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Defesa de Lula aponta inconsistências em provas obtidas pelo MP

O advogado Rodrigo Tacla Duran em entrevista ao jornal "El País" - Jaime Casal - 27.ago.2017/El País
O advogado Rodrigo Tacla Duran em entrevista ao jornal "El País" Imagem: Jaime Casal - 27.ago.2017/El País

Bernardo Barbosa e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

28/11/2017 18h39Atualizada em 29/11/2017 07h06

Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentaram ao juiz federal Sergio Moro uma contestação sobre a veracidade de documentos obtidos pelo MPF (Ministério Público Federal) por meio do sistema Drousys, usado pela Odebrecht para gerir o pagamento de propinas.

Na contestação, os advogados de Lula chegaram a apresentar um pedido de convocação para depoimento do advogado Rodrigo Tacla Duran, que trabalhou para a Odebrecht de 2011 a 2016 e, na visão da defesa, poderia esclarecer “discrepâncias” no material questionado no processo, que corre em segredo de Justiça. O pedido, porém, foi indeferido por Moro, que alegou que "não é digna de crédito" a palavra de Duran, que teve prisão decretada pelo próprio juiz em 2016 e atualmente vive na Espanha

Os advogados de Lula apontam supostas inconsistências em documentos oriundos do Drousys e que estão presentes em relatório do MPF entregue à Justiça em agosto. No parecer, os procuradores dizem que o material mostra que a Odebrecht usou seu "setor de operações estruturadas" --na prática, um departamento voltado para o repasse de propinas-- para pagar parte de um terreno supostamente destinado ao Instituto Lula.

Segundo a defesa do petista, o MPF apresentou duas versões de uma mesma ordem de pagamento de US$ 535.575 (R$ 1,7 milhão, em valores atuais) supostamente ligada à compra do terreno. Uma das versões tem uma assinatura e a outra, duas. A primeira está no relatório apresentado em agosto e a segunda, em um anexo do mesmo relatório.

Os advogados do ex-presidente dizem que o documento com duas assinaturas também foi entregue à Justiça por Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo Odebrecht. O UOL procurou a defesa do empresário para falar da autenticidade dos documentos, mas não teve resposta.

No pedido, a defesa do petista também cita trecho de um relatório do MPF, a cuja íntegra o UOL não teve acesso, segundo o qual os procuradores afirmam que os dois documentos são autênticos e extraídos de uma cópia do Drousys. 

28.nov.2017 - Ordens de pagamento obtidas pelo MPF no sistema Drousys, da Odebrecht. Os documentos mostram pagamentos supostamente destinados à compra de um terreno para o Instituto Lula - Reprodução - Reprodução
Ordens de pagamento questionadas pela defesa de Lula
Imagem: Reprodução

A defesa do ex-presidente também questiona as datas deste pagamento. Os advogados apontam que o extrato bancário que mostra a transferência do valor é de 12 de janeiro de 2011, enquanto um e-mail de uma integrante do "setor de operações estruturadas" da Odebrecht sobre a operação tem data de 14 de janeiro de 2011.

Os advogados de Lula ainda mencionam que, no e-mail em questão, a transação aparece ao lado da data de 7 de novembro de 2011, e questionam como o pagamento teria sido feito dez meses antes da data aparentemente programada.

Crítica a atenção dada a recibos de aluguel

Os documentos questionados pela defesa de Lula teriam relação com a compra de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula --a entidade nunca ocupou o local. O imóvel teria sido comprado pela construtora por meio de laranjas e em benefício do ex-presidente, que em troca teria agido a favor da empreiteira em contratos com a Petrobras.

Os advogados de Lula negam que ele tenha recebido o terreno, menos ainda em contrapartida a uma atuação em prol da Odebrecht na Petrobras.

A defesa aproveitou a petição para criticar a atuação do MPF no caso sobre os recibos de pagamento do aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), que apresentavam datas inexistentes em alguns casos. O imóvel também seria um pagamento de propina da Odebrecht ao ex-presidente e faz parte do mesmo processo do terreno supostamente destinado ao Instituto Lula.

“Ora, se o MPF deu tanto valor às datas que o proprietário do apartamento inseriu nos recibos de aluguéis emitidos em favor de dona Marisa [mulher do ex-presidente], no mínimo, deveria também verificar as flagrantes inconsistências de datas que constam nos documentos”, dizem os advogados.

Advogado é réu na Lava Jato e questiona Odebrecht

A defesa de Lula lembra que Rodrigo Tacla Duran tem acusado publicamente a Odebrecht de ter apresentado documentos falsos à Lava Jato como provas de repasses de propinas.

Ele é réu em processo da Operação Lava Jato por lavagem de dinheiro. De acordo com denúncia do MPF feita em maio, Duran atuou como operador de mais de R$ 55 milhões em propinas da UTC Engenharia para agentes públicos, especialmente dirigentes da Petrobras.

Duran tem nacionalidade brasileira e espanhola. Ele deixou o Brasil rumo à Espanha em 2016, onde chegou a ser preso e também é investigado por lavar dinheiro e repassar propinas milionárias. Desde fevereiro, está em liberdade provisória no país europeu. O advogado chegou a ter sua extradição pedida pelo MPF, o que foi negado pela Justiça espanhola. 

Em agosto, Duran acusou o advogado Carlos Zucolotto, padrinho de casamento do juiz Sergio Moro, de ter intermediado negociações com a força-tarefa da Lava Jato. Zucolotto negou as acusações. Já Moro disse ser “lamentável” dar crédito a um “acusado foragido”.

Nesta terça-feira (28), o jornal “Folha de S.Paulo” noticiou que Duran irá apresentar na quinta-feira (30), em depoimento na CPMI (Comissão Parlamentar de Inquérito Mista) da JBS, fotos de mensagens trocadas com Zucolotto por meio de um aplicativo que destrói os diálogos. Zucolotto nega ter conversado com o advogado pelo aplicativo.

No mês passado, os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ), que integram a CPMI, foram até a Espanha para ouvir Duran sobre supostas irregularidades cometidas na Operação Lava Jato.

Não é a primeira vez que a defesa de Lula quer que Duran fale sobre o caso - e que Moro recusa o pedido. Em agosto, já no fim da fase de depoimentos do processo sobre o terreno em São Paulo, Moro negou pedido dos advogados do ex-presidente para que Duran fosse ouvido como testemunha de defesa. O juiz alegou justamente o pedido tardio para que seja ouvido alguém que teve o pedido de prisão decretado por ele

Defesa também quer ouvir criador do Drousys

Além de Rodrigo Tacla Duran, os advogados de Lula pediram a Moro um depoimento do empresário Paulo Sérgio da Rocha Soares, dono da Draftsystems, empresa que criou o sistema Drousys. Ele é irmão do delator e ex-executivo da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares, que integrava o "setor de operações estruturadas" da construtora. Esse pedido foi atendido por Moro na noite desta terça-feira.

Em sua colaboração, Luiz Eduardo afirmou que a Draftsystems também era a responsável por manter o servidor (estrutura de armazenamento de informações) do Meinl Bank, banco comprado pela Odebrecht em Antígua e Barbuda, paraíso fiscal no Caribe, para movimentar propinas.

A defesa de Lula quer que Paulo Sérgio explique por que a Draftsystems administrava os servidores do Drousys e do Meinl Bank, “de onde teriam vindo os extratos e ordens de pagamento questionados”. Os advogados falam em "gestão coincidente dos sistemas".

Em sua delação, Luiz Eduardo também disse que os executivos do Meinl Bank tinham a "disponibilidade" de usar o Drousys.

Já Paulo Sérgio entregou à Polícia Federal, no fim de outubro, documento divulgado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" no qual relata que ajudou o MPF a "localizar e identificar os servidores do Meinl Bank" em HDs recebidos de autoridades suíças --país onde também ficaram parte dos servidores do Drousys.