - R$ 41,2 bilhões
A então presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou em abril de 2012 a segunda etapa do Plano Brasil Maior. O programa visava fortalecer a indústria nacional por meio de desonerações, financiamento a exportações e outras medidas incluídas na MP 563/2012. O impacto da medida é da ordem de R$ 41,2 bilhões, corrigida a inflação. Este valor foi atualizado pelo próprio governo e está disponível no site da Receita Federal.
De acordo com Melo Filho, a Odebrecht tinha um interesse específico na aprovação da MP 563/2012 pelo Congresso Nacional. O ex-diretor afirmou ao MPF que a empresa acionou o senador Romero Jucá (PMDB-RR) para garantir que uma emenda sugerida pelo então deputado Francisco Dornelles (PP-RJ), hoje vice-governador do Rio de Janeiro, fosse incluída no texto final da lei baseada na MP. O executivo da Odebrecht declarou que Jucá trabalhou pela aprovação da emenda sabendo que seria recompensado por contribuições eleitorais.
MP 651/2014 - R$ 57,8 bilhões
Era julho de 2014 quando Dilma mandou ao Congresso a MP que instituía um “pacote de bondades” às empresas brasileiras. A medida previa a desoneração da folha de pagamento, o refinanciamento de dívidas com o governo federal e outras alterações tributárias. Com isso, o governo abriu mão de R$ 57,8 bilhões, quantia já corrigida com a inflação. Este valor foi atualizado pelo próprio governo e está disponível no site da Receita Federal.
A Odebrecht atuou para a aprovação de quatro emendas à MP. Todas elas, segundo Cláudio Filho, foram apresentadas pelo senador Romero Jucá a pedido da empresa e em troca de doações eleitorais. Ele afirmou em delação que Jucá “também atuou junto ao Poder Executivo para que o texto não fosse vetado”.
Depois que o texto da MP foi sancionado, já com as emendas sugeridas pela Odebrecht, Jucá pediu a Cláudio Filho que a Odebrecht contribuísse para a campanha eleitoral do filho do senador, Rodrigo Jucá (PMDB), que concorria à vaga de vice-governador de Roraima. “Foi realizada doação ao diretório do PMDB em Roraima, pela CNO [Construtora Norberto Odebrecht], no valor de R$ 150 mil”, complementou o executivo.
Uma doação de R$ 150 mil feita pela Odebrecht ao PMDB de Roraima está registrada na prestação de contas da campanha de Rodrigo Jucá, candidato a vice-governador de Roraima na chapa encabeçada por Chico Rodrigues (PSB), que tentava a reeleição para o cargo de governador nas eleições de 2014. Chico Rodrigues perdeu a eleição, no segundo turno, para Suely Campos (PP).
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